Ministro analisa sistema eleitoral brasileiro

5 de outubro de 2002

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Coube ao ministro Nelson Jobim, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, presidir as eleições gerais em nosso País.

Numa série de entrevistas que concedeu durante o período eleitoral, e através de palestras para diversos segmentos da sociedade, ele  analisou ponto por ponto do processo que culminou com a eleição de 6 de outubro. Por exemplo, disse o ministro Nelson Jobim, que as pesquisas eleitorais e o financiamento de campanha são os principais dilemas éticos do processo eleitoral brasileiro que ainda não foram colocados sobre a mesa com transparência, e que, a sociedade precisa encontrar saída visando a proteção do próprio cidadão.

Ao participar,  na Escola de Administração Fazendária do Paínel “Eleições e transição de governo”, dentro do Seminário Internacional, a Ética como instrumento de gestão, disse o ministro:

“Com a pesquisa eleitoral, nós sabemos que os eleitores começam a tomar decisões. Aí perguntamos: Protege-se a vontade e a decisão do eleitor, no sentido de ser informado da potencialidade de seus candidatos para a partir daí tomar decisões? Ou se protege os interesses dos candidatos para o resultado das eleições? Quem nós privilegiamos? Isto não é um problema jurídico, é um problema ético.”

Quanto ao financiamento eleitoral de campanha, disse que muito se fala sobre o tema. “Uns se mostram contra, outros defendem a destinação de uma verba, tendo como base o valor de R$ 7,00 por cada eleitor habilitado para votar, que seja administrada pelo partido político. Só que ninguém se preocupou em definir quanto e para quem vai o dinheiro. Todos os partidos eleitorais têm direito, ou só têm direito os partidos parlamentares, ou seja, aqueles que elegeram alguém? Se todos os partidos têm direito a uma quota do financiamento público, nós sabemos o que vai acontecer: Os 30 partidos registrados no TSE aumentarão para 200. Ou não é verdade? Temos de resolver esse problema.”

Não adianta a sociedade discutir com lucidez a questão da ética, quer da conduta dos servidores públicos como candidatos ou como militantes, se não tivermos relacionados estas exigências com os condicionamentos institucionais decorrentes do sistema eleitoral. “Senão, estaremos brincando, sem qualquer responsabilidade e sem qualquer tipo de compromisso com a realidade.”

Lembrou, também, que se as instituições políticas desenhadas influenciam nas condutas dos candidatos, precisamos saber até quando isso é uma imposição ou uma decisão. “E aí nós teremos o seguinte problema: é ético ou não as condutas que decorram de decisões, ou podem ser julgadas éticas ou não as condutas que decorram de imposições?”

FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHAS

No processo pré-eleitoral o presidente do TSE, proferiu palestra na aula inaugural da Escola Judiciária Eleitoral assistida pelos primeiros 140 alunos. Disse, naquela oportunidade, que a escola abrirá discussão para temas atuais sobre as eleições brasileiras citando como exemplo o sistema de escolha de candidatos, a fidelidade partidária e o polêmico financiamento público das campanhas eleitorais.

“Há um projeto no Congresso que distribui R$ 7,00 do orçamento público por eleitor para o financiamento do pleito, o que daria hoje cerca de R$ 870 milhões para os partidos. A complexidade maior da proposta é justamente definir os critérios de divisão dos recursos entre os diretórios nacionais e regionais. Levantando várias possibilidades de cálculo: pela população, o eleitorado, a extensão geográfica ou o número de municípios.

Ele explicou como funcionaria todo o processo. “O diretório nacional tem que separar recursos para a campanha dos candidatos à regionais. Vencida esta primeira etapa, é a vez de especificar quanto fica para o diretório regional administrar a eleição para governador e senador e para os candidatos proporcionais.  É evidente que o diretório do partido vai querer maior parte para os cargos majoritários que é a eleição em que os partidos se têm por vitoriosos quando ganham a eleição.”

Outro desafio, destacou o ministro, é estabelecer os critérios para a divisão dos recursos de acordo com a situação de cada candidato a deputado federal e estadual. “Têm deputados que disputam a reeleição, os líderes de partidos ou de bancadas e têm os candidatos novos. Todos merecem os mesmos valores? O que fará o líder do partido, que tem controle sobre a máquina do partido? Vai forçar o comando do partido a atribuir valores maiores aos deputados à reeleição e menos para os nova- tos.” Não se discute sistemas eleitorais sem examinar conseqüências. Sempre que ouve falar que o financiamento das campanhas deve ser público, Jobim pergunta como se faz.

“Achamos que com  um princípio de moralidade, principalista e fundamentalista, vamos resolver as questões eleitorais? Não. Precisamos lembrar a história de como as coisas acontecem e começar progressivamente a alterar substancialmente o sistema na visão de um conjunto que possa se fazer alterações sempre que necessário. Aí sim, é possivel melhorar o sistema de representação.”

GUERRA CONTRA A CORRUPÇÃO ELEITORAL

Não só para essa eleição de 2002, mas para as futuras, o ministro Nelson Jobim pediu transparência à classe empresarial nas contribuições que forem feitas às campanhas políticas dos candidatos. “Se quiserem ocultar a sua participação porque dela poderão ter resultados negativos no que diz respeito à sua atividade empresarial futura na relação com o eventual futuro governo, não entrem no processo de financiamento.”

Esse recado foi dado em maio passado, durante almoço com o empresariado do Distrito Federal, mas está e será sempre atual.

Segundo o ministro, o Tribunal Superior Eleitoral está pronto para romper a ocultação. “E ai daqueles que aparecerem no rompimento da ocultação! Serão devidamente apenados”. Lembrou que, pela legislação atual, as empresas podem doar dois por cento do seu faturamento do ano anterior às eleições. Ele lamentou que o país ainda não tenha um modelo de legislação que possa excluir do processo de financiamento de campanhas o financamento privado.

O Congresso Nacional está discutindo o assunto, e surgiram muitos conflitos em questões sobre a distribuição de recursos para candidatos majoritários e proporcionais e quanto a propaganda eleitoral, especificamente no tocante aos custos da produção dos programas que são utilizados no horário eleitoral gratuíto. “As decisões que os senhores tomarem vão criar ou não o caixa dois. As decisões que os senhores tomarem quanto ao enfrentamento do financiamento da campanha poderá levar ou não à corrupção.” Enfatizou que é muito simples se falar hoje  na corrupção da classe política. “Mas pouca gente fala das origens dessa corrupção. E quem são os co-autores? Os co-autores são exatamente aqueles, que, na tentativa de obter resultados individuais e pessoais, seja de natureza econômica ou pessoal-não econômica, acabam se introduzindo nos meandros do processo eleitoral com uma conduta antiética e, portanto, alimentadora e reprodutora do processo corruptivo.”

O presidente do TSE concluiu conclamando os empresários a assumirem uma guerra contra a corrupção. “Se os senhores não querem e o país não quer corrupção -, então vamos, todos, tomar conta. E não só querer assistir aos virtuais aparecimentos e degolas de corruptos, que assistimos nestes últimos anos.”