Lei nº 15.040/2024: Reflexões sobre a nova lei e os desafios para o setor segurador

11 de julho de 2025

Glauce Carvalhal Diretora Jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras

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O contrato de seguro é instrumento cujo objetivo é oferecer proteção e suporte em momentos de adversidade, imprevistos e infortúnios. O seguro se destaca como um produto que é capaz de oferecer garantias para as mais diversas necessidades dos indivíduos e das empresas, uma vez que transita entre pequenos e grandes riscos.

Importante destacar que, mesmo diante de mudanças sociais marcadas por disrupção, inovação e efeitos de eventos de grandes dimensões, como a pandemia, os riscos climáticos e outras tensões sociais, o setor segurador continuou oferecendo proteção e cuidou das relações jurídicas entre os participantes do mercado, especialmente a massa segurada, buscando assegurar a melhor assistência e a proteção da mutualidade que administra. 

Assim, o setor de seguros possui papel fundamental para a economia do país e vem buscando cada vez mais aumentar sua importância, especialmente considerando os riscos de eventos climáticos extremos.

Diante da relevância desse setor para a sociedade, a recente promulgação da Lei no 15.040/2024, que entrará em vigor em 11 de dezembro de 2025, representa um marco ao criar um microssistema jurídico do contrato de seguro, que até então era regido por capítulo específico no Código Civil. Nesse sentido, a lei alinha o Brasil com outros países que também possuem leis específicas para o contrato de seguro, tais como Itália, França, Portugal e Espanha.

Foram 20 anos de debates no Congresso Nacional com os diferentes segmentos da sociedade, como representantes de acadêmicos, do governo, de segurados, seguradoras, corretores, entidades de defesa do consumidor. Pode-se dizer que foi exemplo claro do exercício do Estado democrático de direito, em que diferentes visões foram apresentadas e debatidas para viabilizar uma lei possível. 

Sobre a Lei no 15.040/2024 – A nova lei é complexa, com 134 artigos, estruturada em seis capítulos, que disciplinam os principais aspectos do contrato de seguro, tais como proposta, aceitação, interesse segurável, risco, prêmio, interpretação contratual, sinistro, regulação e liquidação de sinistros, dever de informação, agravamento de risco, entre outros.

Além de trazer disposições gerais, a lei apresenta capítulo específico para os seguros de dano e os seguros sobre a vida e a integridade física. No entanto, é importante ressaltar que a previdência complementar aberta não será abrangida pela nova lei, pois já é regulada pela Lei Complementar no 109, de 2001.

Por outro lado, com a publicação da Lei Complementar no 213/2025, que amplia as atividades das cooperativas de seguros e regulamenta as operações de proteção patrimonial mutualista, torna-se necessária harmonização legal, aplicando-se, a essas entidades, a Lei no 15.040/24, naquilo que couber, uma vez que essas poderão oferecer produtos baseados nos mesmos princípios do contrato de seguro.

Com efeito, a Lei no 15.040/24 sistematiza as etapas do contrato de seguro, o que colabora para melhor compreensão sobre a operação de seguro e possibilita maior transparência às relações entre segurado e seguradora. Na prática, espera-se que com a lei haja um consumidor mais informado do que contrata. 

A referida lei também contempla matérias antes previstas apenas em normativos do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintedência de Seguros Privados Susep), como, por exemplo, aceitação do seguro e os prazos de regulação e liquidação. Tal aspecto sempre foi objeto de atenção, em razão do risco de engessamento da operação, uma vez que a regulamentação infralegal muitas vezes promove maior dinamismo e tempestividade diante de eventuais mudanças extraordinárias. 

Além disso, a lei incorpora alguns entendimentos que já eram pacificados pelo Poder Judiciário, tal como a necessidade de notificação do segurado sobre a mora, no qual a Súmula no 616 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já dispunha em sentido de que a indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro.

Entre as principais novidades da lei, vale citar o prazo máximo de 25 dias para a seguradora recusar a aceitação do seguro, independentemente da modalidade e das novas regras e dos prazos para a regulação e liquidação. Também prevê a adoção de critérios mais favoráveis ao segurado, ao beneficiário, ao terceiro prejudicado na interpretação dos contratos e revoga o capítulo do Código Civil que trata do contrato de seguro.

Por outro lado, cumpre destacar que alguns aspectos da lei, que, de antemão já demandam reflexão mais aprofundada,  como, por exemplo, (i) a necessidade de observância do princípio da boa-fé e do dever do segurado ao declarar o risco no questionário de avaliação de risco elaborado pelo segurador, que pode não conter todas as situações de risco a que estará sujeito e as consequências da sua omissão; e (ii) o entendimento de que a utilização de critérios comerciais e técnicos de subscrição ou aceitação para distinguir riscos, por si só, não configura discriminação, mas, sim, o exercício legítimo da atividade seguradora. 

Nesse sentido, verifica-se que ainda há espaço para aperfeiçoamentos, que podem vir a partir da construção da doutrina, jurisprudência e regulamentação, como, por exemplo, delineamento mais preciso da culpa para evitar abusos e inobservância da boa-fé, na medida em que a falta do dever de informação do segurado, se for culposa, mediante o pagamento da diferença do prêmio, permite ao segurado receber a cobertura.

Desafios da nova lei – Apesar da expectativa de cenário positivo, a nova lei impõe desafios para o setor de seguros. Entre eles, o de disseminar o conteúdo da lei. Afinal, são 134 artigos.

Assim, até a entrada em vigor da lei, será essencial estudar e promover a capacitação técnica, jurídica e acadêmica quanto ao conteúdo e interpretação. Da mesma forma, é importante promover ampla divulgação da lei para que o consumidor de seguro compreenda seus direitos e deveres.  

No âmbito das seguradoras, há necessidade de revisão dos contratos de seguro e de estudos de eventuais impactos atuariais, já que a lei pode ter impacto na formação das reservas técnicas. As áreas de produto e negócios também precisarão revisitar suas operações, garantindo-se que as novas diretrizes sejam incorporadas. Não se desconsidera que, a partir desse trabalho de adequação, surjam oportunidades de novos produtos.

Outro grande desafio é no campo jurídico, considerando aproximadamente 20 anos de jurisprudência fundamentada no Código Civil, traduzidas em 38 súmulas do STJ, que precisarão ser revistas sob a ótica da nova lei. Contudo, pondera-se que não se deve desconsiderar entendimentos consolidados e juridicamente embasados, como, por exemplo, a equiparação de dolo e culpa grave no âmbito do contrato de seguro, já reconhecida pelo STJ, no Agravo de Instrumento no AREsp n. no 2.096.278-SP, Rel. Maria Isabel Gallotti.

Por sua vez, o órgão regulador também enfrentará o desafio de revisar, revogar e editar novas normas, sendo fundamental que haja diálogo e harmonia nos debates para a promoção de segurança jurídica. 

Diante desse cenário, apesar dos desafios, é fundamental que haja verdadeiro espírito de cooperação entre consumidores, seguradoras, reguladores, operadores do Direito e magistrados, para que a lei cumpra, de fato, o propósito para o qual foi concebida. Assim, concretizando os melhores resultados para toda a sociedade e consolidando a solvência, sustentabilidade e perenidade para o setor de seguros em prol da sociedade brasileira. 

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