O endividamento das famílias brasileiras pode ter um lado positivo?

14 de janeiro de 2014

Antonio José Maristrello Porto Professor do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio

Pedro Butelli Professor do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio

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AntonioPedroDe acordo com números fornecidos pelo Banco Central, em 2005 a dívida da família brasileira era em torno de 18% da sua renda anual, ou seja, o total da dívida da família brasileira média era aproximadamente um quinto do que esta família ganhava em um ano. Em maio de 2013, esses valores cresceram e passaram a corresponder a 44,52% da sua renda anual, um valor que causa preocupação quando levamos em consideração que esse é o quinto mês consecutivo em que houve aumento.

É comum ver esses números sendo interpretados como uma deterioração da situação financeira dos brasileiros, isto é, quase que de forma direta faz-se uma relação na qual de um lado está o endividamento dos brasileiros e do outro a certeza do inadimplemento futuro, ou simplesmente que os indivíduos necessariamente estarão em uma pior situação financeira como um todo por causa do seu endividamento. Isso não é necessariamente verdade.

O acesso ao crédito pode possibilitar o financiamento de algo produtivo e economicamente desejável pelo indivíduo, como o investimento em sua educação ou na de seus filhos, a expansão de sua empresa familiar ou a garantia do capital de giro para um pequeno negócio. O investimento financiado é benéfico não só para o indivíduo que o toma, mas também para a economia do país como um todo.

A interpretação direta do aumento do endividamento como algo prejudicial, portanto, é limitada e deixa de lado aspectos positivos do acesso ao crédito como o financiamento de um futuro mais produtivo. Vale lembrar que países como Alemanha, Canadá, França e Estados Unidos apresentam taxas de endividamento muito superiores às brasileiras.

É necessário mais do que o simples aumento nas taxas de endividamento, fornecidas pelo BC, para fazermos inferências unicamente negativas quanto ao instituto do financiamento. Se esse aumento de endividamento ocorre de forma imprudente, sem planejamento e para financiar “supérfluos”, temos razões para nos preocuparmos. Comprometer grande parte da renda com dívidas oriundas de desperdícios e falta de planejamento é algo que colocará a estabilidade financeira da família em risco: qualquer diminuição da renda disponível, seja por um imprevisto como problemas de saúde, divórcio ou perda do emprego, poderá fazer com que essas dívidas não possam mais ser pagas, e por isso surgem os temidos fenômenos da inadimplência e do superendividamento.

A escolha correta dos instrumentos de financiamento é fundamental para evitar problemas relacionados ao endividamento. A degradação da situação financeira pode ter início com a escolha, por exemplo, do uso do cheque especial, com juros em torno de 136% ao ano, em detrimento de um crédito pessoal, com o custo mais baixo, de 68% ao ano. No entanto, os contratos com taxas de juros mais baixas não garantem a tranquilidade do devedor.

Estudos do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio indicam que cerca de um terço dos indivíduos atendidos pelo Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, órgão que faz a conciliação entre endividados e credores, é composto por aposentados que, em média, têm fácil acesso ao crédito consignado. De fato, é possível observar vários indivíduos que, mesmo adquirindo 100% de suas dívidas por meio do crédito consignado, chegam à condição de superendividados apesar dos juros mais baixos pagos por meio desse instrumento.

Portanto, a análise do fenômeno do endividamento isoladamente é enviesada, pois não basta enxergar apenas os riscos que nascem com o aumento do endividamento, é preciso também olhar por trás dos números e encontrar a real origem da necessidade do acesso ao crédito: se é para acalentar um presente já desgastado e corroído pela inflação ou para financiar um futuro mais produtivo.

Em ambos os casos, o consumidor de crédito se bene­ficiaria de regulação concernente ao crédito responsável e à prevenção do superendividamento, algo proposto pelo projeto de lei do Senado no 283, de 2012, que inclusive propõe a prevenção de assédio ao consumidor, principalmente o idoso. Se a análise mais profunda das causas do endividamento excessivo não for feita, corremos o risco de perpetuarmos uma cultura de demonização do acesso ao crédito, enquanto este é um instrumento essencial para o desenvolvimento econômico do país e do bem-estar individual.