Edição 299
O Brasil que dá certo: 41 anos de ANADEP e a revolução do acesso à justiça
11 de julho de 2025
Fernanda Fernandes Presidenta da Anadep

Se há algo que encanta, une e define o Brasil é a força da nossa cultura, da nossa criatividade e da nossa capacidade de transformar diversidade em potência. Basta ver o verdadeiro alvoroço que os shows de Gilberto Gil vêm provocando por todos os estados. As bilheteiras esgotadas, os coros apaixonados e a comunhão coletiva revelam verdade cristalina: há coisas que só existem no Brasil – ou que, por aqui, se manifestam de forma absolutamente genial, singular e deslumbrante.
Eu, que sou carioca de nascimento, filha de nordestino e goiana por tempo, por coração e pela generosidade do título, posso afirmar, com propriedade, que há símbolos que nos definem e nos traduzem: jabuticaba, pamonha, forró, paçoca, a genialidade e a brasilidade de Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Elba Ramalho, Tereza Cristina, Cazuza, Machado de Assis, Santos Dumont, Pelé – e de tantos outros e outras que, com artes, invenções, pensamentos e coragens, moldaram e moldam o que somos. Isso nos enche de orgulho e levamos, com alegria e responsabilidade, como algo genuinamente brasileiro, que dá certo e que temos o dever – e o prazer – de apresentar ao resto do mundo.
E essa criatividade, que pulsa na nossa música, na literatura, na ciência, no esporte e na invenção, também se expressa – e de maneira poderosa – na força das nossas instituições e na capacidade de alcance da nossa democracia, que, apesar de tensionada e desafiada diariamente, persiste e resiste. Uma democracia que se ergue sobre pilares de proteção social e defesa dos direitos fundamentais e que encontra, na Defensoria Pública, uma de suas expressões mais belas e necessárias.
A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), que neste ano celebra 41 anos de história, é parte indissociável dessa construção democrática. Seu papel não é apenas defender uma categoria profissional. É, sobretudo, lutar pela consolidação de um modelo de acesso à justiça que não seja privilégio, mas, sim, direito fundamental – gratuito, público, integral e de qualidade – para quem mais precisa.
E esse modelo brasileiro de acesso à justiça, fruto da luta de gerações, é hoje objeto de admiração internacional. Não me sai da memória cena marcante vivida no final de 2024, em Santiago do Chile, durante o Encontro Regional “Avançando rumo a uma Convenção Ibero-americana de Acesso à Justiça” – organizado pela COMJIB, pelo PNUD e pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos do Chile. Durante a escuta da sociedade civil, ouvi, de um dos representantes, uma fala carregada de esperança e de inquietação: “Meu sonho é ter uma Defensoria Pública como a do Brasil. Aqui, onde o acesso à justiça depende de entidades privadas, se alguém não presta o serviço a contento… a quem vamos recorrer? Quem garante accountability, responsabilidade, compromisso público?”.
Essa fala reverberou em mim como um chamado, um lembrete de que nossa luta interna tem ecos que atravessam fronteiras. Porque, de fato, o modelo público de acesso à justiça é o único capaz de assegurar accountability, transparência, controle de qualidade e de orçamento. É, portanto, o modelo que ecoa o interesse público, adotado, não por acaso, como modelo constitucional no Brasil – e reconhecido como paradigma internacional nas Américas. Um modelo que assegura que o acesso à justiça não seja mercadoria, mas, sim, direito fundamental, estruturante e promotor da cidadania.
Não por acaso, a Defensoria Pública brasileira ocupa hoje a presidência da Associação Interamericana de Defensorias Públicas (AIDEF) – entidade que congrega Defensorias e instituições congêneres de toda a América Latina e do Caribe, com a missão de promover, defender e fortalecer o direito de acesso à justiça das pessoas em situação de vulnerabilidade no continente, a partir de um modelo público, gratuito, integral e estruturante.
O modelo brasileiro se distingue não só por sua atuação judicial – tanto individual quanto coletiva –, mas também por incorporar abordagem preventiva, resolutiva e educativa. A atuação extrajudicial, a educação em direitos e a mediação de conflitos são faces indissociáveis de um sistema que entende que justiça não se faz apenas nos tribunais, mas, sobretudo, na construção cotidiana da cidadania e da dignidade.
