
Da esquerda: O ministro do STJ Marco Buzzi; o desembargador do TJSP Maurício Pessoa e o advogado Rodrigo Salomão
Programa Conversa com o Judiciário abordou aspectos do controle de legalidade na recuperação de empresas
A Revista Justiça e Cidadania realizou em São Paulo mais uma edição do programa Conversa com o Judiciário, que teve como tema o “Controle de legalidade na recuperação de empresas”. Os convidados para apresentar os painéis foram o ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o desembargador Maurício Pessoa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), e o advogado especializado em direito empresarial, Rodrigo Salomão.
O programa já soma mais de 200 edições, a grande maioria delas sobre direito empresarial. “Nos últimos 20 anos, temos acompanhado a contribuição do STJ nessa área, cuja jurisprudência vem evoluindo e consolidando a natureza contratual nos planos de recuperação judicial”, declarou o editor-executivo da revista, Tiago Salles.
O ministro Marco Buzzi fez breve aporte histórico, explicando que, se hoje o Judiciário controla a legalidade dos planos de recuperação, no início isso não era muito tolerado, colocando-se a vontade da Assembleia acima de todas as questões. “Começamos a estruturar limites para intervenção do magistrado e, hoje, isso está praticamente consolidado. Esses limites ficam na higidez dos atos cometidos nas deliberações das assembleias junto ao grupo de credores, e na forma como os créditos são apresentados. Muito além disso, o juiz não pode e nem deve ir”, disse.
Ele comentou que foram incorporados aos diplomas legais importantíssimos institutos da common law. Em contrapartida, países onde há a preponderância desse sistema estão vindo buscar na civil law certos institutos para garantir segurança jurídica. “Não importa qual seja o sistema legal. No que se refere ao controle da legalidade, o juiz não pode fazer o que bem quiser. As balizas não são dele e sim do sistema, do establishment, e foram fixadas pela maioria”.
Ainda de acordo com o ministro, ao disciplinar as matérias legais, e em particular no caso da recuperação judicial, o legislador deixa cláusulas abertas propositalmente. “Não é possível disciplinar todas as circunstâncias que aparecem nas relações contratuais e materiais no dia a dia do mundo do comércio. É uma quimera querer construir uma lei que possa disciplinar todas as circunstâncias absolutamente subjetivas de cada ocorrência. São cláusulas abertas, mas não sem limites, posto que estes são dados por nossa legislação”.
O ministro finalizou sua apresentação afirmando que nosso controle da legalidade está muito bem engendrado. “Não precisamos mudar nada na lei. O que precisamos mudar é a cabeça das pessoas. Porque se mudarmos a lei sempre que precisarmos de mais inteligência, sensibilidade e perspicácia, não haverá lei que dê jeito em tudo. Não é a lei que vai solucionar nossos problemas. Ela é uma forma de racionalizarmos, de termos segurança para dinamizar a solução dos problemas. Mas quem dá a solução é a sociedade”.
O desembargador Maurício Pessoa, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também reforçou que “nessa questão atinente ao controle da legalidade, o que se tem por entender é que a figura do juiz foi idealizada como a de um personagem condutor do processo”. Segundo ele, essa idealização não se concretizará jamais porque no curso do processo da recuperação judicial surgem inúmeros incidentes que têm de ser solucionados. “Nesse sentido, o juiz, ao exercer sua função no processo de recuperação judicial, tenta controlá-la no sentido de conferir legitimidade e legalidade àquela negociação havida entre os devedores e os credores. E também para atestar que o plano de recuperação proposto não afronte a lei e que implemente aqueles requisitos de validade do artigo 104 do Código Civil”.
Esse primeiro ato de controle da legalidade culmina na verificação do próprio plano eventualmente aprovado naquela recuperação judicial. “Nesse ponto, a jurisprudência tem papel preponderante, que se concretiza nos enunciados, a exemplo daqueles definidos na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal. Enfim, são várias questões pontuais que, unidas, conferem esta legalidade geral que se cobra do processo de recuperação judicial e do plano aprovado pelos credores”.
O desembargador também reforçou a necessidade de se ter segurança jurídica para que os atores do processo da recuperação judicial saibam o que vai acontecer. “Em nosso tribunal, os juízes de primeira instância têm exercido esse controle da legalidade tão necessário no processo da recuperação judicial, que não é a panaceia para a concretização da liberdade. Ao contrário, ele tem que ser interpretado com a limitação das leis que o juiz irá aplicar”.
Finalizando mais uma edição do programa Conversa com o Judiciário, o advogado Rodrigo Salomão, vice-presidente da Comissão de Direito Processual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), trouxe alguns casos concretos para ilustrar o que foi previamente apresentado. O objetivo foi apresentar panorama sobre a questão do controle de legalidade e de como tem sido aplicado na prática pelo STJ ao delimitar balizas.
Segundo Salomão, hoje é sabido que cada caso de recuperação judicial tem suas peculiaridades e especificidades. “O melhor caminho é fazer uma análise de cada situação para ver de que maneira esse controle de legalidade vem sendo exercido”, disse, antes de apresentar exemplos, como o de recuperações judiciais em que existe o compromisso de não litigar e o de situações em que existem subclasses de credores. “Minha ideia foi trazer algumas reflexões a partir de casos práticos, para ajudar a entender como tem sido feito o controle de legalidade, a partir do que foi muito bem apresentado pelo ministro Buzzi e pelo desembargador Maurício”, concluiu.
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