Livro promoverá combate ao trabalho infantil_Entrevista com Gabriel Napoleão Velloso Filho

30 de abril de 2010

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Entrevista: Gabriel Napoleão Velloso Filho, Diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Anamatra
Engajar os juízes do Trabalho na luta contra a exploração do trabalho infantil é a nova meta da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Na coordenação desta campanha está o Diretor de Cidadania e Direitos Humanos, Gabriel Napoleão Velloso Filho. Ele é o responsável pela edição de um livro que a Associação lançará sobre o tema em agosto próximo. A obra destina-se aos operadores do Direito, sobretudo magistrados e procuradores com atuação nesse segmento do Judiciário. O objetivo é esclarecer esses profissionais sobre as formas de se combater essa prática no âmbito da Justiça especializada e reivindicar os direitos trabalhistas das crianças e adolescentes explorados. “Temos várias obras sobre esse tema, mas a maioria delas privilegia o Direito Civil, área que já conta com uma boa articulação e desenvolvimento. Carecemos ainda de cursos sobre o trabalho infantil com enfoque na área trabalhista”, afirmou Velloso Filho.
O Magistrado explicou que a obra será elaborada com a participação dos juízes trabalhistas. Eles têm até o dia 30 de abril para enviar sugestões e considerações científicas sobre esse tema à Anamatra. Os interessados podem colaborar pelo e-mail direitoshumanos@anamatra.org.br. “A nossa preocupação é a de engajar o juiz do trabalho nesta obra. Tanto que publicamos um edital convocando a participação deles oferecendo observações e demais contribuições científicas. Entendemos que isso é fundamental. Temos a responsabilidade, como associação, de engajar os magistrados nessa causa, fazendo com que eles passem a ver a erradicação do trabalho infantil como uma causa trabalhista e uma prioridade no nosso cotidiano”, explicou o diretor da Anamatra.

Revista Justiça & Cidadania – Qual é o objetivo da Anamatra com esse projeto?
Gabriel Napoleão Velloso Filho – O objetivo da Anamatra é fornecer uma obra a respeito do trabalho infantil pela ótica da Justiça Trabalhista. Temos várias obras sobre esse tema, mas a maioria delas privilegia o Direito Civil, área que já conta com uma boa articulação e desenvolvimento. Carecemos ainda de cursos sobre o trabalho infantil com enfoque na área trabalhista: os direitos que podem ser evocados, a atuação do Ministério Público do Trabalho, a possibilidade de se proporem ações civis públicas (com vistas à indenização) por danos morais coletivos e outros meios que possam vir a compelir os empregadores a não utilizarem mais esse tipo de mão de obra. Temos uma meta mundial, que é a erradicação do trabalho infantil, como preconizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na qual estamos engajados. Portanto, essa é mais uma das ações com esse objetivo.

JC – A Anamatra pediu a colaboração dos juízes para produzir a publicação?
GNVF – A obra contará com a participação de juízes, procuradores e advogados, como também  de educadores e outras pessoas que estão irmanadas nesse objetivo, que é o da erradicação do trabalho infantil no Brasil. A nossa preocupação é a de engajar o juiz do trabalho nesta obra, tanto que publicamos um edital convocando a participação deles oferecendo observações e demais contribuições científicas. Entendemos que isso é fundamental. Temos a responsabilidade, como associação, de engajar os magistrados nessa causa, fazendo com que eles passem a ver a erradicação do trabalho infantil como uma causa trabalhista e uma prioridade no nosso cotidiano. Essa obra é destinada aos operadores do Direito em geral, mas iremos ofertar um exemplar a cada procurador e juiz do trabalho. Ela, então, será de uso geral.
Trata-se de um curso sobre trabalho infantil com enfoque no Direito do Trabalho.

JC – Quando a obra deverá ser publicada?
GNVF – Vamos terminar a coleta dos artigos em abril. A expectativa é de publicá-la em agosto.

