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O desacerto do novo CPC quanto ao cabimento do agravo de instrumento

16 de fevereiro de 2017

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otavio_abreuÉ consabido que a sistemática de interposição e julgamento do agravo interno foi totalmente remodelada pelo CPC/15, com destaque para o disposto no artigo 1.021, § 3o que assim dispõe: “§ 3o É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno. [g.n.]”

De se registrar que as possibilidades de julgamento monocrático pelo Relator foram tecnicamente corrigidas pelo CPC/15, considerando que atualmente existem hipóteses em que este juízo é de mera admissibilidade (falta de algum pressuposto formal – preparo, tempestividade, etc.), enquanto outras refletem autêntico julgamento de mérito do recurso, caso em que se nega ou se dá provimento ao mesmo.

Explicita-se que na regência do CPC/73 eventual dissonância da tese recursal com jurisprudência dominante do próprio Tribunal ou de instância superior, ou mesmo na hipótese de pretensão manifestamente improcedente, conduzia-se à negativa de seguimento monocrático do recurso (artigo 557, caput do Código revogado), termo que necessariamente nos remetia a um juízo de negativo de admissibilidade puro, muito embora nestes casos (de confronto com a jurisprudência ou evidente improcedência do recurso) referido juízo fosse genuína e evidentemente de mérito recursal.

Ou seja, na sistemática anterior, qualquer que fosse a hipótese de aplicação do julgamento monocrático pelo Relator – irregularidade formal do recurso ou confronto com jurisprudência iterativa do próprio tribunal ou tribunal superior/manifesta improcedência – atribuía-lhe o CPC/73 natureza jurídica de admissibilidade negativa porquanto estatuía que o Relatornegaria seguimentoao recurso interposto nessas condições.

Repisa-se que o termo empregado (“seguimento”) indistintamente tanto para uma quanto para outra hipótese fazia supor que ali se estava concretizando um julgamento de admissibilidade, fato que criava uma inconsistência evidente quando se tratava de recurso contrário a jurisprudência dominante ou manifesta improcedência do mesmo.

Em verdade, talvez por tal razão é que sob a batuta do CPC/73 era bastante comum que no agravo interno o agravante questionasse o próprio mérito do que havia sido decidido pela decisão monocrática (também de mérito, repise-se), forçando destarte o julgamento colegiado da questão controvertida.

O correto, sob o ponto de vista técnico, seria que, em sendo realizado juízo de mérito monocrático pelo Relator afirmando que o recurso era contrário à jurisprudência dominante do próprio tribunal ou de tribunal superior, o agravante impugnasse a técnica de julgamento, e não o mérito da questão em si, vale dizer, demonstrando com seu agravo interno que não cabia naquele caso o julgamento monocrático, hipótese em que o recurso originário deveria ser apreciado por todo o colegiado recursal, em observância ao princípio da dialeticidade.

Mas talvez por uma política de instrumentalidade, o agravo interno interposto nestas condições costumava ser conhecido e, no voto do relator, caso fosse mantido seu entendimento, não lhe restava outro caminho senão reprisar os mesmíssimos fundamentos expendidos quando da prolação do decisório isolado, na maioria das vezes simplesmente reproduzindo ipsis litteris seus termos para efeito de contagem como voto colegiado.

Nada obstante veio o CPC/15 e trouxe a vedação decisória acima disposta, de tal sorte que não mais se afigura possível a reprodução ou remissão aos termos da decisão monocrática de mérito para fins de fundamentação do voto de manutenção no agravo interno daí interposto.

Ipso facto, concluímos que referida alteração legislativa também impôs por via reflexa importantes implicações argumentativas para as partes, porquanto se é defeso ao Relator reproduzir a própria decisão monocrática (de mérito) como voto colegiado, também há de se observar nas razões do agravo a mais estrita dialeticidade, ou seja, o que o recorrente deve impugnar é a técnica da decisão (monocrática de mérito), e não o teor do que foi decidido em si.

Do contrário, vale dizer, caso o agravo regimental impugne o próprio mérito do que foi decidido, o Relator não terá como admitir o recurso e fundamentar seu voto sem que faça, direta ou indiretamente, remissão aos termos sua decisão monocrática, violando destarte o dever judicial contido no artigo 1.021, § 3o do CPC/15, exceto se evidentemente alterar por qualquer motivo seu entendimento.

A exceção fica obviamente por conta das hipóteses em que a decisão monocrática do relator não é uma decisão de mérito, e sim de admissibilidade pura. Assim, por exemplo, se o recurso não é conhecido por intempestividade, o agravo daí interposto evidentemente terá de confrontar as balizas fáticas e temporais empregadas pelo julgador para reconhecer a extemporaneidade do recurso não conhecido. Mas perceba que, neste caso, existe uma correspondência entre o que foi decidido e o que é passível de discussão e decisão no recurso, de tal sorte há dialeticidade.

Ou seja, ao criar a restrição decisória acima disposta, por via reflexa exigiu o legislador que também o agravo interno seja adequadamente dialetizado com as razões que, de fato, impugnem objetivamente a técnica de julgamento monocrático de mérito aplicada pelo Relator no recurso originário, sob pena de não conhecimento do apelo regimental.

De forma bastante sintética é afirmar que, sob tais circunstâncias, o agravo interno deverá defender o direito ao julgamento do recurso pelo colegiado, e não o próprio direito controvertido no recurso originário, a partir do qual foi interposto.

Do contrário, a permissividade de julgamento monocrático atualmente contida no artigo 932 do CPC/15 se esvaziaria de sentido, porquanto bastaria ao agravante reproduzir a tese estampada no recurso desprovido monocraticamente para forçar o julgamento colegiado da matéria no mérito, o que não é evidentemente o escopo do apelo interno/regimental.

Com efeito, pois assim se entendendo restaria delegado ao puro alvitre do recorrente ter ou não julgado seu recurso por todo o colegiado, subtraindo a utilidade da norma permissiva do julgamento isolado do relator, voltada à celeridade processual. Se imporia concluir também, a reboque, a coexistência abstrata intolerável de dois recursos destinados à impugnação da mesmíssima matéria de mérito, violando de forma franca o princípio da unirrecorribilidade.

Nesse último quadrante, perceba que se hipoteticamente um determinado agravo de instrumento tiver seu provimento denegado monocraticamente pelo relator por contrariedade à jurisprudência de instância superior, e que se o agravo regimental porventura a partir daí interposto simplesmente reprisar-lhe as razões, ambos recursos estariam, no fundo, a impugnar materialmente a mesma decisão (o agravo interno de forma interposta, evidentemente).

Em linhas gerais, portanto, se não pode o Relator reproduzir a decisão monocrática de mérito, também não pode o agravante reproduzir as razões do recurso desprovido para fins de argumentação, sob pena de grave inconsistência na logicidade entre o que se decide e o que se julga (ou como se julga).

À guisa de fechamento, se impõe concluir destarte que a interpretação da norma de regência em enfoque, embora tenha como destinatário primário o julgador, tem importante efeito reflexo secundário na atividade argumentativa do advogado, que deve estar atento ao escopo correto do agravo regimental, sob pena vê-lo não conhecido por ausência de dialeticidade, indissociável da otimização da prestação jurisdicional colimada pelo CPC de 2015.