Controle externo não!

12 de fevereiro de 2004

Orpheu Santos Salles Editor

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(Editorial originalmente publicado na edição 43, 02/2004)

A discussão, a discórdia e a celeuma levantadas sobre o controle do Poder Judiciário e do Ministério Público, tem e devem ser equacionados atendendo-se especificamente os princípios de independência e harmonia entre os poderes da República.

É inadmissível querer e desejar a interferência estranha e indevida nas atribuições próprias do Judiciário e do Ministério Público, como seria, por exemplo, também querer controlar a atuação dos membros da Câmara e do Senado Federal, ou as ações dos Ministros de Estado, ou mesmo do Presidente da República.

Torna-se absolutamente descabida a proposta inserida na Reforma do Judiciário, com a designação e participação de membros estranhos aos afazeres do Judiciário ou do Ministério Público, como integrantes no Conselho Nacional da Justiça, ou no Conselho Nacional do Ministério Público.

Lamentavelmente, o Projeto da Reforma, que se encontra ainda em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no Senado Federal, e já aprovado pela Câmara de Deputados, traz no seu bojo o dispositivo que trata da criação do controle externo do Poder Judiciário.

Face o que dispõe a Constituição Federal sobre as garantias fundamentais e inarredáveis que constituem o legítimo Estado Democrático de Direito – como ainda vivenciamos hoje – “esse pretendido controle externo torna-se estapafúrdio e periculoso, dado o absurdo da sua composição conter entre os membros, elementos que, por situações várias, poderiam estar envolvidos em questões, julgamentos e decisões pendentes em processos em mãos de Magistrados, os quais, fatalmente, sofreriam no ordenamento processual e jurídico, a interferência estranha e indevida do Conselheiro que estivesse em condições de suspeição.”

A hipótese de isso vir a ocorrer não está fora de cogitação – sem qualquer alusão depreciativa aos possíveis representantes da OAB e dos escolhidos Deputados Federais e Senadores da República – pois na escolha pela Câmara dos Deputados, do seu representante no CONSELHO DA REPÚBLICA (art. 89 da CF), foi eleito o ínclito cidadão, Ministro Evandro Lins e Silva, que com seu infausto falecimento, foi substituído pelo suplente, também eleito pela Câmara, entretanto reiterado delinqüente.

Muito a propósito, transcrevemos novamente parte do brilhante artigo do Ministro Marco Aurélio Mello “O controle do controle do controle…”, publicado em nossa edição nº 35, de 06/2003:

“O controle externo do Judiciário não será a panacéia para a confusão nacional, até porque já existe, e há muito! Aos que assim não entendem, vale indagar qual o papel desempenhado pelo Tribunal de Contas da União, Ministério Público e até mesmo pelos advogados que tanto clamam por tal medida, isso sem se discorrer sobre outros instrumentos criados com igual objetivo, como o impeachment a cargo do Senado Federal, relativamente aos Ministros da Suprema Corte, a ação de improbidade administrativa e a Lei de Responsabilidade Fiscal.”
Alguns dos mais apressados hão de retrucar – ah!, falamos do controle externo sobre a atividade jurisdicional propriamente dita.

Aí, a mixórdia se acentua. Pois controle externo sobre atividade jurisdicional cheira a grosseira inconstitucionalidade. De que maneira compatibilizá-lo com a independência funcional determinada pela Carta da República como pressuposto da atividade jurisdicional no país? E quem terá a sabedoria para tanto? Alguém já imaginou um “conselho” de eleitos escolhidos sabe-se lá por quem formado para atender à precípua finalidade de censurar uma sentença proferida por um magistrado concursado? Onde ficam anos de experiência até se alcançar a suprema habilidade de conseguir retirar dos autos mais que um mero conjunto formal de provas? Como desconsiderar uma rotina traduzida em dias infindáveis por sobre um processo, a fim de corretamente destrinchá-lo, horas e horas em audiências intermináveis com o intento de extrair dos depoimentos a verdade? Já pensou afastar o veredicto soberano dos jurados ao argumento leviano de que decerto tal “conselho ad hoc” mostra-se mais preparado para o caso, ante a possibilidade etérea deste ou daquele indício de fraude? Alguns podem achar exageradas essas contraposições. Não o são. Em última análise, a proposta em tela tem essa espinha dorsal.

Para quem ainda não se convenceu da incoerência de um tão estapafúrdio quanto inoperante expediente, cabe apontar outros instrumentos que também demonstram a inviabilidade do projeto: se nem os juizes são confiáveis, por que os membros desse conselho o seriam? Em outras palavras, quem controla o controle externo?

A propósito, estabelecida a premissa da imprescindibilidade desse tipo de controle, cumpre tratar-se urgentemente de um controle externo da atividade parlamentar, até para “limpar a barra” do Legislativo. É notório que há muita bobagem por toda parte. Assim, de bom proveito poderia se revelar um crivo sobre os discursos, os projetos, até mesmo sobre os votos de Suas Excelências os senhores vereadores, deputados e senadores, de modo a garantir-se a lisura e, acima de tudo, a boa reputação das mui dignas Casas a que estão integrados.

E, no tocante ao Executivo, que se dirá? Diante de tantos “governos paralelos” prontamente “empossados” pelas oposições logo que perdida uma eleição, a concepção de um controle externo sobre as decisões dos chefes do Poder Executivo, a tutela de um conselho composto por “sábios” talvez não fosse de todo imprópria. Afinal, imensas são as pressões, incontáveis os desafios, nessa época absurda de hegemonias tão evidentes.

Neste ponto, replicar-se-á que tanto o Executivo como o Legislativo submetem-se ao penoso teste das urnas, a cada quatro anos, o que não acontece com o Judiciário. Ora, ora, mas para que servem os recursos Processuais? Alguém desconhece que a organização do Judiciário em instâncias visa essencialmente à revisão das sentenças por colegiados superiores, com base em critérios legais? Pode haver mais transparência do que aquela assegurada pelo princípio da publicidade? Se a possibilidade de revisão por duas instâncias e as vezes até por três não é garantia suficiente, quem atesta que um controle externo procedido por pessoas estranhas ao ofício o será?”