Edição

Guardião da legalidade e da Constituição

5 de janeiro de 2003

Compartilhe:

Trechos do discurso de posse do ministro José Dirceu na Casa Civil da Presidência da República

Eu vejo aqui praticamente várias fases, vários momentos da minha vida e das nossas vidas. Quis o protocolo e o destino que eu subisse a rampa junto com o general Félix, que é responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional. Ao subir a rampa, evidentemente que, em primeiro lugar, subi com a minha geração. Então, as minhas primeiras palavras, sem rancor, sem ressentimento, são para aqueles que viveram, lutaram e não puderam estar conosco no dia de ontem. Não os esqueço, trago em meu coração, em minha memória, a imagem de cada um e os ideais de todos. Quero dizer hoje aos seus familiares que se sintam todos aqui nesta cerimônia.

Todos sabem que chego por determinação, delegação do presidente Lula a esse posto de ministro-chefe da Casa Civil com uma marca do PT. Sou e sempre serei um filiado do PT. Devo a todos os petistas, particularmente à nossa militância, a todos aqueles que me apoiaram, trabalharam comigo. Primeiro, em São Paulo, na década de 80, quando fui Secretário de Formação Política do diretório regional e depois secretário-geral do diretório regional; depois secretário-geral do PT e, por fim, presidente do PT. A todos aqueles que, na direção do PT, na assessoria, na administração do PT me acompanharam, devo estar aqui hoje ocupando este cargo. Como deputado estadual e federal também aprendi, como no PT, o que hoje posso trazer de experiência a este cargo.

Todos aqui sabem que minha vida foi marcada pela geração de 68, do movimento estudantil, pelo banimento, pela cassação de minha nacionalidade e por minha vida em Cuba. Sou eternamente grato ao povo de Cuba, particularmente ao presidente Fidel Castro pela solidariedade e pelo apoio que me deram e deram a todos aqueles que viviam momentos que sem a solidariedade e o apoio não teriam passado.

Minha vida foi marcada pela presença do meu pai, que já faleceu. Infelizmente, a vida política me ausentou durante dez anos da minha família, da minha cidade natal, Passa Quatro, que fica em Minas Gerais. Os paulistas insistem em dizer que é Santa Rita do Passa Quatro, que é uma bela cidade também, e fica no meu estado de hoje, São Paulo.

Sou filho de Minas Gerais e isso tem um grande e importante significado no nosso país. Mas sou paulistano e paranaense também. E isso é muito importante também porque aprendi a ter uma visão nacional do nosso Brasil vivendo nesses estados.

O Paraná me deu guarida, me deu um filho que está presente hoje aqui, José Carlos, e uma neta, Camila. Sou grato ao povo e ao estado do Paraná, particularmente à mãe do meu filho José Carlos, Clara Becker, pelo apoio e pela solidariedade que me deram naqueles anos.

Aprendi com meu pai que na vida o mais importante são os valores éticos, os valores morais. E o mais importante é o Brasil. Sou filho de um homem conservador, udenista, mas que amava profundamente o Brasil. Naqueles anos, os brasileiros e as brasileiras pagavam impostos para construir Três Marias e Furnas, para que a Petrobrás se consolidasse, para que o Brasil se industrializasse. O meu pai trabalhou 47 anos e se aposentou sem ter sequer uma casa própria, pagando aluguel. Porque honrado, com o sentido firme e claro do interesse nacional e do interesse público. Ele me transmitiu esses valores que eu acredito que são essenciais para a vida numa sociedade civilizada e democrática. Por isso, apesar de ter um caráter pessoal, reiterado, rendo uma homenagem à memória de meu pai, Castrolino de Oliveira e Silva, que faleceu dia 5 de outubro de 1978 e não teve a alegria de ver o presidente Lula tomar posse no dia de ontem.

Tenho um compromisso com a democracia. Minha geração aprendeu o valor da democracia a duras penas. Aprendemos quão importante é para o nosso Brasil a democracia, particularmente para o nosso povo. Porque é a democracia, que é essa missão que nos foi definitivamente ensinada no dia 6 e 27 de outubro passados, é a democracia que dá a oportunidade única para que o povoiescolha o seu destino de forma soberana. E temos um compromisso de aperfeiçoar, desenvolver e radicalizar a democracia brasileira.

Chegamos ao governo com esse compromisso e tenho certeza que faremos realidade. E não é pouca coisa. A democracia, cada vez mais ampliada, cria as condições, todos nós sabemos, para a participação política. E a participação de forma institucional e de forma organizada cria as condições para que o país possa avançar no sentido da justiça, da igualdade social. Quando o nosso povo tem a oportunidade de participar dos assuntos políticos do nosso país, ele passa a ser o ator principal e a história do Brasil já demonstrou que, nesses momentos, o país consegue resolver os seus problemas históricos.

Todos nós sabemos que assumimos o governo do Brasil num momento difícil do ponto de vista internacional. Com o risco de uma guerra e com uma situação na economia e nas finanças internacionais que agrava a situação do nosso país. Portanto, a nossa responsabilidade é maior, mas exatamente seremos capazes de superar esse momento se houver a participação popular, se houver uma mobilização nacional.

