Edição

Nova lei da imigração no Brasil – O trabalhador estrangeiro diante do paradigma constitucional-fraternal

24 de janeiro de 2018

Carolina Simões Correia Assistente de Juiz do TJRS

Luciane Cardoso Barzotto Juíza do Trabalho do TRT da 4ª Região

Renata Duval Martins Assistente em Administração na Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Compartilhe:

Introdução
Brasil conta com uma base constitucional que lhe dá clareza sobre a linha geral das políticas públicas e da legislação em relação aos imigrantes. A constituição de 1988 propõe, de fato, a construção de uma sociedade fraterna (Preâmbulo). O conceito de fraternidade aponta à relação de reciprocidade que vincula os seres humanos entre si implode todo tipo de nacionalismo, fechamento de fronteiras e xenofobia, fatores que tem levado a uma crescente desglobalização, que em 2016 teve dois marcos históricos: o Brexit e a eleição de Donald Trump nos EUA.

Neste sentido, a nova Lei de Migrações no Brasil, a Lei no 13.445/2017, melhora a situação do estrangeiro, garantindo a ele mais direitos no sentido qualitativo e quantitativo, limitando o nacionalismo. A nova lei aponta para a proteção do trabalhador estrangeiro em diversas esferas, superando a visão deste como inimigo.

1. Fraternidade e o Direito à Imigração
O princípio da fraternidade, mais que um princípio de direito, é um princípio ético, motor de deveres recíprocos, uma predisposição de ânimo que permite que o ser humano seja capaz de olhar qualquer outra pessoa com simpatia, porque visualiza em cada homem ou mulher origem e destino comuns. Visualiza-se no outro, “um outro eu” , independente da cultura.

Esta visão do “outro” como “eu” dá suporte ético a uma superação da visão hegemônica e individualista dos direitos humanos e conecta os grupos e pessoas humanas à experiência das relações fraternais. Neste ponto, os vínculos de fraternidade implementam os direitos e a carga histórica da consolidação dos direitos humanos é suportada não apenas sobre os ombros do Estado. Deveres e direitos, deste modo, são assumidos para além das prescrições legais uma vez que movimentos sociais e indivíduos se tornam promotores e atores dos direitos humanos.

A orientação ética que decorre da fraternidade retira toda e qualquer pessoa humana de uma posição exclusiva de luta pelos seus direitos, simplesmente porque na avaliação dos bens da vida a serem resguardados, colocará em primeiro lugar a preservação do liame que o vincula à pessoa com quem se relaciona, à custa de sacrificar um direito pelo qual lhe parece legítima a luta. Sob este chão, sente-se a busca pelo bem do outro como um dever, a acolhida ao imigrante o diálogo que o permite manifestar sua cultura, um imperativo interno mais forte que o reclame constitucional (e aquele contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem) ao dever de tratar a todos com espírito de fraternidade.

Portanto, num lugar e momento de choque cultural seria possível um diálogo com bases em valores comuns a serem debatidos e pesados tendo como “fiel da balança”, o princípio da fraternidade que, não funcionaria tanto como norma de garantia de direitos, mas como cola que preserva e recompõe os vínculos sociais. Nesta dinâmica, certamente ­haverá direitos sacrificados de lado a lado, imigrantes e ­nacionais ­haverão que suportar fortes perdas mas também ganhos recíprocos. Isso tudo corresponde a uma razoabilidade prática, o ethos fraternal. Esta ­racionalidade fraternal é uma decisão que não é isenta de conflitos, mas é essencial para a construção de um espaço comum.

2. Fraternidade e Trabalho do Imigrante na Constituição Federal de 88
Conforme a Constituição Federal de 88 são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3o da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Em uma interpretação ampliada do texto constitucional do art. 3o em exegese unitária com o Preâmbulo, a nação que prometemos construir é livre, igual e fraterna.

