A era das contradições

9 de abril de 2014

Presidente do Conselho Editorial e Consultor da Presidência da CNC

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Bernardo CabralO Professor Ives Gandra da Silva Martins é, nacional e internacionalmente, consagrado como Jurista, emérito Mestre de várias gerações, respeitado como Advogado e uma referência nos mundos tributarista e constitucionalista. Acaba ele de enviar para o prelo o seu livro A era das contradições – os desafios da humanidade, do qual me deu a honra de escrever o Prefácio.

Quem se debruçar sobre a leitura verá que o autor desenvolve uma densa análise sobre a contradição existente entre Sociedade e Governo, o estudo sobre os quatro grandes pensadores Marx, Hegel, Montesquieu e Locke, a quem denomina “o grande idealizador do controle dos poderes da sociedade civil.” E, como ele próprio anuncia, “procurei centrar minha particular vi­são do mundo e do homem em suas contradições” e as salienta “tecno-sociais (jurídicas, econômicas, políticas, tributárias, sociais): as dos meios de comunicação e as contradições da natureza humana”.

O fio condutor filosófico de sua obra é todo ele dirigido para a seriedade do que pensa, na qual não se vê nada encoberto pela nuvem da conveniência ou pelo biombo da comodidade.

Logo no seu início ataca a hiperinflação mostrando que ela é recessiva, “pois desorganiza a economia, enquanto a superinflação, se privilegiados os mecanismos corretivos como a indexação – mal evidente, mas necessário, em alguns momentos –, permite que a economia não se desorganize em face de um permanente reequilíbrio monetário, que, todavia, tem como inconveniente a realimentação inflacionária”. E traz como suporte à sua argumentação os exemplos da Alemanha de 1923 (hiperinflação) e do Brasil de 1994 (superinflação).

Ao discorrer sobre o mundo de contradições, acentuou a constante contradição entre a evolução científica e tecno­lógica da humanidade, em todos os campos, “e a repetição monótona dos mesmos temas, dos mesmos estilos e da mesma maneira de ser do homem frente ao Poder”.

Para o autor, o Universo é uma incógnita e “estamos muito longe de compreendê-lo, nada obstante os avanços da tecnologia para captá-lo” e, por essa razão, o homem é um “heroico lutador contra suas próprias contradições, na busca de explicação do até agora inexplicável”.

O livro exibe, discute, comenta, corrige e afirma que a história do homem, portanto, em verdade, é uma história de luta pelo poder. E nem se diga que a evolução cultural melhorou o nível deste combate, pois os regimes políticos criados, mesmo no constitucionalismo moderno e nas democracias, não afastaram o fato de que a ambição pelo poder ultrapassa a racionalidade das teorias políticas e das formulações filosóficas.

O raciocínio atinge as raias da perfeição, eis que a classe política brasileira (para ficar só nela), na sua pobreza reconhecida, proclamada e mais do que deplorada, a ninguém mais causa estupefação e sim desapontamento. E o que é mais grave: – o espírito público reclama, equidistante mas não indiferente, por um “salvador” que o surpreenda ou por um “anão” que lhe desperte a piedade. É que essa “ambição pelo poder”, assinalada pelo Professor Ives, mostra uma uniformidade de deletéria postura a ponto de confirmar a sua vulgaridade e banalidade.

Ao analisar os detentores do poder, a obra assinala “quem detém o poder – mesmo quando é dele o maior beneficiário e não tem que dar satisfação aos demais, como ocorre nas ditaduras – objetiva regular a sociedade de forma que as relações se façam da melhor maneira possível, desde que não o prejudique”.

No item 5, “As contradições políticas”, o Professor Ives registra que “das seis grandes contradições que atormentam o homem, neste início do século XXI, de longe é (sendo) a contradição política aquela que mais preocupa”. Por isso, aponta: “estou convencido de que, infelizmente, as ditaduras continuarão a existir e a se sobrepor às democracias incipientes, como tem ocorrido nos países africanos, asiáticos e latinos americanos”.

Também estou eu convencido de que só se afastarão as ditaduras quando for possível efetuar a desejada mobilização da consciência político-social de um povo, e, para isso, não basta apelar apenas para seu patriotismo. Será necessário, antes, formular um ideário de combate em que ele creia e, depois, convocá-lo a fim de que interprete, na realidade, por seus próprios meios, aquilo em que crê.

O Professor Ives faz a distinção entre ideias e ideologias, salientando que “as ideias constroem, as ideologias destroem. E, quando adotadas por um certo período, descompassam o espaço em que foram implantadas, sem grandes condições de recuperá-las a curto prazo”.

Para concluir: “Em outras palavras, não se pode entender a teoria do poder sem entender as ideologias que a conformam, mas o grande dilema está em que não se fazem revoluções sem ideologias, e não se governa, após as revoluções, com as ideologias que as conformaram”.

Absolutamente incontestável a dilação, trazendo como exemplo que “a ditadura permite que se governe com mais facilidade, sobre amordaçar o povo em suas opiniões, mas limita a criatividade do povo e a seu enriquecimento. Não é a lei que vale, mas a palavra de quem está no exercício do poder. E a Rússia, controladora da União Soviética, começou a se exaurir em dificuldades econômicas em face da falência do sistema econômico incipiente”.

Não há como deixar de reconhecer que o comunismo, gerado no ventre do capitalismo liberal, a este se fez réplica, eis que, pretendendo corrigir os equívocos de uma ordem econômica albergada na ganância e no egoísmo do indivíduo, acabou por submetê-lo à sociedade, a qual, por sua vez, passou a ter controle até sobre a consciência dos homens, os quais, amedrontados, transformaram-se em simples marionetes dos que detinham o poder.

Foi esse conceito, então áspero, de estatização – caudal da chamada ditadura do proletariado – que levou o Papa Leão XIII, também lembrado pelo autor, a elaborar a Encíclica Rerum Novarum, contestação pontifícia à doutrina de Karl Marx, indicando fórmulas para a proble­má­tica do homem, numa idade política mergulhada em inquietações próprias a um episódio de cuja exegese se extraem capítulos perturbados da História.

O contraponto que o Vaticano fez à manifestação do inspirador do comunismo, expunha estar sensível ao complexo social do povo, mas, infelizmente, o tipo estrutural de vida então corrente não ensejou à palavra do Pontífice campo de ressonância capaz de um especial registro.

E por aqui fico para não tirar o prazer de quem for ler obra tão oportuna e atual.