“Lutar pelo fortalecimento da Defensoria Pública é lutar pela população”

8 de março de 2021

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Entrevista com a nova Presidente da Anadep, Defensora Pública Rivana Ricarte

A Defensora Pública Rivana Ricarte assumiu em fevereiro a presidência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) para o biênio 2021-2023. Defensora há 18 anos, ela é titular da 9ª Defensoria Pública Criminal do Acre desde 2017, após atuar em diferentes posições na Instituição. Na Anadep, foi diretora de comunicação e vice-presidente institucional.

A eleição ocorreu em dezembro passado, com modelo de votação híbrido, que possibilitou ampla participação de associados de todas as unidades da Federação. A chapa “Integração: diálogo e ação para garantia de prerrogativas e direitos” foi a que mais votos recebeu na história da entidade – em um total de 326. Foi também a primeira vez que os cargos de presidente e vice-presidente institucional foram ocupados por mulheres. Rivana Ricarte será a terceira mulher a ocupar a Presidência da Anadep e a primeira representante da Região Norte no cargo.

Na entrevista a seguir, a nova Presidente fala sobre os planos de sua gestão.

Revista Justiça & Cidadania – A Defensoria Pública busca garantir que todos tenham seus direitos assegurados, sobretudo aqueles em situação de vulnerabilidade. O que já era um enorme desafio foi agravado pela pandemia de covid-19. De que forma a Anadep, entidade de classe, pode contribuir para que a Instituição tenha melhores condições para cumprir essa missão?
Rivana Ricarte – De todas as carreiras jurídicas, a Defensoria Pública, por atuar diretamente em prol das pessoas em situações de vulnerabilidades, foi a mais sobrecarregada. Como reflexo da crise da pandemia da covid-19, vimos a Instituição se reinventar, ainda que com poucos recursos, para alcançar o cidadão. Como entidade de classe que defende a Instituição, a Anadep precisa mostrar isso. Lutar pelo fortalecimento da Defensoria Publica é lutar pelo fortalecimento da população.

A Constituição andou bem ao dotar a Defensoria Pública de atributos e prerrogativas que, ao menos em tese, servem para garantir aos defensores públicos a possibilidade de atuação independente e sem que se sintam ameaçados pelos atos que praticarem, mesmo que contrários aos interesses e opiniões do Governo. É papel da Associação defender isso, trazer luz para a narrativa da essencialidade do serviço público e da Defensoria Pública.

Enquanto entidade de classe, a Anadep tem como missão defender as prerrogativas de defensoras e defensores públicos e zelar pela unidade e autonomia institucionais da Defensoria Pública. Trabalhamos, assim, no campo político-legislativo no Congresso Nacional; e junto ao Executivo e Judiciário, por meio da propositura e acompanhamento de ações constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal (STF) com o fim de defender o modelo público de acesso à Justiça, as pautas de fortalecimento e de defesa das prerrogativas da Defensoria e das defensoras e defensores públicos.

Vivemos hoje a fase de regulamentação e implementação dos direitos e garantias, da Instituição e da carreira, como a autonomia orçamentária, a administrativa e a iniciativa de lei. Seguimos o caminho de defender a efetivação de nossa isonomia, que é uma luta por paridade de armas. A Anadep trabalha para o fortalecimento da Instituição e para o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico para a proteção e defesa de pessoas ou grupos de pessoas em situações de vulnerabilidades em todo território nacional.


JC – Quando assumiu na gestão passada a vice-presidência Institucional da Anadep, a senhora disse, em discurso, que “tão grande quanto o desafio de levar o acesso à Justiça a todas as pessoas em situação de vulnerabilidade, é o desafio de garantir a própria sobrevivência da Defensoria Pública como Instituição”. Esse quadro permanece? Quais são as principais ameaças à sobrevivência e autonomia da Defensoria Pública, bem como às prerrogativas dos defensores?
RR – Em 2019, tínhamos no horizonte a reforma da Previdência. Sob a liderança e presidência do Defensor Pedro Paulo Coelho, a entidade trabalhou fortemente para minimizar os danos e perdas de direitos, tanto em prol de defensoras e defensores, quanto do público potencial usuário dos serviços prestados pela Instituição. No ano de 2020, com o isolamento imposto pela pandemia, foi necessário aprender nova maneira de seguir com o trabalho legislativo, com diálogos por vídeo conferência com parlamentares e também acompanhando as pautas da carreira perante o STF. Enfrentamos a PEC do orçamento de guerra e o plano Mansueto, que de alguma maneira impactaram a Instituição.

A ambiência política dos últimos anos demonstra que o discurso de enfraquecimento do serviço público continua. Diversos processos legislativos ameaçavam e ainda ameaçam a autonomia financeira e administrativa da Instituição, e a estabilidade e independência funcional.  Por este motivo, o desafio permanece. Temos agora, por exemplo, a pauta da reforma administrativa que foi apresentada pelo Governo Federal. É necessário que o texto sofra ajustes para que possamos encontrar um denominador comum que seja justo.

A Anadep, em conjunto com as entidades associativas estaduais e do Distrito Federal, e outras entidades de classe em âmbito nacional, vem, desde o ano passado, conversando com vários deputados e lideranças partidárias para defender as prerrogativas da carreira. Com a retomada das atividades presenciais do parlamento federal, intensificaremos o trabalho de diálogo com os parlamentares, mostrando quais são as falhas que existem e quais as particularidades relativas à Defensoria Pública, como carreira típica de Estado, que precisam ser respeitadas.

