O Dia Internacional da Mulher e o incessante combate à desigualdade de gênero

15 de março de 2021

Compartilhe:

Em homenagem às mulheres, precisamos falar novamente de resistência, resiliência e superação de obstáculos no combate às condutas discriminatórias, agravadas pela pandemia.

Influenciam no crescimento da violência doméstica e das manifestações de intolerância e racismo, nestes tempos difíceis, a plena assunção das responsabilidades familiares pelas mulheres, levando-as a agir com maior independência e autonomia. Na nossa estrutura patriarcal, o controle da sexualidade feminina, como manifestação da prevalência do masculino sobre o feminino, transforma a casa (o lar) no lugar mais adequado e preferencialmente destinado às mulheres.

O número de domicílios com mulheres responsáveis econômica e afetivamente por suas respectivas famílias mais que dobrou nos últimos anos. Ainda assim, não conseguimos alterar de forma efetiva e eficaz as relações de gênero nas organizações sociais, bem como a distribuição de poder e a divisão do trabalho nos grupos familiares.

Apesar do quadro aparentemente desanimador, na trajetória de lutas pela libertação das mulheres e superação das desigualdades sociais, contabilizamos mais avanços que retrocessos, impondo-nos ressaltar, neste 8 de março, alguns aspectos positivos na evolução legislativa brasileira, alavancados pela Constituição Federal de 88.

Os direitos e princípios sociais igualitários agasalhados na hodierna carta constitucional por força dos combates travados por mulheres brancas e negras minimizaram algumas sequelas do machismo e do racismo estruturais, forjados, ao longo da nossa história, em relações socioeconômicas características de regimes feudais e capitalistas.

A busca por igualdade de oportunidades no mercado de trabalho pelas mulheres negras é extremamente cansativa, sendo rotineiro o enfrentamento do preconceito e da subalternidade. Na advocacia, não bastassem as dificuldades de ascensão nas carreiras jurídicas, não faltam relatos sobre violação de prerrogativas profissionais por racismo.

A deslegitimação das políticas de inclusão, como as cotas raciais, os discursos de meritocracia e de pretenso vitimismo diante de atitudes racistas são verdadeiras formas de exclusão das mulheres negras do mercado de trabalho profissional.

Podemos verificar que a lentidão das mudanças na participação social das mulheres brancas e negras provém do próprio desenvolvimento das políticas de direitos humanos, que na sua origem desconheceu e/ou desprezou as reivindicações feministas, como a ampliação da participação política, a descriminalização do aborto, a igualdade de oportunidades no trabalho e no acesso à educação, entre outras bandeiras.

Como o “homem” era a única referência na proteção de direitos das pessoas, pleitos de outros segmentos sociais mais vulneráveis (mulheres, crianças, idosos, negros, índios, migrantes, homossexuais, transgêneros, transexuais, deficientes físicos e mentais) foram secundarizados.

A ONU, através do Relatório de Direitos Humanos de 2000, só reconheceu a importância de se combater a discriminação contra as mulheres por conta, única e exclusivamente, dos seus danosos reflexos na economia mundial.

Porém, a erradicação de todas as formas de discriminação como consagração da igualdade social e política das pessoas é, ou deveria ser, um compromisso de todos os estados democráticos de direito. Daí a importância da democracia constitucional, no Brasil, para se alçarem vitórias nas políticas de gênero.

Importante destacar o trabalho de articulação dos movimentos feministas na Assembleia Nacional Constituinte, conhecido como “lobby do batom”. O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985, foi o primeiro movimento a divulgar a campanha “Mulher e Constituinte”. Sob o lema “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, promoveu-se, na ocasião, uma série de debates que culminaram na elaboração da famosa “Carta da Mulher Brasileira aos Constituintes”.

Apesar do notável trabalho de advocacy em prol das perspectivas feministas e, em especial, das mulheres negras, a participação delas no Congresso Constituinte foi inexpressiva (eram 11 congressistas negros num universo de 559 na Câmara dos Deputados).

Com a guinada democrática de 1988, é incontestável a mudança de mentalidade sobre as causas pela igualdade de direitos e de oportunidades, inspirando a posterior a elaboração de leis protetivas e garantidoras de valores de dignificação dos seres humanos sem distinção.

O princípio da igualdade material, consagrado no artigo 5º, caput, da CF, está também representado no artigo 4º, VIII (igualdade racial); no artigo 5º, I (igualdade entre os sexos); VIII, (igualdade de credo religioso); XXXVIII, (igualdade jurisdicional); no artigo 7º, XXX, (igualdade salarial); no artigo 14 (igualdade política) e no artigo 150, III (igualdade tributária), apenas para citar alguns dispositivos importantes. São normas de eficácia plena que não exigem para o seu cumprimento qualquer norma regulamentadora.

A Constituição, ao adotar como fundamento a dignidade da pessoa humana e como objetivo a promoção do bem estar de todos, não só impediu o legislador ordinário de criar normas afastadas do princípio da igualdade, como proibiu condutas pautadas em atos discriminatórios, preconceituosos, racistas ou sexistas. As ressalvas somente serão admitidas quando expressamente previstas no texto constitucional.

Outras normas infraconstitucionais impondo o tratamento não discriminatório ou a observância do princípio da igualdade jurídica podem ser exemplificadas na Lei 11.340/06, dispondo sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, numa perspectiva de punir, prevenir e erradicar a violência de gênero e na Lei 7.716/89 c/c 12.288/2010 contra o racismo e a injúria racial.

Na seara trabalhista ficaram proibidas as diferenças salariais; o exercício de funções e critérios de admissão baseados no sexo, raça, cor, idade, e outras formas de discriminação.

No âmbito internacional, entre os tratados ratificados pelo Brasil, merece destaque a Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU-1979), assinada em 1998, mas aplicada em 1994. O artigo 1º dessa Convenção, estabelecendo pela primeira vez o significado de “discriminação contra a mulher”, definiu-a como sendo toda forma de “distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo, que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, (OEA 1994, ratificada em 1995) constitui um marco no combate à violência de gênero e um grande avanço na conquista da emancipação das mulheres. O artigo 1º da Convenção definiu violência contra a mulher como sendo aquela praticada “seja em decorrência de uma ação ou omissão que encontre base no gênero (…) que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial, desde que realizada no âmbito da unidade doméstica, ou seja, o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, ou no âmbito próprio da família, como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, e por último, sempre independentemente de orientação sexual, também se compreendem as decorrentes da relação íntima de afeto quando o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida”.

Entre as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas, vale destacar a de número 122/1996, que confere o direito de livre escolha de emprego pelo trabalhador qualquer que seja a sua raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social. No entanto, vale reproduzir o alerta da professora e magistrada trabalhista Patrícia Maeda para os períodos de crise. “Quando se faz necessário o corte de gastos e os postos de trabalho estão escassos, são as mulheres as primeiras a serem mandadas de volta para casa”.

Os desafios persistem, mas podem ser enfrentados com amparo na CF e em normas dessa legislação especial, dando-lhes materialidade e efetividade. Podemos também avançar apostando na atuação organizada e madura dos movimentos femininos, no diálogo e nas concertações sociais entabuladas pelas instituições e nas quais participe o Estado, debatendo constantemente medidas que incentivem a adoção de mais políticas públicas de igualdade de gênero.

A tristeza que nos trouxe a pandemia não deve ser empecilho para comemorarmos o Dia Internacional da Mulher com esperança e fé num mundo menos desigual, principalmente nas questões de raça e gênero.