O presidente Lula, em seu pronunciamento, deixou claro esse compromisso. Somente com um novo contrato social, com pacto social, com a mobilização nacional, com a participação popular, o Brasil enfrentará seus problemas nesse começo de milênio.

Somos uma nação – e eu sempre repito mais do que uma nação e um povo – uma civilização dos trópicos, temos a obrigação e o dever de transformar a herança que recebemos de nossos pais e avós, esse imenso e rico país, numa nação civilizada e com presença no mundo.

Talvez o maior desafio do nosso governo e dos próximos anos seja este, que o Brasil ocupe o seu lugar no mundo. Mas para que o Brasil ocupe o seu lugar no mundo é preciso que o nosso povo ocupe o seu lugar no Brasil.

Isso só é possível com uma grande transformação social, uma verdadeira revolução social. Não tenho medo de dizer essa palavra: uma verdadeira revolução social. Nós devemos isso ao nosso povo. Nosso Brasil, e o presidente Lula descreveu historicamente esse processo, enfrentou grandes desafios e superou todos, mas não superou o desafio da justiça e da igualdade social. E a pobreza, a miséria e a fome estão aí para nos envergonhar como disse o presidente Lula.

Eu tenho dito e repetido, nós fizemos uma aliança política-eleitoral ampla, generosa e, graças a ela, vencemos as eleições. E o senador José Alencar, vice-presidente da República, representa essa aliança. Nós, um partido de esquerda, socialista – é bom lembrar isso – estendemos a mão para o empresariado brasileiro e propusemos, estamos propondo um pacto, mas é preciso que se deixe claro que este pacto tem duas direções. É preciso defender o interesse nacional, a produção, o desenvolvimento do país, mas a contrapartida é a distribuição de renda, a justiça social, a eliminação da pobreza e da miséria.

Não pode haver uma estrada só, em uma direção só. Não é aceitável que novamente o país resolva seus problemas financeiros, resolva seu problemas econômicos e tenha um crescimento e esse crescimento não se transforme em maior participação do trabalho na renda nacional, porque essa participação caiu pela metade no últimos 20 anos. E sem uma distribuição de renda, uma revolução na educação, sem o combate à pobreza também não haverá crescimento duradouro e sustentável. Todos nós sabemos que a atual concentração de renda e as desigualdades sociais levarão o país ao impasse social, cultural, institucional.

Não é possível realizar, viabilizar, o desenvolvimento econômico do país sem uma ampla distribuição de renda, porque essa concentração de renda é impeditiva do crescimento econômico. Essa é uma realidade e nós devemos dizer em alto e bom som que é uma crença, pode-se dizer uma doutrina nossa: nós não acreditamos que é possível desenvolver o Brasil com o atual estado de desigualdade que existe no nosso país, de concentração de renda. Porque ela se expressa sempre também na concentração do poder político, na elitização do poder político, nas oligarquias do poder político.

O povo educado, o povo alimentado, é povo soberano, que exerce o poder além de delegar.

Já falei demais para um ministro-chefe da Casa Civil que deve manter um perfil discreto. Mas quero dizer particularmente aos ministros e secretários que estão aqui, aos parlamentares do meu partido e de todos os partidos, ao presidente do nosso Congresso que o presidente Lula deu uma determinação clara e expressa – e todos aqui sabem que sou antes de mais nada disciplinado: vamos trabalhar em equipe.

Vou procurar na Casa Civil exercer de forma humilde, discreta, essa articulação política governamental e a função de guardião da legalidade e principalmente da nossa Constituição. E vou procurar assessorar, colaborar com nosso presidente.

Todos sabem que chegamos ao governo depois de décadas e décadas de luta e 23 anos praticamente do nosso partido – eu particularmente depois de quase oito anos na presidência do PT – mas quero dizer a todos que todos nós, como o presidente Lula, até pela postura do presidente Lula, estamos muito otimistas, dispostos a trabalhar mais e mais, e muito esperançosos com o nosso povo. Sabemos da responsabilidade que temos, que é muito grande. Não temos o direito de fracassar. Temos o dever de trabalhar e trabalhar.

É com essa disposição que eu hoje, com muita honra, tomo posse e tenho o prazer de fazê-lo pelas mãos do ministro Pedro Parente, quero repetir, olhando para o futuro, não para o passado. Nós precisamos olhar para frente e nosso povo quer assim. O nosso povo nos elegeu para trabalhar e resolver os problemas do Brasil. O presidente Lula já disse que não é para ficar se lamentando das dificuldades, dos problemas, dos obstáculos. Nós estamos aqui para resolver os problemas, para resolver as crises, para fazer o país crescer, se desenvolver e fazer justiça ao nosso povo que nos deu esse mandato.

Que o Brasil saiba que o governo está unido. O presidente Lula já deu orientações para o início do governo e que nós vamos cumpri-las.