Aqui a fraternidade, com raízes na liberdade e igualdade, se expressa como “responsabilidade recíproca”, “reciprocidade”. De fato, a reciprocidade aponta para atitude de abertura dos membros da sociedade, com aqueles que, em tese, seriam forasteiros à comunidade brasileira, mas ao ingressar no Brasil, adotam uma nova pátria, novo pertencimento cidadão:

A fraternidade é considerada um princípio que está na origem de um comportamento, de uma relação que deve ser instaurada com os outros seres humanos, agindo ‘uns em relação aos outros’, o que implica também a dimensão da reciprocidade. Nesse sentido, a fraternidade, mais do que como um princípio ao lado da liberdade e da igualdade, aparece como aquele que é capaz de tornar esses princípios efetivos. […]

A liberdade por sua vez, é condição da responsabilidade. Só responde por si e por outrem quem é livre. A igualdade também está contida aqui: a fraternidade exige que todos sejam igualmente responsáveis por si (liberdade) e por outrem (comunidade). Ademais, “[…] a fraternidade é o princípio regulador dos outros dois princípios: se vivida fraternalmente, a liberdade não se torna arbítrio do mais forte, e a igualdade não degenera em igualitarismo opressor”.

Em tese de doutorado, Carlos Augusto Alcântara Machado explicita o compromisso preambular da Carta Magna do Brasil de 1988, com relação ao princípio da fraternidade, colocado, historicamente, em posição secundária quanto aos demais princípios de liberdade e igualdade. Para o autor a fraternidade é o ponto de equilíbrio entre princípios tradicionalmente assegurados, liberdade e a igualdade e o preâmbulo da constituição tem força normativa ao referir:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a ­segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

A tese da relevância normativa do preâmbulo cons­­titucional ganha força doutrinária jurisprudencial nas cortes superiores.

Numa interpretação em conformidade com o paradigma fraternal da Constituição de 88, aponta-se para a inconstitucionalidade de normas que discriminam as pessoas que ingressam em território pátrio para trabalhar.

Aplica-se aqui a interpretação do direito à não discriminação do estrangeiro com base nos artigos. 3o, IV, 5o, 7o, incisos XXX, XXXI e XXXII, da CF. Além disso, exige-se uma necessária reinterpretação da legislação do estrangeiro vendo se a lei no 13.445/2017 nesta dimensão fraternal-igualitária.

Na prática, se do ponto de vista jurídico houvesse dúvida da existência de um fundamento constitucional que ampara os direitos do trabalhador imigrante no Brasil, do ponto de vista econômico e social, pesquisas revelam a positividade da imigração: os estrangeiros melhoram os salários, a produtividade e o empreendedorismo no país em que estabelecem. Não necessariamente se estabelecem em setores em que concorrem ou desempregam os trabalhadores nacionais, como é o caso ­setor doméstico ou de serviços.

Em outros termos, as vantagens da imigração pode se dar no enriquecimento da atividade produtiva: ­tornam seus colegas não migrantes mais produtivos; fundam empresas nos países que chegam, causam inovações surpreendentes e contribuem para a diversidade social e cultural, com impacto profundo sobre a extensão e o desenvolvimento da economia.

Esta inserção do imigrante na economia do país, no entanto, muitas vezes ocorre de modo pouco fraterno e justo. Tendo em vista a sua situação de vulnerabilidade – por falta de acesso à educação formal, desconhecimento do idioma falado no novo país e dos seus direitos neste, etc. –, este trabalhador é mais suscetível a ser empregado em condições nas quais os seus direitos trabalhistas estão sendo descumpridos e não raro, em casos mais graves, as violações podem até caracterizar a prática de trabalho forçado.

3. Imigrantes e Trabalho: Lei Anterior, Nova Lei e CLT.
No Brasil, na vigência do Estatuto do Estrangeiro, a Lei no 6.815/80, regulamentada pelo Decreto no 86.715/81, definia a situação jurídica dos trabalhadores estrangeiros no País.

