Justiça do Trabalho: mais de 80 anos a serviço da cidadania e da democracia no Brasil

2 de maio de 2025

Luciana Paula Conforti Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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Um dos desafios históricos da República é a consolidação da democracia. A democracia, no Brasil, e o pleno exercício da cidadania estão indissociavelmente relacionados, e as respectivas trajetórias, marcadas por processos não lineares, de avanços e retrocessos. 

Como ensina Lucília Almeida Neves, a conquista progressiva dos direitos de cidadania, “vincula-se a um movimentar ativo dos sujeitos históricos atuantes nas diferentes conjunturas e tempos que constituem o processo civilizatório”. Maurício Godinho Delgado aponta que “a ideia contemporânea de democracia corresponde à noção de inclusão social, política e institucional”.

A Justiça do Trabalho, desde a Constituição de 1946, passou a integrar o Poder Judiciário federal e recebeu a incumbência de dirimir e pacificar os conflitos entre empregados e empregadores no plano das relações individuais e coletivas de trabalho, sendo, portanto, ramo especializado.

Desse modo, a Justiça do Trabalho, historicamente, exerce a jurisdição especializada no âmbito dos litígios que têm como palco a relação de emprego regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e é responsável por assegurar o respeito às normas constitucionais e infraconstitucionais que tutelam o contrato de trabalho e as ações coletivas, resguardando grau mínimo de civilidade nas relações entre empregados e empregadores, além de garantir sadio ambiente de trabalho e concorrencial, pautado no respeito ao patamar mínimo civilizatório de direitos sociais previstos pela normatização pátria e internacional que o Brasil se comprometeu a observar. 

Com o advento da Emenda Constitucional no 45, de 30 de dezembro de 2004, houve ampliação da competência da Justiça do Trabalho, na medida em que foi confiada a missão de dirimir todo e qualquer litígio que envolve o trabalho humano, exceto em relação às demandas de natureza jurídico-administrativas travadas com o poder público, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3395-DF. 

Portanto, a Justiça do Trabalho, desde 2004, tem competência para a pacificação de todo e qualquer conflito que envolve a pactuação da força de trabalho humana, de acordo com o artigo 114, I, da Constituição, independentemente de existir, ou não, contrato de trabalho entre as partes ou outro tipo de contrato escrito, o que se justifica pelo elevado grau de especialização das magistradas e dos magistrados e também pela notória vocação social da Justiça Laboral. 

Em tempos em que os índices de desemprego são altíssimos, quando a ocupação informal se sobrepõe à contratação pelo regime celetista e tendo em vista o surgimento de relações trabalhistas autônomas ou pejotizadas, inclusive no ambiente da economia 4.0, torna-se imprescindível reforçar a relevância da Justiça do Trabalho como segmento especializado do Poder Judiciário na solução de conflitos que se relacionam com o trabalho humano, contribuindo para a criação de ambiente de segurança jurídica no contexto das relações entre empregados, empregadores, prestadores e tomadores de serviços e garantindo o trabalho digno, o equilíbrio nas relações comerciais e a responsabilidade social, fiscal e previdenciária de empresas e contratantes.

A Justiça do Trabalho atua não só na reparação indenizatória de direitos trabalhistas violados no país, como também na promoção de Justiça Social, com dimensão preventiva e fomento de conhecimento, além de executar ações concretas para o equilíbrio econômico-social.

Em 2023, a Justiça do Trabalho aprovou a Política Judiciária Nacional de Trabalho Decente, que congrega o Programa Trabalho Seguro, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, o Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante e o Programa de Equidade, Raça, Gênero e Diversidade. 

Além do julgamento das reclamações trabalhistas, a Justiça do Trabalho tem destacada atuação na realização de conciliações judiciais, na homologação de acordos extrajudiciais e na arrecadação de contribuições legais, decorrentes dos processos sob sua apreciação.   

É importante frisar, sobre tal aspecto, que, recentemente, a Justiça do Trabalho instituiu política para mediação pré-processual, individual e coletiva, de acordo com a Resolução no 125/2010 do CNJ, como etapa facultativa anterior às reclamações trabalhistas, a fim de que os próprios interessados possam procurar o Judiciário trabalhista para dirimir controvérsias decorrentes das relações de trabalho, independentemente do ajuizamento de ações judiciais ou da Homologação de Transação Extrajudicial (artigo 652, “f” da CLT). Tal política está alinhada com a Resolução no 586/2024 do CNJ, com a possibilidade de quitação geral do contrato de trabalho, de acordo com as situações ali previstas.

Só a título de demonstração, segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior do Trabalho, o montante alcançado em conciliações, em 2024, pelos Centros Judiciários de Soluções de Conflitos e Cidadania da Justiça do Trabalho (CEJUSCs), foi de R$ 7,74 bilhões, 11% maior do que o valor dos acordos em 2023, com a destinação de R$ 643,3 milhões à Previdência Social e R$ 608 milhões à Receita Federal, a título de imposto de renda. 

O montante pago pelas ações trabalhistas, decorrente das condenações, em sua grande maioria, reflete apenas os direitos básicos inadimplidos quando da rescisão dos pactos (como verbas rescisórias e multa de 40% do FGTS), conforme ranking divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (base 2018-20024), e alcançou montante, em 2024, de R$ 48,7 bilhões. 

Quanto ao perfil do trabalhador que litiga na Justiça do Trabalho, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgados em 2022, são trabalhadores dos serviços e vendedores do comércio (33%) e daqueles ocupados na produção de bens e serviços industriais (27%). A maioria recebe salário inferior a R$ 4 mil (90,1% dos casos), sendo que 62,5% recebe até R$ 1.996 mensais. Salários acima de R$ 10 mil não chegam a 3% dos casos, dos quais 0,5% se referem a salários maiores que R$ 20 mil. Os reclamantes são majoritariamente homens (63,3%) e as causas têm valor médio de R$ 42 mil. 

É importante ressaltar que não existe Justiça do Trabalho só no Brasil. Diversos países possuem estrutura própria ou magistrados especializados em jurisdição trabalhista, de acordo com a suas organizações e litigiosidades internas. A Justiça do Trabalho existe, com autonomia estrutural e corpos judiciais próprios, em países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. Na absoluta maioria dos países há jurisdição trabalhista, ora com autonomia orgânica, ora com autonomia procedimental ou com ambas. Podem ser citados como outros exemplos: Nova Zelândia, Finlândia, Bélgica, Suíça, Noruega etc.

As ações trabalhistas não possuem uma única causa, mas refletem conjunto de valores que traduzem mazelas existentes no país, como a alta rotatividade dos postos de trabalho e a inobservância da legislação trabalhista.

Assim, reforça-se a relevância e o prestígio institucional da Justiça do Trabalho como órgão especializado do Poder Judiciário federal, para a apreciação de todas as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, como previsto na Constituição, o que inclui a análise de fraudes na contratação do trabalho humano. Ressalta-se, ainda, o preparo das magistradas e dos magistrados do Trabalho para conferir resposta pronta e efetiva aos litígios postos a seu exame. Prova disso é estar a Justiça do Trabalho, há mais de 80 anos, a serviço da cidadania e da democracia no Brasil.   

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O juiz do Trabalho Valter Souza Pugliesi, do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL), foi eleito antes do fechamento dessa edição, dia 25 de abril, como presidente da Anamatra para o biênio 2025/2027, com posse prevista para o dia 21 de maio.

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