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Dano moral e sua quantificação

30 de setembro de 2007

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É indiscutível, nos dias de hoje, a importância da reparação por dano moral, estando a mesma expressamente prevista nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil vigente.

Danos morais são lesões sofridas por pessoas físicas ou jurídicas em certos aspectos da personalidade, ocasionadas por investidas injustas e atos ilícitos de terceiros, causando-lhes dores, mágoas, constrangimentos, vexames, enfim, sentimentos e sensações negativas. Atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, e contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado.

A concomitância dos danos de natureza moral e patrimonial se verifica sempre que os atos agressivos alcançam a esfera geral da vítima, como, por exemplo, nos casos de morte de parente próximo em acidente ou ataque à honra alheia pela imprensa. Tais danos, além de atingirem as esferas íntima e valorativa do lesado, lhes proporcionam reflexos patrimoniais negativos. O prejuízo é resultante da ofensa à integridade psíquica ou à personalidade moral, com possível ou efetivo prejuízo do patrimônio moral.

Hoje em dia, destaca-se sobremaneira a reparação civil por danos morais em decorrência da evolução das comunicações e da crescente conscientização a respeito dos direitos da personalidade.

Segundo Maria Helena Diniz, responsabilidade civil é “a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato, de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou ainda de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”.

Quanto à prova do dano moral, defendo a corrente segundo a qual este está ínsito na própria ofensa, decorrente da ilicitude em si mesma. Logo, se a ofensa é grave e de repercussão, esta é a prova e a justificativa para a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

 

Critérios para a quantificação

O tema se reveste de contornos extremamente polêmicos quando, constatado o dano moral, se parte para sua quantificação, apesar de existirem pulverizados, tanto na doutrina como na jurisprudência, alguns parâmetros para a fixação.

Conforme entendimento do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, “uma das objeções que se fazia à reparabili-dade do dano  moral era a dificuldade para se apurar o valor desse dano, ou seja, para quantificá-lo.” A dificuldade, na verdade, era menor do que se dizia, porquanto em inúmeros casos a lei manda que se recorra ao arbitramento (Código Civil de 1916, art. 1.536, § 1º). E tal é o caso do dano moral. Não há, realmente, outro meio mais eficiente para se fixar o dano moral a não ser pelo arbitramento judicial. Cabe ao Juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral.

Em vários dispositivos legais, vamos encontrar critérios para a quantificação do dano moral. Os tribunais, reitera-damente, têm adotado o critério previsto no art. 84, § 1º, do Código Brasileiro de Telecomunicações, que manda fixar a indenização entre 5 e 100 salários mínimos para as hipóteses de calúnia, difamação ou injúria. (…)

A Lei de imprensa, por seu turno (Lei nº 5.250/67), em seus arts. 51 e 52, limita a determinados números de salários mínimos a responsabilidade civil do jornalista profissional e da empresa que explora o meio de informação ou divulgação. Estou convencido, todavia, de que não há mais nenhum limite legal prefixado, nenhuma tabela ou tarifa a ser observada pelo juiz, mormente após a Constituição de 1988.

Nesse sentido, recomendo a leitura do brilhante acórdão da 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no julgamento da Ap. Cível 5.260/41, do qual foi relator o eminente Ministro Carlos Alberto Direito, quando ainda Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A ementa desse v. acórdão, na parte que nos interessa, diz assim: “A indenização por dano moral, com a Constituição de 1988, é igual para todos, inaplicável o privilégio de limitar o valor da indenização para a empresa que explora o meio de informação e divulgação, mesmo porque a natureza da regra constitucional é mais ampla, indo além das estipulações da Lei de Imprensa.”

Em recente julgamento envolvendo reparação por dano moral ocorrido na 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, do qual participei como revisora, travou-se uma longa discussão acerca da quantificação do dano moral.

O processo em tela envolvia pedido de indenização por dano moral formulado pelos pais em razão da morte da filha, aos cinco anos, infectada pelo vírus da AIDS em uma transfusão de sangue realizada em hospital público.

Ora, imagino a dor destes pais. A extensão do sentimento de dor resultante da perda de um filho é incomensurável, inexistindo indenização suficiente para reparar integralmente a falta irreversível, sendo possível, tão-somente, a amenização de seus efeitos. A dor, pode-se dizer, é um antecedente, do qual são conseqüentes os sofrimentos, os sentimentos que devem ser arredados ou, no mínimo, minorados, pelo que se reparam tais conseqüências e seqüelas.

A dificuldade na fixação do quantum da indenização tem gerado diversas tentativas de padronização, as quais restaram infrutíferas, levando-nos à conclusão de que o melhor caminho é o discernimento do magistrado, considerando os critérios sugeridos tanto pela doutrina e como pela jurisprudência, com razoabilidade, de acordo com as peculiaridades de cada caso, tais como a dimensão do sofrimento íntimo experimentado, o grau de culpa do infrator, o nível socioeconômico dos autores e o porte econômico dos réus, havendo sempre algum subjetivismo.

Nossa jurisprudência vem consolidando este posiciona-mento, conforme exemplificado nas seguintes ementas:

Civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Erro médico. Morte de menor durante procedimento cirúrgico de baixo risco. Choque anafilático e negligência do cirurgião. Pensão mensal vitalícia afastada pelo Tribunal. Deficiência de fundamentação do recurso quanto ao ponto.

Fixação dos danos morais.

– Não se conhece de recurso especial deficientemente fundamentado.

– A revisão do valor estipulado como compensação pelos danos morais sofridos só é possível em casos excepcionais, para que se afaste flagrante descompasso em relação ao que ordinariamente entende o STJ como “justa compensação”.

– Tal medida se justifica, na presente hipótese, porque não é de se aceitar que o Tribunal reduza o valor compensatório estabelecido pela sentença apenas com fundamento em um prévio tabelamento de valores financeiros, válido para toda e qualquer demanda, de forma a relegar a um plano secundário as circunstâncias fáticas específicas de cada lide.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(STJ – RESP 659.420-PB – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJ: 01/02/06)

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE
TRÂNSITO. MORTE. INDENIZAÇÃO. PENSIONA-MENTO. TERMO AD QUEM. TABELA DO IBGE. CRITÉRIOS. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL. RELATI-VIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA.

– Não obstante ter a jurisprudência desta Corte, na maioria dos casos, fixado, para fins de pensão indenizatória, como tempo provável de vida do falecido, a idade de 65 (sessenta e cinco) anos, certo é que tal orientação não é absoluta, servindo apenas como referência, não significando que seja tal patamar utilizado em todos os casos, notadamente naqueles em que a vítima já possuía idade avançada ou mesmo superior ao referido patamar.

– A correção monetária, em dívida por ato ilícito, incide a partir da data do efetivo prejuízo,  e não  do ajuizamento da ação, nos termos do verbete 43, da Súmula do STJ.

(STJ – RESP 72.739/SP – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJ 06/11/2000)

Logo, não resta dúvida, o arbitramento judicial é o meio mais eficiente para a fixação e quantificação do dano moral, e o magistrado, com ponderação e razoabilidade, o fará. Embora o julgador não esteja subordinado a nenhum limite numérico nem a qualquer tabela prefixada, deve estimar uma quantia compatível com o nível de reprovação da conduta ilícita e a gravidade do dano produzido, atentando sempre para a necessidade de se coibir o enriquecimento sem causa.