A conciliação e a mediação como instrumentos para a desjudicialização das relações sociais

17 de outubro de 2013

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Marcia-Milanez1. Introdução
Contemporaneamente, muito se discute sobre os problemas enfrentados pelo Poder Judiciário na resolução qualitativa dos conflitos de interesse que a ele são submetidos. Além do elevado número de processos e das deficiências estruturais que acentuam a morosidade no término do processo judicial, discute-se, ainda, o alcance da solução estatal na harmonização das partes pela satisfação de seus interesses trazidos em juízo.

Diante do elevado número de recursos, de execuções judiciais e do elevado índice de insatisfação dos jurisdicionados, questiona-se sobre a necessidade de revisão do modelo de solução de conflitos tradicionalmente adotado, no qual prepondera a resolução adjudicada dos conflitos de interesses.

Neste breve texto, far-se-á uma análise das principais causas da excessiva judicialização das relações sociais no Brasil, procurando delimitar em que medida o modelo processual vigente no Brasil precisa sofrer adequações com vista a minimizar os problemas enfrentados na gestão dos conflitos de interesse em âmbito judicial.

Tecer-se-ão, também, algumas considerações sobre a necessidade de implementação de uma Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, discorrendo-se sobre as principais inovações trazidas pela Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, no intuito de demonstrar a importância da ampliação e do aprimoramento do sistema de resolução de conflitos brasileiro.

Apresentar-se-á, por fim, a conciliação e a mediação como instrumentos aptos a contribuir para a redução da excessiva judicialização das relações sociais, oportunizando-se que as partes envolvidas em um conflito possam assumir-se na condição de autoras da construção da solução para seu problema, evitando que toda e qualquer questão submetida ao Poder Judiciário seja resolvida adjudicativamente.

2. Traços da excessiva judicialização das relações sociais
Nos últimos anos, o Poder Judiciário brasileiro tem sido alvo de inúmeras críticas e questionamentos envolvendo, principalmente, sua eficiência, a morosidade, a inefetividade e a qualidade de seus provimentos.

Desde sua criação, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ tem demonstrado grande preocupação com a insatisfação da sociedade e a crise de confiabilidade em relação ao Judiciário. Em seu último diagnóstico, divulgado em 2010, o CNJ relatou que em todo o país existiam mais de 86 milhões de processos em tramitação, com uma taxa de congestionamento de 71% (Conselho Nacional de Justiça, 2010), o que indica que, de cada dez processos postos nas prateleiras do Judiciário, apenas três foram julgados no ano. Segundo a Conselheira Morgana de Almeida Richa, esse “[…] contingente de demanda por si revela elemento desestabilizador do funcionamento adequado do aparato judiciário, posto que, abarrotado de processos em larga monta, não consegue responder ao quantitativo em observância ao esperado binômio qualidade/celeridade” (RICHA, 2011, p. 62).

Essa crescente escalada no número de processos judiciais revela, a priori, a presença do fenômeno da excessiva judicialização das relações sociais, desvelando uma tendência brasileira a se levar todo e qualquer tipo de conflito para ser resolvido perante o Poder Judiciário. Segundo Luís Roberto Barroso, “a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade” (BARROSO, 2011).

No modelo processual brasileiro, nota-se, dessa forma, uma tendência de transferência do poder decisório das pessoas envolvidas no conflito para os juízes representantes do Estado, que assumem um verdadeiro protagonismo na solução do problema, com significativos deficits para a construção de um modelo processual democrático.

Luís Roberto Barroso procura elencar algumas das múltiplas causas dessa excessiva judicialização das relações sociais, dentre elas cita a constitucionalização abrangente de direitos e a correspondente abertura para os interessados ingressarem em juízo buscando concretizar direitos e políticas públicas, aumentando a demanda por justiça pelos cidadãos. Ao lado dessa causa, cita ainda a recuperação das garantias da magistratura após o regime militar, que levou à ascensão institucional do Poder Judiciário e à sua reafirmação como poder político.

Para Barroso, a combinação dessa afirmação insti­tucional com o novo ambiente democrático reavivou a cidadania e elevou o nível de conscientização da população quanto a seus direitos, modificando a relação da sociedade com o Poder Judiciário, que passou a ser visto com mais confiabilidade e como desaguadouro natural dos anseios por proteção e pela efetividade de direitos (BARROSO, 2011).

