O Brasil e o Primeiro Mundo

5 de março de 2005

Antônio Ermírio de Moraes Empresário

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No artigo publicado nesta coluna do dia 6/3, registrei a falta de água como um grande obstáculo para o futuro da China. Em livro recente, Lester Brown apresenta detalhes alarmantes sobre esse problema. O lençol freático do norte da China está descendo de um a três metros por ano (Lester Brown, Outgrowing the Earth, New York: W.W. Norton & Company, 2004). Essa é uma perda brutal quando se considera que para produzir uma tonelada de grãos são necessários 1.000 toneladas de água. Na agricultura, não se faz nada sem água.

No entanto, o norte da China está secando. Para quem vive longe daquele gigante, é difícil imaginar a extensão dessa catástrofe. Rios e lagos estão desaparecendo. Velhos desertos avançam a cada dia. E novos são formados. Há dez anos, a China era auto-suficiente em soja. Em 2004, importou 22 milhões de toneladas.

Esse problema não é só da China. A Índia e os Estados Unidos estão sendo igualmente afetados. A escassez decorre do advento de bombas de grande potência que extraem da terra quantidades gigantescas de água para sustentar grandes populações. Esses três países têm mais da metade da população do mundo e o que se retira dos aqüíferos não tem sido compensado pela reposição das chuvas.

Esse é um fenômeno recente. Depois das grandes conquistas da pesquisa agropecuária e de uma produção que triplicou entre 1950 e 1996, as safras de grãos mundiais mantiveram-se estáveis nos últimos sete anos. Nas décadas de 50 a 80, a produtividade aumentou 2% ao ano. Na década de 90, baixou para 1%. E a partir de 1984, o crescimento das safras ficou aquém do crescimento da população.

Um quadro desse tipo constitui um enorme desafio aos poucos países que contam com água e outros recursos para poder expandir sua produção. O Brasil é o único que possui água em abundância, grandes extensões de terra e uma boa pesquisa agropecuária. No ano passado, produzimos 66 milhões de toneladas de soja e exportamos 44 milhões de toneladas (in natura e industrializada), ultrapassando as vendas dos Estados Unidos que ficaram em 33 milhões de toneladas.

Os demógrafos estimam que até 2050 o mundo terá perto de 3 bilhões de pessoas a mais ao mesmo tempo em que as safras dos grandes países estarão encolhendo. Ou seja, as oportunidades do Brasil do futuro foram definidas hoje. Em boa hora o Congresso Nacional regularizou o plantio da soja transgênica que reduz os custos e aumenta a produtividade. E temos tantos recursos que podemos nos dar ao luxo de produzir também a soja tradicional para exportar aos países que não gostam de transgênicos.

O Brasil é um país abençoado. Mas há muitos problemas a resolver para podermos obter o máximo de benefício em termos de renda e emprego. A precariedade das estradas e da armazenagem, o alto custo dos portos e a pesada carga tributária são itens prioritários na agenda do desenvolvimento para bem aproveitarmos as oportunidades que se abrem. Isso precisa ser acertado hoje para garantirmos a inclusão do Brasil como país do Primeiro Mundo. Se trabalharmos com muita intensidade e seriedade tenho certeza que chegaremos lá.