Insegurança jurídica no campo

19 de maio de 2014

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Fabio-de-SallesO Brasil é um país com vocação natural para seu universo agropastoril devido às suas características e diversidades, principalmente, encontradas no clima favorável, no solo, na água, no relevo e na luminosidade.

Com seus 8,5 milhões de km, o Brasil é o país mais extenso da América do Sul e o quinto do mundo com potencial de expansão de sua capacidade agrícola sem necessidade de agredir o meio ambiente.

O agronegócio representa aproximadamente 25% do PIB brasileiro, além do que é um dos maiores responsáveis pelo superávit da balança comercial. Suas atividades geram 37% de todos os empregos, contribuindo para a melhor distribuição de renda no País.

Anualmente, são investidos milhões de reais em pesquisas para melhorar a produtividade e a qualidade dos nossos produtos; portanto, produzimos mais, em menor área e com melhor qualidade, e ainda podemos melhorar.

Contudo, existem algumas preocupações do setor agropecuário que concernem à interpretação e à aplicação de muitos dispositivos legais, razão pela qual tecemos algumas considerações, haja visto o impacto nas atividades agrícolas.

Concorrencial – Concentração econômica
É compreensível que as empresas busquem a eficiência de sua produção, que almejem resultados positivos nos seus balanços, a redução de custos, a expansão de suas áreas, etc. Porém, em muitos segmentos têm-se notado uma alta concentração do poder econômico, com práticas anticoncorrenciais que impactam diretamente na área rural e indiretamente em toda a sociedade brasileira.

A ausência de concorrência nos segmentos e a criação de oligopsônios e oligopólios, são fatores que prejudicam as cadeias produtivas. A ocorrência de concentração vertical e horizontal é extremamente danosa ao setor, pois, diante da desproporção do poder econômico, muitos produtores rurais estão sendo expulsos de suas atividades agrícolas.

É necessário que as autoridades constituídas e os órgãos de controle estejam conscientes da ocorrência do fenômeno do êxodo dos produtores em suas atividades em razão da enorme verticalização que está ocorrendo nos mais variados segmentos das atividades agrícolas.

É preciso inibir práticas anticoncorrenciais e punir os crimes contra a ordem econômica cometidos por grupos empresariais que visam somente a obtenção do lucro de suas empresas.

Meio ambiente
Foram amplas e exaustivas as discussões sobre as alterações na legislação federal que versaram sobre meio ambiente, especialmente o Código Florestal, aprovado com a inclusão de novos conceitos, como o estabelecimento de distinções entre as propriedades em razão do tamanho de suas áreas, e com a estrutura basicamente composta por um cadastro ambiental, a ser feito pelos produtores rurais, e um programa de regularização baseado nas obrigações comuns a todos os produtores, responsáveis pelas áreas de preservação ambiental (APP) e de reserva legal (RL).

Um dos pontos mais debatidos foi o marco inicial de aplicação do Código Florestal, 22 de julho de 2008, sendo esta data que determinará o conceito de áreas consolidadas, isto é, áreas consideradas com uso anterior a essa data.

Atualmente, estão surgindo interpretações que diferenciam a aplicação da lei em uma ou outra região, os conceitos de área utilizada, locais possíveis e proibidos de utilização, o processo de cadastramento do imóvel, identificação das áreas de preservação permanente e reserva legal, remanescente de vegetação nativa e outros. Tal fato pode levar ao absurdo de verificarmos áreas situadas em biomas idênticos, desmatadas na mesma época, em mesma proporção, mas que apenas uma delas possa se regularizar e a outra ter de reconstituir a área desmatada.

Essa dubiedade na interpretação de dispositivos legais deve ser sanada pelas autoridades competentes com a maior brevidade possível. É necessária a uniformização do real entendimento sobre o alcance dos artigos para que não cause maiores prejuízos aos valorosos homens do campo.

Trabalhista
É bem verdade que grande parte da legislação trabalhista foi desenvolvida para atender ao dinamismo das relações sociais entre empregadores e empregados. Na área rural muitas relações cotidianas foram trazidas à formalidade e incorporadas na legislação, assim como o contrato por pequeno prazo de natureza temporária, consórcios de empregadores rurais, entre outros.

A terceirização, no que se refere à área rural, disposta no PL 4.330/04, é favorável ao setor, pois entendemos que contribui para eliminar a figura do intermediário, o conhecido “gato”. Ela formaliza a relação entre empregador e terceiro, desde que sejam respeitados todos os direitos dos empregados.

Outro tema que causa enorme preocupação na área rural é a ausência de uma definição clara e precisa do conceito de condição análoga a de escravo. Temos constatado casos de autuação por parte das autoridades públicas em que a simples ausência do registro em carteira de trabalho, por ferir a dignidade do trabalhador, configura a referida condição, ou mesmo a longa distância do local de trabalho, pois se trataria de isolamento geográfico do trabalhador.

É imperativo definir conscientemente o conceito de condição análoga a de escravo com critérios objetivos de enquadramento no dispositivo, para que se possa conceder a tranquilidade na área rural.

Fundiário
Quanto à demarcação de terras indígenas, é certo dizer que terras indígenas no Brasil são aquelas existentes e ocupadas até o dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal, tendo restado estipulado o prazo de cinco anos a partir desta data para sua identificação. Contudo, nos 25 anos de Constituição, o número de terras indígenas aumentou mais de 500%. Sendo que, atualmente, temos 13% do nosso território ocupado por terras indígenas.

O início do conflito ocorreu após a CF/88, que passou a considerar propriedade da União as terras identificadas como indígenas e nulos os títulos de propriedade já existentes sobre elas. A nova Carta também designou o Poder Executivo como responsável pela identificação das terras indígenas. Por meio de decretos, foi instituído um processo administrativo de identificação dessas áreas delegado exclusivamente à Funai.

Assim, a Funai passou a realizar as demarcações de territórios indígenas em detrimento da existência de títulos legítimos de terra dos produtores, que, apesar de remeterem ao século XIX, são postos em xeque por diferentes políticas confusas, que, além de questionáveis, eliminam qualquer tendência de razoabilidade.

Recentemente, o governo enviou para discussão com o setor proposta de portaria regulamentando o funcionamento de um grupo de trabalho que ficará responsável pela gestão das demarcações. Assim, a Funai deixaria de ser a única autoridade a definir critérios para a criação ou a ampliação de áreas indígenas, passando a dividir essa responsabilidade com o Ministério da Justiça e com outros órgãos correlatos.

Não há dúvida de que a competência para demarcação de áreas indígenas deve ser ampliada para que a sociedade civil participe. Outros órgãos devem dar a transparência e a lisura necessárias nesse procedimento tão devastador ao expropriado de suas terras. Novamente manifestamos nossa preocupação para adoção de critérios objetivos para realização de demarcações.

Não bastassem as enormes variáveis existentes para o exercício das atividades agrícolas – como intempéries climáticas, investimento em insumos, emprego de tecnologia, mão-de-obra especializada –, deixar os produtores rurais desprotegidos de suas garantias constitucionais, a mercê de diferentes interpretações jurídicas para o mesmo fato, com ausência de definições claras de conceitos, e sem a permissão de se defender de atos administrativos que o atinjam diretamente, agravam consideravelmente o quadro de insegurança jurídica no campo.

Essas são as variáveis e reais preocupações que transmitimos em prol da agropecuária, pois queremos e precisamos continuar produzindo no campo com paz e tranquilidade. Afinal de contas, daqui a cinco anos passaremos a marca de 200 milhões de habitantes em nosso País e temos a enorme responsabilidade de prover esse abastecimento!