Outro fator que contribuiu para o aumento da judicialização foi a renovação de alguns serviços judiciais, especialmente após o advento dos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.009/95). Com a inserção dos princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, com a dispensa da necessária representação por advogado nas causas até vinte salários mínimos, e com a isenção do pagamento das taxas e custas processuais, criou-se um ambiente favorável para que uma grande parcela de pequenos conflitos, antes não conhecidos pelos juízes, passasse a ser discutida cotidianamente no Judiciário.

Se anteriormente se falava em litigiosidade contida por falta de instrumentos aptos a promover o acesso à Justiça, atualmente, pode-se falar em litigiosidade desenfreada, com a multiplicação de uma série de lides temerárias.

Assim, pode-se afirmar que atualmente o Poder Judiciário vive um momento de crise, uma vez que se vê congestionado de processos e impossibilitado de oferecer uma resposta célere, efetiva e qualitativa aos conflitos que desaguam cotidianamente nas inúmeras comarcas do país.

No entender de Kazuo Watanabe, essa crise deriva não somente em razão da sobrecarga excessiva de processos, mas também da falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (WATANABE, 2011). O Poder Judiciário brasileiro tem sua história marcada pela preponderância da solução adjudicada dos conflitos de interesses, consubstanciando-se em um sistema de via única de solução de conflitos, no qual a sentença impositiva predomina sobre qualquer outra forma de resolução de controvérsias.

Na concepção de Roberto Portugal Bacellar, essa crise do Poder Judiciário é também consequência de uma crise do próprio ensino jurídico, vez que “[…] forma guerreiros, profissionais combativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde duas forças opostas lutam entre si e só pode haver um vencedor” (BACELLAR, 2011, p. 31).

Assim, a preponderância da utilização do contencioso na resolução de conflitos no Brasil deriva da prevalência nas faculdades de Direito de um ensino jurídico voltado para a beligerância. Enquanto não forem educados para tanto e não conhecerem outras formas de resolução de conflitos, os profissionais do Direito continuarão a se utilizar da única forma que conhecem de resolver conflitos de interesse: a judicialização.

Pedro Câmara Raposo Lopes considera, ainda, que há aspectos sociológicos que levam o povo brasileiro a preferir o sufrágio estatal à outra forma de resolução de conflitos, perpetuando o que chama de cultura do carimbo, da “cartorização”. Aduz o autor que:

(…) esta peculiar característica da formação da personalidade do homem brasileiro, tomada de empréstimo do homem ibérico por sua gênese, amesquinha as tentativas mais bem intencionadas de reduzir o passivo judicial, como, verbi gratia, as medidas paraestatais de solução de conflitos (mediação, arbitragem e quejandos) que não encontraram no solo brasileiro terreno virente, justamente pela carência do elemento judicial a lhe conferir a chancela estatal (absolutamente desnecessária nos povos de tradição oriental ou anglo-saxã). (LOPES, 2011).

Surge, dessa forma, uma sociedade de litigantes, na qual não se procura resolver as desavenças de interesses por outros métodos de resolução de conflitos, especialmente os consensuais, fragilizando-se, com isso, os laços sociais e a construção de uma sociedade madura e democrática, visto que, com essa postura beligerante, o cidadão brasileiro acaba entregando o destino de suas questões nas mãos do julgador estatal, deixando de ser o protagonista na construção discursiva da solução para seu conflito.

3. A necessidade de implementação de uma política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses
Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 125, tornou pública a institucionalização de uma Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Com a institucionalização dessa política pública, o CNJ considerou que cabe ao Poder Judiciário organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, mas também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.

Ao instituir uma política de tratamento adequado dos conflitos que deságuam em crescente escalada no Poder Judiciário, o CNJ pretendeu assegurar a todo jurisdicionado o direito à solução de seu conflito por meios adequados às suas natureza e peculiaridade (art. 1º da Res. 125/2010), oferecendo-lhe, ao lado da solução adjudicada, outros mecanismos de resolução de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, no intuito de ampliar as vias de acesso ao sistema de Justiça.

Embora a conciliação e a mediação já viessem sendo utilizadas na resolução dos conflitos por muitos tribunais no país, o CNJ considerou que tais experiências careciam de uniformidade e um mínimo de qualidade. Por isso, com a Res. 125/2010, o Conselho Nacional de Justiça procurou estabelecer algumas diretrizes para organizar e uniformizar os serviços de conciliação e mediação oferecidos pelo Poder Judiciário, no intuito de estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais.

