Edição 1
O advogado, o Ministério Público e o juiz
5 de maio de 1999
Paulo Espirito Santo Desembargador Federal do TRF-2ª Região
Tenho uma visão, não sei se única, pessoal, talvez seja uma visão do senso comum, no sentido de que tudo existe, sob o ponto de vista de realização da Justiça.
Tal assertiva não se deve ao fato de estarmos diante de uma platéia qualificada, mas porque sempre entendi, desde o tempo em que tive a honra de ter sido advogado e membro do Ministério Público Federal, que nada existiria, em termos de justiça, se não fosse a Advocacia.
Na verdade, só se é membro do Ministério Público e da Magistratura, quem já foi advogado um dia. Pelo menos teoricamente. Eu, aliás, passei tanto pela Advocacia, como pelo Ministério Público e agora estou na Magistratura.
Portanto, procuro sempre ter muita cautela, no que concerne à atividade institucional do advogado, uma vez que ela antecedeu a própria atividade jurisdicional, com instituto dogmaticamente constituído, sob o ponto de vista da evolução histórica. Como todos nós sabemos, o instituto da jurisdição, de fato, foi iniciado pelo Monarca, para não se retroceder ao tempo do ‘olho por olho e dente por dente’ com a presença dos advogados da época.
Sabe-se, também, que a instituição do Ministério Público, maravilhosa, grandiosa e importante, nasce muito depois da Advocacia, que, em última análise, antecede a tudo isso.
Na realidade, a atividade do advogado, sob o prisma da evolução histórica, promoveu a criação ou inspirou a própria jurisdição de hoje.
Como Professor de História do Direito, durante muitos anos de minha vida, posso assegurar que foi exatamente assim que se estabeleceu e evoluiu a atividade jurisdicional.
Tenho bastante cuidado ao vislumbrar qualquer tipo de controvérsia, envolvendo o juiz, o Ministério Público e o advogado, porque acho que se trata de instituições que devem existir harmonicamente, sem qualquer ‘hierarquia’.
Entendo que estas instituições não possuem o mínimo de superioridade entre si, e não digo isto para agradar — mas, realmente, não consigo ver um milímetro de superioridade entre o juiz, o advogado e o Ministério Público e vice-versa.
Eventualmente, existem manifestações jurisdicionais escritas, onde o juiz utiliza linguagem mais forte e não se diz que está ele praticando o crime de calúnia. Da mesma forma ocorre com a atividade do Ministério Público, o que é perfeitamente escusável.
Pergunta-se: será que a atividade do advogado está abaixo, sob o aspecto institucional, em importância na realização da justiça? A resposta é negativa. E digo isto, há mais de vinte anos, e todos podem constatá-lo: sempre inicio minha falas dirigindo-me, tanto ao magistrado, ao promotor e ao advogado pelo tratamento de “Excelência”, já que todos somos iguais, apenas com funções diferentes.
Tenho pena de um povo e de uma sociedade que, algum dia, vier a dispensar, no sistema jurisdicional, a atividade do advogado.
Estou dizendo isto porque tenho saudades de ter sido advogado. Tive a honra de ter sido advogado, como tive a honra de ter sido membro do Ministério Público, e hoje sou absolutamente completo e realizado como juiz, mas não esqueço as minhas origens institucionais.
Evidente que é necessário ter-se a atividade institucional livre, não só a do Ministério Público, que aliás é hoje o Ministério Público pátrio, um dos mais poderosos do mundo, e é um ótimo Ministério Público, por sinal. E digo isso, não porque fiz parte da instituição, mas porque, em verdade, o é, como também as demais instituições que realizam a justiça. Digo isto porque é verdade, e porque o nível de Advocacia, no Brasil, hoje, é muito bom, com as virtuais ressalvas.
O Brasil possui, também, um dos melhores judiciários do mundo, e, repito, melhor até do que o americano, relevem a imodéstia pois é menos autoritário, e mais democrático, e mais transparente.
O Poder Judiciário brasileiro é demorado? Sim, de fato o é, mas, pouco se cumpre a lei neste País, se agride muito a Constituição Federal. O que se pode esperar de uma Nação, onde se diz que “uma lei pode pegar ou não!” Pobre de nós, se não tivéssemos o advogado e um Judiciário atento, numa conjuntura desta.
Quanto a questão técnica: o Direito Penal é técnico e matemático e digo sempre aos meus alunos — embora não seja Professor de Direito Penal — que o Direito Penal é o mais fácil de todos, porque é matemático, não tem falhas. Ele dá pouca margem a interpretação doutrinária.
