Julgamento virtual, sustentação oral e a essencialidade do advogado

10 de abril de 2025

Leonardo Guerzoni Furtado Diretor Jurídico da Associação dos Advogados

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Como sempre lembra o patrono da advocacia Antonio Cláudio Mariz de Oliveira “o advogado é a voz e a vez daqueles quem não tem voz nem vez”. 

A despeito da constante lembrança do mestre, ao editar a Resolução no 591/2024, que “dispõe sobre os requisitos mínimos para o julgamento de processos em ambiente eletrônico no Poder Judiciário e disciplina o seu procedimento”, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça retirou tanto a voz como a vez dos advogados que atuam em nosso país. 

Afirma-se que a “vez” foi retirada pois a norma traz previsão de plena discricionaridade do Relator para submissão de qualquer processo jurisdicional ou administrativo ao rito dos julgamentos eletrônicos (art. 2o). Como consequência, limita-se – para não dizer que extingue – o exercício da sustentação oral, devido à sistemática imposta na modalidade virtual de julgamento (art. 9o), calando-se assim a voz dos advogados.     

A desconsideração do velho brocardo, ademais, já havia sido materializada em conduta talvez ainda mais grave do que o conteúdo do texto em si, pois a advocacia sequer foi consultada sobre os procedimentos estabelecidos na Resolução no 591/2024. Pior ainda, a norma foi aprovada no âmbito do CNJ quando as cadeiras cabíveis à Advocacia estavam vagas, em patente desrespeito à composição prevista no artigo 103-B, da Constituição Federal.         

Trata-se de mais um movimento – talvez o mais contundente – de desidratação do direito de sustentação oral que vem ocorrendo nos últimos anos em nosso país.

A despeito de haver um Código de Processo Civil e um Estatuto da Advocacia recentemente reformados, que não só reconheceram, como reforçaram o direito de sustentação oral, nossos Tribunais – liderados pelos Superiores e pelo CNJ, registre-se – vêm sistematicamente limitando o direito de sustentação oral por meio de seus regimentos internos e precedentes.    

A justificativa nem sempre explícita e formal que se tem para tal movimento, usualmente sem que se apresente estatísticas e estudos adequados, é que as sustentações orais afogam o Judiciário e suas sessões de julgamento, inviabilizando a entrega da prestação jurisdicional de forma célere. 

Mas o fato é que tais movimentos, e em especial os procedimentos trazidos pela Resolução 591/24, resultam em evidente prejuízo ao exercício da advocacia e são potencialmente violadoras de diversas garantias e princípios constitucionais e infraconstitucionais, tais como a indispensabilidade do advogado à administração da justiça (Constituição Federal, art. 133), a publicidade do processo (Constituição Federal, art. 93, IX e arts. 11, 189 e 368 do Código de Processo Civil) e a oralidade, em especial em seu subprincípio da imediatidade (artigo 7o, X, do Estatuto da Advocacia Lei. 8906/1994).

É interessante verificar que o voto que fundamenta o Ato Normativo do CNJ no 0006693-87.2024.00.0000, do qual por sua vez resultou na Resolução no 591/2024, sustenta que a proposição buscou respeitar o devido processo legal e a Advocacia, para que supostamente“(i) a parte e seus patronos mantenham o direito de oposição ao julgamento eletrônico, que será avaliado pelo relator ao caso; (ii) seja garantido o direito de sustentação oral, nos casos admitidos pelo sistema normativo (…)”.   

Trata-se, entretanto, de pseudogarantias aos princípios e direitos invocados, uma vez que a experiência tem revelado que a plena discricionaridade outorgada à Relatoria, em especial nos Tribunais Superiores, resulta no sistemático indeferimento de pedidos de remessa dos autos para julgamento presencial ou mesmo telepresencial.

Da mesma forma, a remessa de sustentações orais por meio de arquivos eletrônicos é vista com total descrédito pela Advocacia, não apenas pela ausência de sincronismo e imediatidade tão característicos e essenciais ao exercício da manifestação oral, como, principalmente, pela inexistência de mínima garantia de que a gravação virá a ser assistida por quem quer que seja e, especialmente, por quem irá julgar.  

A verdade é que não existe sustentação oral assíncrona. E não existe sob o ponto de vista legal, pela ausência de previsão em lei, como também do ponto de vista real, pois a assincronia é totalmente incompatível com os princípios que justificam a existência da sustentação oral em nosso ordenamento jurídico.     