Com o advento dessa Política Judiciária Nacional, o Poder Judiciário passa a ser visto como um centro de resolução de controvérsias, com distintos processos, cabendo-lhe oferecer ao jurisdicionado a possibilidade de escolher o meio mais adequado à resolução de sua questão, consoante suas natureza e peculiaridade.

Para tanto, o CNJ determina que os Tribunais deverão criar Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (art. 7º da Res. 125/2010), destinados a desenvolver essa Política Judiciária Nacional no âmbito de sua atuação, com o planejamento, a implementação e o aperfeiçoamento de ações voltadas ao cumprimento das metas estabelecidas na Res. 125/2010.

Entre as principais atribuições dos Núcleos Perma­nentes, está a obrigatoriedade de instalar nas comarcas, seções, subseções e regiões judiciárias os Centros Judi­ciários de Solução de Conflitos e Cidadania, onde será concentrada a realização das sessões de conciliação e mediação, tanto processuais quanto pré-processuais, bem como será disponibilizado um serviço de orientação e atendimento ao cidadão (art. 8º da Res. 125/2010).

No intuito de garantir a boa qualidade dos serviços prestados, a Resolução nº 125/2010 estabelece como atribuição dos Núcleos Permanentes a promoção da capacitação, do treinamento e da atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos, observando, para tanto, o conteúdo programático e a carga horária mínima estabelecidos no anexo I da referida Resolução.

Dessa forma, com a uniformização e a qualificação dos procedimentos, essa Política Judiciária Nacional objetiva estimular a construção de uma nova cultura na resolução dos conflitos de interesses no Brasil, aberta a outras formas de resolução de controvérsias que não a adjudicada, propiciando que os conflitos possam ter um tratamento adequado e que o jurisdicionado obtenha uma solução tempestiva e efetiva para seu problema.

Segundo André Gomma de Azevedo, nesse novo paradigma que se desenvolve após o estabelecimento dessa Política Judiciária Nacional, alteraram-se, também, a função dos magistrados e dos Tribunais, que devem assumir, cada vez mais, uma função de gerenciamento de disputas ou de gestão de processos de resolução de controvérsias (AZEVEDO, 2011). Expõe o autor que:

(…) com a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, começa a se criar a necessidade de tribunais e magistrados abordarem questões como solucionadores de problemas ou como efetivos pacificadores – a pergunta a ser feita deixou de ser “como deve sentenciar em tempo hábil”, e passou a ser “como devo abordar essa questão para que os interesses que estão sendo pleiteados sejam realizados de modo mais eficiente e no menor prazo”. (AZEVEDO, 2011, p. 17).

Nesse novo cenário em que o Poder Judiciário sofre alterações em suas atividades, com a assimilação de distintos processos de resolução de disputas, também os magistrados, além da função jurisdicional que já desenvolvem, precisarão assumir uma função gerencial na administração dos conflitos que lhe são submetidos, bem como na fiscalização e no acompanhamento de seus auxiliares, conciliadores e mediadores, no intuito de assegurar que sejam cumpridas as diretrizes estabelecidas na Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses.

Vê-se, assim, que a mudança na cultura da beligerância e da excessiva judicialização das relações sociais passa, igualmente, por uma mudança na postura dos próprios magistrados e Tribunais. A mudança social que se quer ver implementada com o estabelecimento dessa política pública deve ser assumida, primeiramente, pelos magistrados e demais operadores do Direito, e esses, enquanto agentes de transformação social, propiciarão, paulatinamente, uma revolução social na forma de gestão e resolução dos conflitos no Brasil.

4. A conciliação e a mediação como instrumentos para a desjudicilização das relações sociais
4.1 Aspectos conceituais
A conciliação e a mediação situam-se dentre os denominados Meios Alternativos de Solução de Conflitos, conhecidos internacionalmente pela sigla ADR (Alternative Dispute Resolution), caracterizando-se como métodos consensuais de resolução de disputas, nos quais a construção para a solução do conflito dá-se de maneira autônoma e consensual entre as partes, não havendo qualquer imposição por parte do(s) terceiro(s) que atua(em) como interventor(es) no processo de resolução do conflito.