Primeiramente, o Brasil adotou a teoria finalística da ação? O Brasil é finalista ou é causal-naturalista? A Reforma de 84 não trouxe o finalismo para o seio do sistema do Código Penal, apenas sinalizou neste sentido, com a teoria do erro, por exemplo.
O nosso Código é causal-naturalista, nossa jurisprudência é causal naturalista, a nossa doutrina é que usou todo esse modismo inaugurado na Alemanha, exatamente, para desenvolver a teoria finalista.
O que é teoria finalista? Essa teoria foi a mais defendida exatamente pelos Membros do Ministério Público, no Brasil e no mundo, porque dava possibilidade ao titular da ação penal, no limiar da ação penal, na denúncia, de interpretar, além dos três elementos objetivos do conceito analítico do crime, que é a ação, com o comportamento humano voluntário, que faz uma modificação no mundo exterior, a antijuridicidade; e a tipicidade, destacando o elemento psicológico normativo da culpabilidade, retirando os dois primeiros elementos do dolo, ou seja, a representação e a conduta dirigida ao resultado, colocando-os no tipo.
De uma forma, quando eu estava no Ministério Público Federal, nunca aceitei o finalismo; sempre achei que o Brasil era causal-naturalista, apesar do modismo doutrinário.
Mas, agora, estou começando a raciocinar da seguinte forma: será que um juiz deve defender suas convicções teóricas científicas, na atividade jurisdicional, em detrimento da própria atividade final, que é a realização da justiça?
O grande argumento do finalismo é o seguinte: será necessário submeter-se o réu a um “stress” processual quando se pode ver logo na ação ou no tipo, na conduta dele, o elemento objetivo? Isto é, deixar-se-ia o juiz promover todo o processamento da ação penal, para verificar, ao final, que faltavam os dois primeiros elementos do dolo, e, portanto, faltando o elemento psicológico normativo, cairia a culpabilidade e caindo a culpabilidade, não haveria crime?
Assim, passei a raciocinar da seguinte maneira: toda vez que tiver de beneficiar o réu, vou aplicar o finalismo.
Isto porque sempre tive uma visão, em matéria penal, no sentido de buscar a intenção maior, analisando o contexto da situação fática, não quer dizer que eu absolva, invariavelmente, mas penso que tenho um compromisso com os homens que me colocaram aqui e aquele que me deu um cheque em branco: que foi Deus. Para estar aqui não posso falhar, colocando um inocente na prisão, pois estaria não só praticando uma grande injustiça como um grande crime para com os céus, que nunca poderá ser revisto, de forma alguma.
Ainda utilizando-me da teoria finalista da ação; não consigo vislumbrar o que denominam “elemento subjetivo do tipo”. Faz-se, então, a seguinte pergunta: Pode-se trancar uma ação penal atípica? A resposta é no sentido de que não se pode, como se deve fazê-lo, até de ofício.
Pergunta-se: o que é crime? E agora, vou abandonar o finalismo e vou adentrar a teoria causal-naturalista, ou seja, deixemos o dolo cheio, o elemento psicológico normativo e interpretamos o conceito analítico de crime, que é uma ação, típica, antijurídica e culpável.
A antijuridicidade é elemento objetivo, juntamente com a ação e a tipicidade.
Mesmo na teoria causal-naturalista, qual a falsidade que há na espécie? Qual a maneira que se tem? Nenhuma.
Já não basta estarmos num país em que as pessoas não conseguem recolher contribuição para a Previdência, não conseguem pagar a enorme quantidade de tributos, pois Brasil é o país que mais tem impostos no mundo e são taxados de criminosos.
Isto porque existe uma legislação (antipática, por sinal) que constitui essa conduta como crime, como se o crime fosse somente aquele fato formalmente caracterizado, levando-se em conta a lei e não, também, um conceito social, ou seja, repudiada pelo sentimento comum do povo.
Não se pode conceber um país em que se coloca na cadeia um indivíduo que não consegue pagar um tributo, considerando a alta carga tributária.
Devemos primar por uma justiça, não para dirigir-se contra o Ministério Público, e trancar uma ação penal contra os procuradores, pois temos que alcançar o convívio bastante harmonioso, porque essas três instituições, Magistratura, Ministério Público e Advocacia são necessárias à realização da justiça, para estarmos com a consciência tranqüila.