É evidente que a solução do processo em tempo razoável, cânone constitucional (Constituição Federal, artigo 5, LXXVIII), é um objetivo de todos os operadores do Direito e de total interesse da sociedade. Porém, tal desiderato não pode ser buscado mediante a limitação de direitos fundamentais e tão caros como o direito ao contraditório e à ampla defesa, sendo a sustentação oral, talvez, a expressão mais palpável de tais princípios, especialmente quando se pensa nos cidadãos não operadores do Direito. 

Não bastasse a inaceitabilidade de seu conteúdo, também merece repúdio a forma como tal resolução foi aprovada, sem que qualquer entidade da Advocacia tenha sido consultada sobre o tema e, ainda pior, quando vagos os assentos de indicação do Conselho Federal da OAB. Fica a impressão de que, tal qual ocorre com a sustentação oral, a Advocacia tem sobre si a pecha de um indesejável obstáculo para a entrega da prestação jurisdicional.   

Mas a realidade é justamente oposta, pois além de “indispensável à administração da justiça” (Constituição Federal, art. 133), pode-se afirmar que os advogados são quem melhor conhecem a causa, por serem os representantes diretos do jurisdicionado, a quem “pertence” o direito em discussão. O Poder Judiciário, seus integrantes e o CNJ deveriam, portanto, ao invés de arbitrariamente afastar, humildemente se aproximar da Advocacia e atentamente ouvir seus membros em busca da melhor solução do litígio.    

Na busca de tal intento, ao contrário do que previsto na Resolução no 591/2024, do CNJ, parece-nos que ninguém melhor do que o advogado e a advogada para apontarem se o caso deve ou não ser julgado de forma virtual, devendo ser respeitada eventual oposição tempestivamente formulada. Essa deve ser a regra. 

No mínimo, a adoção de critérios objetivos ou mesmo a indicação taxativa de hipóteses deve ser debatida, sendo inadmissível que seja outorgado à Relatoria um verdadeiro “cheque em branco” sobre o destino do julgamento, se presencial, telepresencial ou virtual. 

Também em sentido diverso ao exposto na citada resolução, de nada adianta possibilitar “no papel” formas de manifestação oral que sabidamente nada acrescentam para o julgamento do processo, relegando o ato – e em última análise o respectivo trabalho do advogado e da advogada – à insignificância.  Ao contrário, o exercício da sustentação oral deve ocorrer sempre em sincronia com o julgamento, pois tal ato, acima, de tudo, representa “um importante meio pelo qual a parte interessada, muitas vezes, expõe e submete, ao conhecimento do Tribunal, dados relevantes que e subsidiam a Corte na resolução do determinado litígio (…)”,.  

Digno de nota, ainda, que a Resolução no 591/2024 encontra resistências mesmo no âmbito do Judiciário, tendo Tribunais apontado dificuldades técnicas para implementação em escala de sistemas que permita o recebimento dos arquivos contendo as gravações do “memorial eletrônico” como muito bem alcunhado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa – Márcio Thomaz Bastos – IDDD em recente manifestação. 

Mostra-se claro, portanto, que a Resolução no 591/2024 deve ser urgentemente revogada, permitindo-se a participação na Advocacia e da Sociedade em um amplo debate sobre os julgamentos virtuais o direito de sustentação oral. 

É nesse sentido que a AASP tem atuado, sob as mais variadas frentes, tendo ingressado no CNJ para discutir a Resolução 591/2024 na primeira hora. E assim   permanecerá o fazendo, firme na convicção de que não há caminho para o aprimoramento da entrega da prestação jurisdicional que não passe pelo pleno respeite da voz e da vez da Advocacia.

Notas

1 Art. 2o Todos os processos jurisdicionais e administrativos em trâmite em órgãos colegiados poderão, a critério do relator, ser submetidos a julgamento eletrônico

2 Art. 9o Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral, fica facultado aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 (quarenta e oito) horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual ou prazo inferior que venha a ser definido em ato da Presidência do Tribunal.

§ 1o O envio do arquivo de sustentação oral será realizado por meio do sistema de peticionamento eletrônico ou equivalente definido pelo Tribunal, gerando protocolo de recebimento e andamento processual.

§ 2o O arquivo eletrônico de sustentação oral poderá ser de áudio e/ou vídeo, devendo observar o tempo máximo de sustentação e as especificações técnicas de formato, resolução e tamanho, definidos em ato da Presidência do Tribunal, sob pena de ser desconsiderado

3 Lei 13.105/2015

4 Lei 14.365/2022

5 HC 86551, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14-04-2009, DJe-099  DIVULG 28-05-2009  PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-06  PP-01018 RF v. 105, n. 401, 2009, p. 582-594 LEXSTF v. 31, n. 365, 2009, p. 311-332)

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