Mediação, Arbitragem, Conciliação e Negociação

17 de março de 2015

Professor Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais Membro da Academia Fluminense de Letras

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Luiz Felizardo BarrosoHá, em tramitação no Congresso Nacional, quatro Projetos de Lei sobre Mediação: PLS nº 517/2011 do Senador Ricardo Ferraço (mediação judicial e extrajudicial); PLS nº 434/2011 de iniciativa do Ministério da Justiça (mediação extrajudicial, judicial, pública e on-line); Senado Federal – PLS nº 405/2013 – de iniciativa do Ministro Luís Felipe Salomão (mediação extrajudicial e on-line) e mais o Projeto nº 4827/1998, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra (nº 94/2002, no Senado). Impende que recordemos alguns conceitos como os da própria Mediação, Arbitragem, Conciliação e Negociação, para que melhor as situemos no universo em que estão inseridas, estendendo-nos, ao final, um pouco mais sobre a figura jurídica da Negociação, bem como sobre seus atores, já que esta figura encontra-se no âmago de todas as demais.

Tanto a Mediação, como a Arbitragem, a Conciliação e a Negociação estão insertas no sistema que se convencionou chamar de não adversarial, que têm em mira preservar o bom relacionamento entre as partes, tratando os conflitos entre elas como eventos episódicos, não necessariamente negativos ou disfuncionais.

Representam fatos da vida e ocorrem, por exemplo, quando pessoas ou entidades estão envolvidas em competição para o atingimento de metas, à primeira vista incompatíveis, ou quando entram em divergências ou, simplesmente, quando não puderam cumprir o pacto, no tempo e pelo modo convencionados.

No sistema não adversarial, como o próprio nome indica, não há adversários, muito menos perdedores, ou ganhadores em uma disputa, contrariamente às pendengas judiciais, em que o perdedor, condenado pelo juiz estatal, sucumbe ao ganhador da demanda, guardando certo ódio ou, ao menos, grande ressentimento para o resto da vida.

Mediação

Caracteriza-se a Mediação pela eleição de um terceiro, o mediador, para ajudar na solução de um conflito, cuja função será apenas a de um facilitador, para que as partes cheguem a uma solução em face do impasse surgido.

O processo de Mediação é menos formal que o da Arbitragem. Nela, as disputas são orientadas no sentido de se chegar a uma solução aceitável para ambas as partes, por acordo, ou mútuo consenso. Ao contrário, na Arbitragem é prolatada uma sentença – que não poderá mais ser questionada em juízo –, pondo-se, portanto, fim à questão.

Arbitragem

Sinônimo de arbitramento. Igual a julgamento, ou decisão, averiguação, ou avaliação feita por árbitro ou árbitros.

Solução outorgada de uma ou mais controvérsias, favoravelmente, a uma ou mais pessoas de direito privado, por força de um acordo, ao qual se dá o nome de compromisso arbitral e pelo qual se manifesta, previamente, a vontade contratual de se transigir e conciliar, sujeitando-se à decisão do árbitro. Essa decisão arbitral não será válida ou justa, simplesmente porque se trata de um ato de autoridade, mas porque foi aceita, preventivamente, pela livre vontade das partes, que a tanto se comprometeram.

A única diferença entre o árbitro e o juiz estatal é que o primeiro não dispõe de poder executório ou coercitivo, mas isso não significa dizer que não possua jurisdição, tal qual a possui o juiz estatal.

O franchising e a arbitragem

Seja qual for a alternativa, recomenda-se a adoção da cláusula compromissória de preferência cheia, para se desencadear a solução arbitral de conflitos.

No plano interno, por exemplo, o anteprojeto proposto pelo Fórum Setorial da Franquia Empresarial, em seu artigo 6o, parágrafo único, prevê que a dirimência das pendências contratuais firmadas pelas partes possa se fazer, também, por juízo arbitral.

In verbis:

Art. 6º- […]

Parágrafo Único: “A solução das pendências contratuais firmadas pelas partes poderá, também, ser dirimida por juízo arbitral.

No Brasil, temos, pois, essa iniciativa parlamentar, qual seja a de uma proposição de alteração da atual lei do franchising, para que seja admitida a dirimência de litígios, entre franqueador e franqueado, por meio do mecanismo da arbitragem.

Nada impede, porém, que se recorra à solução arbitral de conflitos, em franquia empresarial, por exemplo, ou em qualquer outro tipo de relação contratual, mesmo sem previsão legal. Contudo, o contrário, será sempre preferível, tanto que a Associação Brasileira de Franchising (ABF Nacional) firmou convênio com o Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp) e o Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil (IMAB) e está aconselhando seus associados a incluir, em seus contratos, a cláusula arbitral cheia e a recorrer a esaas instituições, preferencialmente ao Poder Judiciário, para a solução de impasses surgidos em seu relacionamento e que não possam ser removidos facilmente, sem a interferência de um mediador ou árbitro.

Conciliação

Dá-se a conciliação pela interferência de um facilitador para solução de um conflito. Nas Comissões de Conciliação Prévia, o conciliador se utiliza de alguns instrumentos de convencimento e de todas as técnicas de Negociação de que for capaz para facilitar a conciliação.