No Brasil, tanto a conciliação quanto a mediação são utilizadas como formas de resolução de conflitos no decorrer de um processo judicial (incidental) e também na resolução de conflitos ainda não ajuizados (conciliação e mediação pré-processuais).

O termo mediação vem do latim mediare, que significa mediar, colocar-se no meio ou intervir, enquanto a palavra conciliação tem sua raiz etimológica no vocábulo latino conciliatio, derivado do verbo conciliare (acerto de ânimos em choque).

Tanto a mediação quanto a conciliação são proce­dimentos não adversariais de resolução de conflitos e têm como princípio basilar a autonomia das partes na construção conjunta e cooperativa da solução que melhor atenda aos seus interesses e necessidades. Ademais, ambas contam com a presença de um terceiro imparcial e neutro em relação ao conflito – o mediador ou o conciliador –, que atua como um facilitador do diálogo e da negociação entre as partes.

Diferentemente do que ocorre na maioria dos países, no Brasil, a mediação e a conciliação, embora possuam características assemelhadas, não são tratados como sinônimos, sendo comum diferenciar tais termos em razão da postura do conciliador e do mediador na condução do procedimento. O mediador, na mediação, atuaria apenas como um facilitador da comunicação entre as partes, sem sugerir ou apresentar qualquer solução para o conflito, vez que essa deve ser construída exclusivamente pelas partes. Segundo Lília Maia de Morais Sales, a mediação:

[…] é um procedimento em que e através do qual uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma disputa, evitando antagonismos, porém sem prescrever a solução. As partes são as responsáveis pela decisão que atribuirá fim ao conflito. (SALES, 2004, p. 23).

Por outro lado, o conciliador, na conciliação, além de facilitar a comunicação e a negociação entre as partes, poderia sugerir possíveis soluções para o conflito, sendo facultado às partes aceitá-las ou não.

Feita essa primeira e simples diferenciação, mostra-se oportuno, também, fazer uma breve distinção metodológica entre os dois institutos. Para isso, tomar-se-á como referência a natureza do conflito a ser resolvido por um ou outro método consensual.

Nesse sentido, a utilização da técnica conciliatória, por ser objetiva e direcionada para a obtenção de acordos, mostra-se mais indicada para os conflitos que não necessitam de uma análise muito aprofundada para sua solução, nos quais as partes envolvidas mantenham apenas relações pontuais, e o diálogo e a negociação revelem-se fluentes entre os envolvidos.

Diferentemente, a técnica da mediação é mais indicada para os conflitos de natureza complexa, nos quais há laços intensos de relacionamento entre os envolvidos, sendo difícil trabalhar o conflito de maneira superficial sem um adentramento nas causas que deram origem à situação conflituosa.

Ao contrário da conciliação, que tem como norte o acordo, na mediação, o acordo é mera consequência do debate entre as partes e, ainda que não seja obtido, não desqualifica o procedimento mediacional conquanto este tenha contribuído para melhorar a comunicação e o relacionamento entre os envolvidos. Para Roberto Portugal Barcellar,

a conciliação em um dos prismas do processo civil brasileiro é a opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como uma indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrente de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante e depois da discussão da causa. (BACELLAR, 2011, p. 35-36).

Dessa forma, a postura mais intervencionista do conciliador decorre dos próprios objetivos e do modelo do procedimento conciliatório, vez que, em busca do acordo, ele tem a prerrogativa de ajudar as partes a encontrar as soluções possíveis, podendo, com imparcialidade, sugerir opções que considere que igualmente irão atender aos interesses dos envolvidos.

De outro lado, o mediador, por não estar preocupado com um acordo imediato, não tem por que sugerir opções para a solução do conflito, podendo dedicar-se à investigação mais aprofundada dos reais interesses das partes envolvidas na situação conflituosa, encorajando os próprios envolvidos para que sozinhos possam encontrar as soluções que melhor irão satisfazê-los.

4.2 Princípios norteadores da conciliação e da mediação
Do exposto anteriormente, pode-se afirmar que a conciliação e a mediação são procedimentos não adversariais de resolução de conflitos, no qual as partes voluntariamente procuram conjunta e consensualmente construir uma solução para seu conflito, sendo auxiliadas por um terceiro neutro e imparcial.