No plano interno, a ANADEP se mantém vigilante, estratégica e atuante junto aos Três Poderes, no Legislativo, no Judiciário e no Executivo, além de fortalecer alianças permanentes com a sociedade civil. Atua por meio de mais de 15 comissões temáticas, que aprofundam e especializam sua agenda institucional, e, de forma bienal, lança campanhas nacionais de educação em direitos, sempre voltadas a temas estruturantes e sensíveis, como igualdade de gênero, combate ao racismo, direito das pessoas em situação de rua, meio ambiente, infância e juventude, entre outros.
Ao mesmo tempo, a ANADEP exerce, de forma intransigente e permanente, a defesa das prerrogativas, das garantias e das condições institucionais da Defensoria Pública, lutando pela valorização de suas defensoras e defensores. Isso é fundamental para que possam atuar em igualdade de condições e garantias com as demais instituições do sistema de justiça, fortalecendo, assim, um modelo que efetivamente promova o acesso à justiça, não como promessa formal, mas como realidade concreta, transformadora e emancipatória.
Por isso, ao longo das décadas, a trajetória da ANADEP se confunde com a própria evolução da Defensoria Pública. Os avanços institucionais e legislativos da Instituição foram, em grande parte, liderados ou impulsionados pela atuação decisiva da Associação Nacional, uma das maiores entidades representativas de defensoras e defensores públicos da América Latina. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a ANADEP tem contribuído de forma decisiva para a construção e o fortalecimento de políticas públicas voltadas ao acesso à justiça.
Tivemos papel fundamental na Reforma do Judiciário (EC no 45/2004), que assegurou autonomia funcional e administrativa à Defensoria Pública. Anos depois, comemoramos a aprovação da LC no 132/2009, que conferiu nova estrutura à Instituição, fortalecendo sua atuação coletiva e consolidando o(a) defensor(a) público(a) como agente de transformação social.
Em 2013, com o lançamento do primeiro Mapa da Defensoria Pública no Brasil, identificamos que apenas 28% das comarcas do país contavam com defensoras e defensores públicos. Para reverter esse cenário, a ANADEP liderou a mobilização que resultou na aprovação da Emenda Constitucional no 80 – um marco para a interiorização e o fortalecimento da Defensoria, ao estabelecer a obrigação do Estado de garantir defensoras e defensores públicos em todas as comarcas.
Neste momento em que celebramos os 41 anos da ANADEP, fazemos um balanço do caminho percorrido e reafirmamos nosso compromisso com a universalização do acesso à justiça. Seguiremos trabalhando para levar a Defensoria Pública a todos os rincões do Brasil.
Celebrar 41 anos é, portanto, celebrar trajetória de luta, resistência e compromisso ético com a democracia e com os direitos humanos. É reafirmar que a ANADEP segue – com o brilho da jabuticaba, o compasso do forró, a sustância da paçoca nordestina (que não é doce, mas é alimento de resistência, de sustento e de travessia) e a genialidade da brasilidade de Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Elba Ramalho, Tereza Cristina, Cazuza, Machado de Assis, Santos Dumont, Pelé e tantos outros e outras – cumprindo sua missão de ser guardiã do acesso à justiça efetivo, democrático, no Brasil e além de nossas fronteiras, na construção de um Brasil que dá certo e que tem, sim, todo o direito – e todo o orgulho – de se apresentar ao mundo como exemplo de modelo público de acesso à justiça que transforma vidas e constrói cidadania.
Anadep comanda reunião anual do Conselho Executivo da Associação Interamericana de Defensorias Públicas
A Associação Interamericana de Defensorias Públicas (AIDEF) realizou, em junho, a reunião anual do seu Conselho Diretivo e Executivo. A Anadep, que ocupa a presidência da AIDEF, conduziu a reunião em Montevidéu, no Uruguai, cujo objetivo foi debater o fortalecimento da Defensoria Pública na América Latina e no Caribe e a defesa do acesso à justiça pela população mais vulnerável.
Conduzida pela Defensoria Pública brasileira, a reunião contou com a participação de 19 representantes dos diferentes países da região sul, central e norte da América. Também foi realizada visita à vice-presidente do Uruguai, Carolina Cosse, que ressaltou a importância da valorização do defensor público como forma de garantir a defesa dos direitos humanos: “Junto a diretoras e diretores de defensorias públicas de todo o continente, dialogamos sobre o papel fundamental da defesa pública e o acesso real à justiça.”

A presidenta da Anadep, Fernanda Fernandes, conduziu a reunião anual do
Conselho Diretivo da Associação Interamericana de Defensorias Públicas
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