Tal qual o mediador, o conciliador também funciona como um facilitador, para ajudar na solução do conflito estabelecido, possuindo, no entanto, um poder maior que o do mediador, podendo sugerir soluções para o referido conflito.

O problema é que, na conciliação, o terceiro escolhido pelo Judiciário, por exemplo, não possui grandes especialidades, nem sempre o preparo técnico-jurídico requerido, sendo gritante, às vezes, sua falta de experiência.

Ele até que não precisaria ser bacharel em direito, como, aliás, tem ocorrido, frequentemente no Juizado Especial Cível; nem isso é tão importante assim. Mas o problema é que eles têm se constituído em meros estagiários, sem nenhuma titulação, muito jovens, ainda, sem experiência profissional e, portanto, nem ao menos aquela proporcionada pela própria vida.

O ideal mesmo é que o Conciliador tenha especialização na matéria, em que esteja sendo tentada a solução. Dessa maneira, ele terá maior capacidade para entender quais os aspectos realmente relevantes, dentro da estrutura do conflito.

Negociação

A palavra negociação é associada às vezes a negócio da qual seria derivada. Etimologicamente, porém, negotium não designa especificamente comércio, mas, sim, o conceito de atividade, utilidade; da ausência do ócio, da desocupação ou inatividade. (in ADRS – Métodos alternativos de solução de conflitos, análise estrutural, fundamentos e exemplos na prática nacional/internacional, GARCEZ, José Maria. 1.ed. [s.l.]: Lúmem Juris, 2013. p. 29).

Em uma acepção extensiva, segundo a origem etimológica da palavra, dá-se a Negociação quando as próprias partes, ou pessoas contratadas por ela, “negociam” diretamente, sem a interferência de um terceiro.

A negociação existe desde que o mundo é mundo.

Gostemos ou não, todos nós somos negociadores, sendo a negociação um fator da vida cotidiana, exercido a todo o momento, todos os dias, embora muitos não se deem conta. (conforme Roger Fischer e William Ury, integrantes de Harvard Negotiation Project, onde é utilizado seu manual intitulado Getting to yes Negotiation Agrement’s, apud autor e obra citados, p. 36).

Negociar não é, pois, coisa só de vendedores. Executivos de todas as áreas ganham muito ao dominar essa arte.
Para que se verifique a negociação, não há necessidade da existência prévia de um conflito, aparentemente insolúvel só pela boa vontade das partes. Basta que surjam pontos de vistas contrários, ou divergências de cálculos ou mesmo pelo simples fato de que uma das partes não sabe, sequer, se a outra está disposta a negociar.

Várias são as técnicas de negociação e mesmo obras inteiras são escritas e publicadas a respeito. Citaremos, como exemplo lapidar, o livro intitulado “Como Chegar ao Sim”, de coautoria de William Ury, professor da Harvard University, antes citado.

O poder de uma negociação está na credibilidade, e esta se estabelece nos detalhes. Cumprir os prazos e ligar quando se promete, por exemplo, fazem parte dos detalhes. (JÚLIO, Carlos Alberto. Presidente de HSM. In Gazeta Mercantil, 4/6/2003, p. B).

As empresas de recuperação de ativos

Como uma das formas de terceirização de serviços financeiros específicos e não consistentes do core business das instituições bancárias, a negociação praticada pelas Empresas de Recuperação dos Ativos Fungíveis por Excelência, colocando-se, como representantes de seus contratantes, ao lado dos contratados daqueles para encontrar e negociar uma solução que atenda aos interesses de ambas as partes, têm colaborado, eficazmente, quando mais não fosse, para desafogar o Judiciário, evitando que mais uma ação judicial seja distribuída, com a resolução amigável do impasse financeiro, até então existente.

As empresas de recuperação de ativos financeiros exercem, pois, nesse particular, uma missão social muito importante, a qual, a despeito disso, não foi até hoje bem compreendida por seus contratantes nem, muito menos, por nossas autoridades constituídas, que deveriam, por isso mesmo, exercer ação de apoio mais consistente em prol da robustez, higidez e hegemonia dessas mesmas empresas. Afinal elas trabalham sob o regime que se diz de parceria empresarial.

Além de desafogo do Judiciário, as empresas de recuperação de ativos financeiros, complementando sua função social, reinstauram a cidadania do financiado, até então inadimplente e sujeito passivo de restrições creditícias, devolvendo-lhe sua capacidade para um endividamento consciente e sadio, com a contratação de novos empréstimos, se assim lhe convier.

As empresas de recuperação de ativos financeiros, porque se valem institucionalmente da negociação, contribuem, pois, para que tenhamos uma sociedade mais justa, na qual os conflitos terão uma solução mais rápida e adequada, visto que levam sempre em conta os “dois lados da mesma moeda”, favorecendo o diálogo, ajudando, enfim, a sociedade a pacificar-se, tornando-a mais humana e igualitária.