O terceiro, que atua como facilitador na negociação entre as partes – conciliador ou mediador –, além da neutralidade e da imparcialidade, deve possuir também conhecimento sobre os procedimentos e as técnicas usados na mediação e na conciliação, atuando com competência e credibilidade na condução do procedimento, compro­metido na identificação dos reais interesses e na capacitação das partes para que, juntas e isonomicamente, possam encontrar soluções que igualmente atendam aos seus interesses e necessidades.

Em razão de suas características, a mediação e a conciliação possuem alguns princípios básicos que norteiam a condução do processo autocompositivo, dentre os quais se destacam: voluntariedade; não adversariedade; credibilidade, imparcialidade e neutralidade do conciliador e/ou do mediador; flexibilidade e informalidade do processo; e confidencialidade.

a) Voluntariedade: por serem métodos consensuais de resolução de conflitos, é indispensável que as partes desejem, livremente, participar de uma mediação ou conciliação. Segundo Walsir Edson Rodrigues Júnior, as partes precisam querer e ao menos acreditar que poderão obter um resultado satisfatório, uma vez que terão elas próprias que tomar as decisões para resolver seu conflito. Para o autor, tanto o ingresso quanto a permanência devem ser frutos da vontade exclusiva das partes, não podendo resultar de imposições, ainda que legais (RODRIGUES JÚNIOR, 2007).
b) Não adversariedade: sendo procedimentos coope­­rativos, na conciliação e na mediação não pode haver competição entre os participantes, devendo ser estimulada a cooperação entre as partes na construção conjunta da melhor solução para suas questões. Assim, se as partes entenderem o procedimento como uma competição, farão de tudo para vencer a outra parte, tornando o conflito um fim em si mesmo e ofuscando os reais interesses envolvidos, transformando o que era para ser um processo construtivo em algo destrutivo. Segundo Maria Nazareth Serpa, “o processo funciona como um redutor de hostilidade enquanto encoraja as partes a cooperarem e comunicarem entre si. Como consequência, a mediação geralmente
tem o efeito de conter a escalada das questões em disputa e o antagonismo” (SERPA, 1999, p. 154).
c) Credibilidade, imparcialidade e neutralidade: inicialmente, a credibilidade revela-se uma condição indispensável para a efetividade do desenvolvimento do processo conciliatório ou mediacional. É fundamental para o sucesso na condução do procedimento que as partes confiem no conciliador ou mediador, e isso é obtido quando este atua de forma independe, sincera, capacitada, coerente e competente. Além do mais, o conciliador e o mediador devem agir com imparcialidade, mantendo-se equidistantes das partes, sem conceder quaisquer favoritismos. Em relação à imparcialidade, o conciliador/mediador assemelha-se a um juiz. Entretanto, em relação à neutralidade com que deve agir, diferencia-se da postura do juiz, vez que o conciliador/mediador deve abster-se de decidir pelas partes, pois a decisão é somente delas, afastando ainda suas opiniões e seus desejos particulares em prol da compreensão das opiniões e dos interesses das partes (RODRIGUES JÚNIOR, 2007).
d) Flexibilidade e informalidade do processo: as partes, com o auxílio do conciliador/mediador, podem livremente estabelecer as regras e a dinâmica do processo autocompositivo, em razão da natureza do conflito e das características das partes, ressalvados, entretanto, certos princípios básicos. Diferentemente do processo judicial, que se caracteriza por sua rigidez de formas e atos, na conciliação e na mediação existe uma flexibilidade procedimental que favorece a cooperação e a adequação às necessidades e ao tempo de que dispõe os envolvidos, contribuindo para que os reais interesses das partes possam ser investigados e, ao final, atendidos.
e) Confidencialidade do processo: segundo Walsir Edson Rodrigues Júnior, “a confidencialidade é a garantia dada às partes envolvidas de que as informações, de qualquer natureza, passadas ao mediador não serão repassadas a terceiros alheios ao processo” (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 92). Esse princípio ético orienta para o dever de o conciliador/mediador guardar sigilo quanto às informações reveladas durante o processo autocompositivo. Sem a garantia da confidencialidade, poderia haver desconfiança das partes e o receio em revelar os aspectos relativos aos seus reais interesses e necessidades. Decorre desse princípio a vedação de o conciliador/mediador, após o insucesso do procedimento, atuar como juiz, árbitro ou advogado de qualquer uma das partes, uma vez que detém informações privilegiadas e sigilosas que não poderão ser utilizadas sem a autorização de ambas as partes envolvidas no conflito.

