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Direito, negócios e mercado financeiro em debate

5 de novembro de 2020

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Ibmec comemora 50 anos com Conferência Internacional

Criado há 50 anos com um programa inicial voltado à formação dos operadores do pregão da extinta Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, o Ibmec passou por profundas transformações até se consolidar, na atualidade, como uma das mais prestigiadas escolas de negócios do País.

Para comemorar essa trajetória de sucesso, foi realizado em outubro o Ibmec Summit, conferência internacional que, durante dois dias, debateu as principais tendências e outras novidades do universo dos negócios, da inovação, do empreendedorismo, do mercado financeiro e do Direito, com a participação de acadêmicos, CEOs de grandes corporações, juristas e magistrados.

No debate dos temas jurídicos, destaque para a participação de três importantes ministros das cortes superiores brasileiras: o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luiz Fux, o Presidente do Superior Eleitoral (TSE), Ministro Luís Roberto Barroso, e o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão – três membros do Conselho Editorial da Revista JC, dentre os quais Salomão é o Presidente.  

Eficiência x Acesso à Justiça – O Presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Luiz Fux, apresentou palestra sobre a Análise Econômica do Direito (AED) e as Políticas do Judiciário, tema que representa “uma grande travessia do pensamento jurídico”, como pontuou a mediadora do painel, Maria Goldberg, que é Diretora Jurídica do Ibmec. Ela acrescentou: “Como executiva do grupo, vivencio na prática essa travessia e confio na convivência entre a Economia e o Direito”.

O Ministro Fux inicialmente explicou que a AED é completamente distinta do Direito Econômico – que cuida das questões concorrenciais, financeiras e tributárias – e da Economia Normativa. “É uma nova escola de pensamento, que se vale de um conceito nuclear da Economia: a eficiência. O Direito há de ser eficiente, para isso precisa que alguns enfoques econômicos deem eficiência ao sistema normativo. (…) A AED torna o sistema jurídico atraente, inclusive pelo ângulo dos investimentos estrangeiros”, pontuou o magistrado.

Na sequência, o Ministro Fux problematizou a questão do acesso às Justiça sob o ponto de vista da AED: “No Direito, sempre estudamos as ciências sociais. Preconizávamos, inclusive, que todos devem ter acesso à Justiça, mas a AED nos leva pensar: Será que todos devem ter acesso ao ponto de abarrotar a Justiça? A AED vai exatamente nos conduzir a um novo modelo de litigância civil que não é o acesso à Justiça. A luta que houve para que o acesso à Justiça fosse absoluto, hoje já é um valor que deve ser sopesado, por conta do acesso à Justiça, muitas vezes, fazer com que a proteção judicial não seja eficiente e, a fortiori, acarrete um nível alarmante de insatisfação em relação às formas usuais da prestação judicial”.

Por fim, já na fase dos debates, ao falar sobre a segurança jurídica como pré-requisito para que o sistema processual se encaixe na AED – ao lado de outros, como a duração razoável dos processos, por exemplo – o Ministro Fux falou sobre as várias estratégias e filtros processuais que têm sido aplicados nos últimos anos pelo Judiciário brasileiro, como o recurso repetitivo, a repercussão geral, o recurso extraordinário e o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

“O precedente garante essa estabilidade e o Código – Código de Processo Civil  de 2015, cuja Comissão de Juristas encarregada de elaborar seu anteprojeto foi presidida por Luiz Fux – veio estabelecendo uma força magnífica ao precedente”, pontuou o Ministro, que finalizou: “Quando uma matéria é infraconstitucional e o STJ fixa uma tese, os juízes do Brasil todo têm que respeitar essa tese, sob pena da sentença ser modificada. Se a matéria for constitucional tem que respeitar a jurisprudência do Supremo, se a matéria for local, a jurisprudência do tribunal local, e se a matéria não tiver jurisprudência o juiz dá azo à sua criação judicial e à independência jurídica. Sou juiz há 40 anos e posso assegurar que a política do stare decisis não viola a independência jurídica, porque a independência jurídica do juiz é pro populo, temos que ser independentes em favor do povo. (…) Temos que seguir a jurisprudência para que se mantenha segurança jurídica e igualdade de todos perante a lei e perante o julgado”.     

Regressão democrática – O Ministro Luís Roberto Barroso participou do painel que reuniu outros dois grandes constitucionalistas da atualidade, os professores norte-americanos Mark Tushnet, da Escola de Direito de Harvard, e Bruce Arckeman, da Escola de Direito de Yale. Mediado pelo professor da matéria na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rodrigo Brandão, o debate tratou dos limites e possibilidades para o Direito Constitucional do Século XXI.

Lamentando não estar tão livre quanto os demais participantes para dizer o que pensa, o Ministro Barroso dividiu sua apresentação, em inglês, para falar sobre o passado, o presente e o futuro do constitucionalismo democrático. Sobre o passado, ressaltou que a democracia constitucional foi a ideologia hegemônica até pouco depois da última virada de século, quando cerca de 180 países possuíam algum modelo de eleições livres e voto universal.