Nossa luta será sempre que as reformas propostas e que estão em tramitação não prejudiquem a Instituição nem os direitos adquiridos e as justas expectativas de direitos de milhares de defensoras e defensores públicos e dos potenciais usuários dos serviços prestados pela Defensoria.  Compreendemos que o enfraquecimento da Defensoria Pública resulta, indiretamente, no enfraquecimento dos direitos da população preta, pobre e marginalizada.

JC – Quais são as metas para a promoção da igualdade racial e de gênero?
RR
A Anadep já possui duas comissões de trabalho muito importantes para estas pautas. Seguiremos trabalhando a transversalidade desta pauta diretamente com as comissões. Sabemos que somos uma Instituição majoritariamente branca e que há deficiência de mecanismos de acesso por pessoas não brancas. Além disso, reconhecemos a dificuldade das mulheres e pessoas não brancas em alcançar cargos de liderança na Defensoria. Vamos trazer a temática de gênero e raça para que, em constante diálogo com o Colégio de Defensores Públicos Gerais, possamos avançar institucionalmente.

É importante relembrar que, em maio de 2019, a Anadep lançou a campanha “Em Defesa Delas: defensoras e defensores públicos pela garantia dos direitos das mulheres”, cujo objetivo era apresentar à população o trabalho em favor das mulheres que necessitam de acesso à Justiça para a garantia de seus direitos. Como resultado da campanha, no âmbito interno, vimos que houve ampliação do debate do espaço político da mulher. Nossa diretoria atual é fruto disso: é a primeira vez que teremos duas mulheres à frente da Anadep, eu na presidência e minha amiga Rita Lima, na vice-presidência Institucional.

Para 2021, já está sendo gestada a campanha de educação em direitos, que será lançada em maio, e trará o tema da igualdade étnico-racial. Este será nosso norte de trabalho. Traçamos como meta a capacitação contínua na temática em nossa Escola Nacional das Defensoras e Defensores Públicos e iniciaremos em março a primeira capacitação. Também é importante conhecer quem somos dentro da Instituição. Por isso, também realizaremos um censo defensorial. Entendemos ainda que para promover a igualdade étnico-racial é preciso assumir o compromisso social de refletir sobre as formas de acesso à Instituição e pensar, em conjunto com as associações estaduais e distrital, como podemos modificar esta realidade.


JC –De que forma a senhora avalia a trajetória percorrida pelas mulheres, nos últimos anos, para ocupar espaços nas carreiras jurídicas. O que a mulher brasileira ainda precisa alcançar no universo jurídico e nos demais espaços de poder?
RR – Não se pode dizer que não houve avanço na trajetória percorrida pelas mulheres. Alguns paradigmas já foram quebrados, mas a luta ainda é árdua. (…) A Defensoria Pública é a Instituição das carreiras de Justiça em que mais encontramos mulheres. Somos cerca de 6.200 defensoras e defensores públicos na ativa nas 27 unidades da Federação, dos quais 51% são mulheres. Apesar disso, apenas quatro defensoras públicas ocupam a direção institucional. No campo associativo, a presença feminina têm mais destaque, mas ainda é muito baixa. Das 27 associações de defensores estaduais e distrital, apenas oito são presididas por mulheres.

Em 2018, a Anadep foi a primeira instituição de classe que passou a abranger em seu nome o gênero masculino e feminino, sendo assim chamada de Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. Aquela decisão de incluir a flexão de gênero visava empoderar as mulheres que compõem a Defensoria Pública e, que, são igualmente essenciais na carreira. Ser mulher é um desafio do cotidiano em qualquer cenário. Não é verdade que as mulheres não queiram ingressar na política nem que não almejem assumir cargos públicos de chefia dentro das instituições que fazem parte. Não precisamos mais demonstrar nossa capacidade técnica, nem de gestão, mas precisamos, ao ingressar nos espaços de poder, fazer política de ideias, não apenas de presença, e trazer conosco mais mulheres para continuamente honrar as que também vieram antes de nós e abriram os espaços para que hoje pudéssemos estar aqui.

JC – Quais são as pautas legislativas que merecerão especial acompanhamento da Anadep no próximo biênio?
RR – Sabemos que a agenda é de redução de serviços público e de benefícios sociais, incluindo retrocessos de direitos, reforma administrativa, projetos que fragilizam o serviço público e o contínuo endurecimento das leis penais. Em um primeiro momento, a reforma administrativa (PEC 32/2020), a PEC emergencial (PEC 186/2019), a PEC dos fundos (PEC 187/2019), o pacto federativo (PEC 188/2019) e a PEC da regra de ouro (PEC 438/2018) seguem como o primeiro radar. Além disso, temas relativos ao extrateto, critérios de assistência judiciária gratuita, pautas que implicam modificações na legislação da ação civil pública e matérias que denominamos pauta dos costumes, referentes a legislação penal, infância e mulheres. O compromisso da Anadep sempre será a luta pelo fortalecimento da Defensoria Publica, do serviço público como um todo e pela efetivação e proteção dos direitos humanos.