O processo de negociação

Todavia, não se iludam: a negociação é um processo consumidor de tempo e energia que gera impaciência nos mais afoitos. Além do mais, o negociador, embora represente uma das partes que, com a outra, quer, ou precisa negociar, deve, tal qual o mediador, no momento em que as partes estiverem dispostas a renunciar um pouco cada qual de seus direitos, observar os seguintes dez mandamentos:

Os Dez Mandamentos do Bom Negociador:

  1. 1. Ter a paciência de Jó;
  2. 2. Possuir as características de um lord Inglês;
  3. 3. Dominar a astúcia de Maquiavel;
  4. 4. Ser impenetrável como um rinoceronte;
  5. 5. Fazer voto de silêncio como um Sacerdote, após do confessionário;
  6. 6. Ser conhecedor em profundidade do processo de barganha;
  7. 7. Ter a sabedoria de Salomão;
  8. 8. Atingir a serenidade das águas de um lago;
  9. 9. Ter a firmeza de uma montanha; e, por fim,
  10. 10. Ser determinado como uma bússola.

Diretrizes para a Negociação

Cristina Donadio, em seu artigo “A Negociação para Recuperar Empresas”, publicado na extinta Gazeta Mercantil, de 6/12/2004, elenca diversos pontos basilares, os quais, a nosso ver, podem servir de diretriz para qualquer tipo de negociação, devendo ser respeitados pelo negociador e/ou mediador para o sucesso do projeto e, entre eles:

  • a)    Ter a satisfação de seu cliente, como compromisso e meta;
  • b)    Sempre ter em mente a linha do tempo, a melhor estratégia e utilizar critérios objetivos para cada um dos procedimentos;
  • c)    Ter atenção e cuidado especiais com o momento da negociação. Deve organizar quantas reuniões e quantos contatos forem necessários, mas não em demasia, já que grande parte das reuniões é inútil e sem foco;
  • d)    Ter sempre em mente os prós e contras do negócio como um todo. Muitas vezes é preferível ceder em um dos pontos para fortalecer outro, não deixando que a intransigência e a falta de visão do “todo” comprometa o sucesso do projeto;
  • e)    Negocie e concentre-se, até o final, nos interesses e não nas posições, ou nas pessoas (acrescentaríamos nós), respeitando sempre o “dia seguinte” das partes envolvidas;
  • f)    Não se apegue pessoalmente ao projeto. Se necessário para seu sucesso, alterne os interlocutores;
  • g)    Cuidado com o acirramento irracional do conflito, com propostas excessivamente agressivas ou ameaçadoras. Elas podem simplesmente encerrar o processo sem que se chegue a uma composição;
  • h)    Atenção à estrutura dos pontos mais importantes do projeto. Ouça com atenção os argumentos das partes envolvidas e sempre obtenha o maior número de informações possíveis que poderão auxiliá-lo no futuro do projeto e eventual mudança estratégica.
  • Previamente, prepare-se para o contato direto com os interlocutores; pesquise quem são as partes, e qual o atual contexto da questão. Tenha em mãos todos os pontos para fazer da reunião a mais produtiva possível e não ser surpreendido com “novas informações e argumentos” da outra parte.

Deixe de lado, ao menos nas primeiras tratativas, discussões acerca dos aspectos jurídicos. Importe-se, sempre, com os interesses do seu cliente. E a dica que consideramos a mais preciosa: tente descobrir qual o “mínimo aceitável pela outra parte”.

Não poderíamos finalizar esta matéria sem antes trazer algumas advertências do eminente professor William Ury, já citado, como sejam:

No instante da negociação, “ouvir com atenção e colocar-se na pele do outro”. Isso significa: “encontrar os genuínos interesses por trás das posições assumidas”.

“Analisar os fatos sob um viés destituído de julgamentos pré-concebidos, o que requer controle das emoções de preparação; em suma: desligar-se de seu ego”.

“Muitas pessoas veem a Negociação como a divisão de uma torta, em que, quanto maior o pedaço que um dos lados pega, menor o que sobrará para o outro”. “O segredo é expandir a torta antes da divisão, criando valor para o todo”.

Em uma negociação entre empresas, que se arrastou por dois anos e meio, após quatro dias de intensa negociação, as partes perceberam, afinal, que, “o que queriam era liberdade e dignidade para seguirem em frente com suas vidas” (Valor Econômico, 21/11/2013, p. D3 – Gestão Negociar é separar as causas das pessoas, entrevista com William Ury).

Ser feliz, portanto, é o que importa, concluímos nós.

Para finalizar, invocamos a sábia advertência de Abraham Lincoln, um dos principais arquitetos da democracia norte-americana, que governou os Estados Unidos da América durante a fraticida Guerra de Secessão (1861-1965), em que os estados do Sul aristocrata lutaram contra os do Norte industrializado.

São suas essas palavras, que ressaltam a importância do papel do profissional do direito nas disputas judiciais, no sentido de evitá-las ao máximo, por meio da negociação.

Procurai evitar litígios. Persuadi, sempre que puderdes, vossos vizinhos a entrarem em composição. Mostrai-lhes como o vencedor nominal de uma pendência judiciária é, na realidade, muitas vezes quem perde: em custas, despesas e tempo. Agindo como apaziguador, o advogado tem excelente oportunidade de ser um homem de coração.