Contudo, segundo ele, no presente parece haver algo de errado com o modelo: “Há uma onda liberal que está varrendo muitas partes do mundo, promovendo o que muitos autores chamaram de recessão democrática, ou regressão democrática. Os exemplos vêm se acumulando: Hungria, Polônia, Rússia, Turquia, Ucrânia, Geórgia, Filipinas, Nicarágua, Venezuela, vocês sabem os nomes, é uma lista longa. A novidade para nós é que, diferentemente do que aconteceu nos anos de 1960, com os golpes militares, agora estamos assistindo líderes populares liderando a desconstrução das democracias. Sob meu ponto de vista, há três diferentes fenômenos em diferentes partes do mundo, que não devem ser confundidos, mas que quando se sobrepõem, cria-se um problema para a democracia: populismo, conservadorismo radical e autoritarismo”.

Como problemas associados ao fenômeno que caracterizou como “regressão democrática”, o Ministro Barroso listou a concentração de poderes no Executivo, as restrições à liberdade de expressão, os ataques aos líderes da oposição e a tentativa de preencher as cortes constitucionais com “juízes submissos”.

Sobre as possibilidades e limites do constitucionalismo democrático no futuro, o Ministro Barroso afirmou que para que tenhamos avanços será preciso superar três grandes obstáculos: a desigualdade social, a corrupção e a necessidade de avanços no sistema eleitoral – “que não está dando voz e relevância à cidadania”. Para o magistrado, é necessário utilizar melhor as potencialidades da Internet para realçar a participação política direta, “sempre com o cuidado de não suprimir os poderes intermediários da imprensa, dos partidos políticos e da sociedade civil”.

“O futuro da democracia constitucionalista, na minha visão, se apoia no projeto perene de emancipação das pessoas, trazendo a elas liberdade, igualdade e a liberdade em relação à corrupção, o que lhes trará condições de florescer e viver uma boa vida”, finalizou.

Mudança de mentalidade – Outro painel contou com a participação do Ministro Luis Felipe Salomão e da Professora Selma Lemes, ambos integrantes da Comissão Relatora do Senado que propôs o anteprojeto da Lei da Arbitragem, para tratar dos 24 anos desta legislação. O mediador, Gustavo Schmidt, Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), lembrou que embora hoje a arbitragem seja considerada o método de excelência para a solução de conflitos empresariais e em obras de infraestrutura, houve muita resistência por parte dos magistrados no passado.

“O Desembargador Luiz Roberto Ayoub (TJRJ) gosta de contar um episódio. Depois de escrever um dos primeiros livros com comentários à Lei de Arbitragem, logo após sua aprovação, ele recebeu um pito do então presidente do Tribunal, que teria perguntado como ele, um magistrado, tinha a petulância de escrever um livro sobre a arbitragem, que usurpava, retirava poder do próprio Judiciário. A verdade é que nos vinte anos que se passaram depois disso, essa mentalidade mudou totalmente”, comentou Schmidt na abertura do painel.

O Ministro Salomão, que presidiu os trabalhos da Comissão Relatora do Senado, admitiu que na época havia certo receito entre os magistrados de que os métodos extrajudiciais, como a Arbitragem e a Mediação, pudessem representar ameaças ao monopólio da jurisdição. Contudo, segundo ele, com o crescimento vertiginoso das demandas judiciais nos anos que se seguiram, os juízes começaram a vencer os preconceitos e a se convencer de que as soluções extrajudiciais não competem com o Poder Judiciário. “Ao contrário, representam avanços da civilização e, indiretamente, uma possibilidade de racionalidade para a atividade judicial”, afirmou o Ministro Salomão, que acrescentou: “A magistratura hoje está muito consciente do papel da arbitragem e das demais formas de resolução extrajudicial. Não existe mais aquele ranço, aquela mentalidade antiga, muito pelo contrário. Isso se reflete na jurisprudência de apoio e fortalecimento à arbitragem no Brasil”.

Ao ser questionado sobre como a jurisprudência do STJ tem ajudado a fortalecer o emprego da arbitragem como método de resolução de conflitos, o Ministro deu uma série de exemplos de decisões que foram lapidando a lei ao longo dos anos, como o reconhecimento do princípio de competência-competência, que garante absoluta prevalência às decisões dos árbitros, sem interferências do Poder Judiciário, ao menos até a aprovação da decisão arbitral. “Só depois e se for o caso vem a ação anulatória”, comentou o magistrado.

“A Lei da Arbitragem está bastante adequada para o momento e para o futuro. Agora é expandir cada vez mais a sua utilização e, de acordo com o que estamos assistindo, equacionar os problemas que vão surgindo para sua expansão”, finalizou o Ministro Salomão.