O Conselho Nacional de Imigração (CNig), criado sob a lei anterior é órgão do Ministério do Trabalho e Emprego formula políticas de imigração e concede autorização de trabalho para estrangeiros que pretendem permanecer aqui por algum tempo ou defin­itivamente. Conforme Resolução Normativa no 104/2013 do MTE/CNI, do CNig, se exige a apresentação de contrato de trabalho por prazo determinado ou indeterminado pelo requerente da autorização para trabalho. Após esta autorização do CNig e mediante a apresentação de contrato de trabalho com execução no Brasil (arts 14 a 18 da Lei no 6.815/80) o Ministério das Relações Exteriores emite autorização consular registrada no passaporte, “visto”, temporário ou permanente. Este modo de regulamentar a matéria restringe a vinda de estrangeiros, por quanto necessitam primeiro da garantia do emprego, e, somente depois serão regularizados.

Quanto à CLT, as reformas trabalhistas recentes não modificaram os artigos que protegem o mercado de trabalho do trabalhador nacional, conforme disposto nos dispositivos 352 a 357 da CLT. Segundo a maior parte da doutrina – como Delgado, Carrion, Saad e Pinto Martins – houve a revogação ou inconstitucionalidade destes dispositivos. Parcela minoritária da doutrina, como José Afonso da Silva, opta pela tese da manutenção de cotas nacionais nas empresas, criando uma proteção especial para o nacional. Outros entendem que, sobre o mercado de trabalho deve ser feita uma interpretação conforme a Constituição ou conforme a teoria dos Direitos Humanos, mais equitativa para os migrantes, o que envolve a aplicação de diretivas de normas internacionais. Trata-se de examinar eventuais tensões entre dois direitos fundamentais: direitos de nacionalidade e seus desdobramentos na proteção do mercado de trabalho (art. 12 da CF/88) e direito à não discriminação do estrangeiro (art. 3o, IV, 5o, 7o, incisos XXX, XXXI e XXXII, da CF).

Quanto à nova Lei 13.445/2017, alguns pontos são importantes avanços quanto ao paradigma fraternal. Em síntese, entre os princípios da lei, estão a garantia ao imigrante de condição de igualdade com os nacionais, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade e acesso à justiça e aos serviços públicos de saúde e educação. Ficam garantidos o mercado de trabalho e direito à previdência social, exercício de cargo, emprego e função pública, conforme definido em edital, com exceção dos concursos reservados a brasileiros natos.

Considerações Finais
A principal causa das imigrações no mundo segue sendo a busca de emprego, segundo dados recentes da OIT. Isso não é diferente no Brasil.

No Brasil há um compromisso constitucional que nos compele ao tratamento digno do imigrante: no preâmbulo da Constituição ao dispor que visamos assegurar o exercício dos direitos de modo a formar uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução ­pacífica das controvérsias”.

Neste sentido, a nova Lei de Migrações no Brasil, a Lei no 13.445/2017, melhora a situação do estrangeiro, garantindo a ele mais direitos no sentido qualitativo e quantitativo.

Verifica-se uma aproximação entre a nova lei brasileira de Migrações e as normativas internacionais de direitos humanos. Por exemplo, apenas para ficar no plano laboral, a OIT editou a Convenção 143, a qual prevê a proteção trabalhista dos imigrantes mediante garantias de direitos humanos no acesso à ocupação produtiva justa e na restrição à exploração abusiva na sua prestação de serviços.

Do ponto de vista nacional, a lei sancionada, para substituir o Estatuto do Estrangeiro, em síntese, ­favorece as interações laborais, econômicas e sociais, no sentido de valorizar direitos, realçando o contributo do imigrante na construção na comunidade nacional. Em matéria de ingresso de imigrantes no país procura-se o repúdio à xenofobia, acolhimento humanitário, reunião familiar, acesso à justiça e ­medidas destinadas a promover integração social.

A ampliação e simplificação em matéria de novas garantias sociais, linguísticas, laborais, culturais e assistenciais implementam o comando constitucional de uma comunidade fraternal inclusiva dos imigrantes trabalhadores como dever de justiça social.