Formação Associativa e Compromisso Social: a importância da Enamatra para a Justiça do Trabalho

2 de junho de 2025

Flávia Pessoa Diretora de Formação e Cultura da Anamatra / Coordenadora da Enamatra

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Tendo assumido, em 21 de maio de 2025, a Coordenação da Escola Nacional Associativa das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Enamatra), deparei-me com grande desafio. Isso porque a formação de magistrados é, hoje, mais do que nunca, um dos pilares da construção de uma Justiça do Trabalho comprometida com os valores constitucionais da dignidade humana, da valorização do trabalho e da efetivação dos direitos sociais. Em um país de dimensões continentais, profundas desigualdades e constante mutação das relações laborais, o juiz do Trabalho é chamado, diariamente, a interpretar e aplicar o Direito de forma sensível às transformações sociais, econômicas e tecnológicas. Nesse cenário, a formação de magistrados é não apenas exigência técnica, mas também dimensão ética e política da atividade jurisdicional.

É nesse contexto que se insere a atuação da Enamatra, órgão da Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), voltada à promoção de atividades formativas e culturais. Criada em 2017, com a finalidade de contribuir para o aprimoramento da magistratura do trabalho em termos associativos, a Enamatra transcende o papel de escola tradicional ao afirmar concepção crítica, plural e cidadã de formação.

Entre outras funções, o órgão enseja proporcionar, aos associados da Anamatra, a possibilidade de docência, como também oferecer oportunidades de titulação, sem prejuízo de outras atividades, como as ligadas aos esforços da coordenação das escolas associativas regionais, bem como quanto à identificação e à transferência de boas práticas e realização de eventos conjuntos.

Para a consecução dos seus objetivos e suas finalidades, a Enamatra incentiva projetos de ensino e pesquisa, edita publicações, estabelece parcerias, convênios, acordos e outros instrumentos jurídicos, com entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com universidades, fundações e com escolas associativas, judiciais e de governo, sempre com a proposta de aprimorar a formação.

A formação para além da técnica – A excelência técnica é um dos requisitos básicos da atividade jurisdicional. Não se nega a importância de o juiz dominar a dogmática jurídica, a jurisprudência e os instrumentos processuais que lhe permitem proferir decisões céleres, fundamentadas e eficazes. No entanto, a complexidade das questões enfrentadas pela Justiça do Trabalho impõe, ao magistrado, olhar ampliado, capaz de compreender o sentido social da norma, os contextos fáticos que a envolvem e as repercussões de sua decisão na vida dos trabalhadores e empregadores.

Ao mesmo tempo, além da atividade jurisdicional, o magistrado do Trabalho enfrenta diversos outros desafios em sua vida pessoal e funcional, que reclamam, muitas vezes, a atuação associativa, quer localmente, por meio das Amatras, quer nacionalmente por intermédio da Anamatra.

A Enamatra, nesse sentido, aposta em formação complementar que integre a técnica à reflexão crítica, que una a dogmática à filosofia, que associe o direito ao seu compromisso com a justiça social e, principalmente, que entenda o magistrado como um todo, não apenas a partir da função estatal. As ações formativas se destinam a estimular a autonomia intelectual do magistrado, reforçando sua capacidade de julgamento responsável, fundamentado não apenas na legalidade, mas na legitimidade democrática.

Democracia, direitos humanos e trabalho decente – A trajetória da Enamatra é marcada por profunda conexão com os princípios do Estado Democrático de Direito. As ações de formação promovidas pela Escola – cursos, seminários, publicações, jornadas – reafirmam o compromisso da magistratura do trabalho com a promoção dos direitos humanos e com os valores que estruturam a Constituição de 1988.

Não é por acaso que temas como trabalho decente, igualdade de gênero, diversidade, combate ao racismo, enfrentamento ao trabalho análogo ao de escravo, liberdade sindical, precedentes obrigatórios, aspectos penais da atividade jurisdicional, novas tecnologias e proteção de dados no mundo do trabalho têm lugar de destaque nas atividades da Enamatra. A escola entende que o juiz do trabalho do século XXI deve estar preparado não apenas para decidir litígios, mas para ser agente de transformação social, consciente de sua função institucional na defesa da democracia e da cidadania.

A escola como espaço de encontro e reflexão – Outro traço distintivo da Enamatra é sua natureza associativa. Como escola dos próprios magistrados, sua atuação reflete anseios, debates e inquietações da base da magistratura trabalhista. Ela se constitui como espaço democrático de produção de conhecimento, de valorização das experiências regionais e de articulação entre juízes de diferentes gerações e localidades.

Essa dimensão associativa confere, à Enamatra, grande vitalidade e autenticidade. Não se trata de estrutura burocrática, mas de organismo vivo, movido pela energia de seus integrantes, comprometido com o fortalecimento da magistratura e com a defesa dos direitos sociais. Ao mesmo tempo em que promove atividades de atualização jurídica, a Escola é, também, espaço de cuidado com a saúde mental, de incentivo à produção acadêmica e de promoção da cultura e das artes, entendidas como dimensões fundamentais da formação humana.

Exemplo disso é a promoção de concursos literários. Ao todo, já foram realizados três concursos, sendo o fruto dos trabalhos selecionados publicado em livro lançado durante o Congresso Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), mais tradicional evento da Anamatra, de periodicidade bienal, já em sua 21a edição.

Formação como ato político e cidadão – Em tempos de ataques às instituições e de erosão de direitos sociais, a formação crítica dos magistrados se torna ainda mais urgente. A Enamatra atua como trincheira do conhecimento e da reflexão democrática, promovendo o debate qualificado e plural, combatendo o obscurantismo e afirmando o valor do serviço público judicial comprometido com a cidadania.

A formação promovida pela Enamatra, ao reconhecer a dimensão política do direito, oferece, aos magistrados, ferramentas para atuação mais consciente, mais comprometida com os fundamentos da República e mais atenta às vozes historicamente silenciadas.

A propósito de concluir: formação como garantia da justiça social – A importância da formação dos magistrados do trabalho transcende a esfera individual. Uma magistratura bem formada é condição para uma Justiça do Trabalho forte, respeitada e legitimada socialmente. A Enamatra, como escola associativa, cumpre papel estratégico nesse processo, oferecendo, aos Juízes do Trabalho, espaços de aprendizado, de troca e de resistência democrática.

Formar o magistrado é também formar a Justiça. E formar a Justiça, hoje, é reafirmar o compromisso com os direitos humanos, com a proteção social do trabalho e com a construção de sociedade justa, livre e solidária. Essa é a missão da Enamatra, que assim reafirma seu papel estratégico na promoção da cidadania brasileira.

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