JC – O trabalho infantil ainda é um problema muito grave no Brasil ou já é possível verificarem-se avanços nesse campo?
GNVF – Temos ainda um trabalho muito grande a realizar no que diz respeito ao engajamento do Brasil no combate ao trabalho infantil na região amazônica, assim como em outras (áreas) que mantêm uma cultura muito arraigada de trabalho infantil (no campo) doméstico. Isso é algo que precisa ser combatido, até porque o trabalhador infantil doméstico está em uma condição de debilidade de direitos muito grande, sujeito até a alguns tipos de violência, infelizmente. Também temos alguns segmentos da economia que utilizam o trabalho infantil para extração de cana e demais atividades rurais, principalmente no interior do Brasil.
Então, embora esse seja um tema pautado e para o qual tem havido grande engajamento, ainda é preciso que esteja mais presente na nossa agenda institucional e política. Faz-se necessário, ainda, um comprometimento muito maior do Estado brasileiro para que possamos chegar ao nosso objetivo, que é a erradicação do trabalho infantil. Encontramo-nos muito distantes do ponto em que deveríamos estar, mas estamos tentando chegar lá.

JC – O Brasil está agindo de acordo com a legislação, tanto nacional como internacional, que trata desse tema?
GNVF – O Brasil assinou um documento e se comprometeu a trabalhar com a OIT pela erradicação do trabalho infantil até o ano de 2014. Então, esse é o compromisso internacional mais importante do País. Gostaríamos de ver esse compromisso, inclusive, já que estamos em ano eleitoral, assumido pelos candidatos e pela esfera política de um modo geral, e também como pelo Poder Judiciário, para que todos possam trabalhar de forma com que esse objetivo seja alcançado. Nesse sentido, destaco o Fórum Nacional de Erradicação e Prevenção do Trabalho Infantil, que está trabalhando diretamente nesse campo, assim como o Instituto Nacional de Erradicação e Prevenção do Trabalho Infantil, que é composto por várias entidades do governo e da sociedade civil, incluindo a Anamatra. Eles têm como objetivo justamente a erradicação do trabalho infantil.

JC – Do ponto de vista judicial, quem poderá propor a ação trabalhista envolvendo o trabalhador menor de idade?
GNVF – O contrato do trabalhador infantil é considerado nulo do ponto de vista do direito. No entanto, ele tem os mesmos direitos do trabalhador contratado regularmente. A ação pode ser movida pela pessoa responsável por aquele trabalhador, como o pai e o tutor, mas sabemos que em muitos casos os próprios pais concordam com o ingresso do menor no mercado de trabalho, mesmo que irregularmente. São, muitas vezes, os pais que cedem as crianças. Há situações ainda mais dramáticas em que eles até comercializam os filhos. Logo, quem tem que se engajar diretamente nessas ações é o Ministério Público do Trabalho. Devemos procurar meios, legais e judiciais, que possam penalizar e impedir que se continue a exploração do trabalho infantil.

JC – Quais direitos podem ser reivindicados?
GNVF – FGTS, horas trabalhadas… O que se está construindo perante o Ministério Público, e esse livro irá tratar disso também, é a possibilidade de serem atribuídos aos trabalhadores infantis outros tipos de direito. Por exemplo, o dano moral pela exploração que causou males irreversíveis à formação da criança ou do pré-adolescente, que foi exposto ao mercado de trabalho e assim acabou não tendo acesso à educação e  oportunidade de ter estabelecido uma formação intelectual apropriada. Isso faz com que, além daqueles direitos que normalmente lhe seriam assegurados, tenha acesso também a essa indenização moral, que servirá, do ponto de vista patrimonial, para auxiliá-lo. Já nos casos de exploração reiterada, por uma empresa que se utiliza de mão de obra infantil, poderemos pensar também no dano moral coletivo. Ou seja, uma indenização atribuída pelo dano causado à sociedade. Afinal se trata-se de uma lesão que causa repulsa a toda a sociedade. Nesse caso, o Ministério Público pode pedir o dano moral coletivo, além das indenizações individuais.

JC – Ainda são poucas as ações nesse sentido na Justiça do Trabalho, certo?
GNVF – Uma das funções deste livro é fazer com que esse tema ingresse dentro da dogmática da Justiça Trabalhista, de modo que esse tipo de ação seja cada vez mais proposto. Daí porque resolvemos fazer esse livro, com o enfoque na área trabalhista, uma vez que são poucas as ações que têm essa focalização.