4.3 A conciliação/mediação e a desjudicialização das relações sociais
Consoante delineado no início deste texto, a judicialização das relações sociais pode ser caracterizada como um fenômeno de transferência do poder decisório das partes envolvidas em um conflito para juízes e Tribunais, com significativos deficits em termos de construção participada e negociada de soluções para os conflitos de interesses nos quais os cidadãos encontram-se envolvidos.

Como visto, a par da questão cultural, a excessiva judicialização das relações sociais decorre da falta de uma política pública de gerenciamento adequado dos conflitos de interesses, visto que prepondera no sistema judicial brasileiro a resolução adjudicada dos conflitos de interesses por meio de um sistema de via única marcado pelo processo contencioso.

Com o advento da Resolução nº 125/2010 do CNJ, passou-se a entender que compete ao Poder Judiciário organizar não somente os serviços prestados mediante os processos judiciais, mas também oferecer aos jurisdicionados outros mecanismos de resolução de conflitos, especialmente os consensuais, como a conciliação e a mediação, objetivando dar um tratamento mais adequado aos conflitos de interesses em razão de suas natureza e peculiaridade, evitando, com isso, a judicialização de toda e qualquer questão que seja submetida à resolução via Poder Judiciário.

Vale destacar que a mediação e a conciliação, enquanto procedimentos de natureza discursiva, propiciam as condições necessárias para que a decisão seja construída diretamente pelos seus destinatários. Destaca-se, ademais, que a autonomia é o princípio regente dos procedimentos mediacional e conciliatório. As partes são livres para decidir se querem ou não participar do procedimento, têm liberdade para estabelecerem as regras e a dinâmica do processo, e, ao final, são livres para pactuarem os termos da decisão que terão que suportar.

Dessa forma, as partes assumem a condição de autoras do provimento jurisdicional, recriando o Direito que será aplicado ao seu caso. Nessa condição, deixam de transferir o poder decisório que lhes pertence para os juízes representantes do Estado, reduzindo a excessiva judicialização das relações sociais ainda presente no modelo processual brasileiro.

De uma análise perfunctória acerca das causas da crescente escalada no número de processos judiciais no Brasil, pode-se constatar que o ambiente democrático pós Constituição de 1988 reavivou a cidadania, elevou o índice de consciência dos cidadãos quanto a seus direitos e alterou a relação da sociedade com o Poder Judiciário, que passou a ser visto como o desaguadouro natural das pretensões pela concretização de direitos.

Contudo, conforme preceitua Rosemiro Pereira Leal, a cidadania não se resume a uma condição de titular de direitos, pois a cidadania “[…] é um deliberado vínculo jurídico-político-constitucional que qualifica o indivíduo como condutor de decisões, construtor e reconstrutor do ordenamento jurídico da sociedade política a que se filiou” (LEAL, 2002, p. 151).

Assim, no Estado Democrático de Direito, torna-se imperiosa a assunção pelos cidadãos da responsabilidade pela condução e pela tomada de decisões, reconstruindo discursivamente o direito que espera ver aplicado ao seu caso.

A partir das premissas apresentadas anteriormente, cogita-se, neste breve ensaio, acerca da possibilidade de que a utilização sistemática, uniforme e qualitativa da conciliação e da mediação contribua para a desjudicialização das relações sociais, com consequente redução nos índices de litigiosidade e implementação da celeridade e da eficiência na solução dos processos judiciais.

Para tanto, torna-se imperiosa uma mudança de postura de todos os envolvidos nos procedimentos de resolução de conflitos para que se possa garantir a participação direta dos destinatários da decisão na construção discursiva da solução para o seu problema, considerando seus reais interesses e necessidades.

Ressalte-se, ainda, que a experiência com a mediação/conciliação revela que, quando as próprias partes livremente constroem a solução para seu conflito, saem do procedimento satisfeitas com o resultado final, deixam de interpor recursos que alongariam o término do processo judicial e, normalmente, cumprem espontaneamente o acordo que celebraram, evitando o reingresso no Judiciário para uma ação de execução/cumprimento de sentença.

Vale destacar, também, que as experiências vivenciadas com a utilização da mediação e da conci­liação em sede processual (incidental), ou antes mesmo do ajuizamento de uma ação judicial (conciliação e mediação pré-processuais), trouxeram significativas contribuições para a redução do exacerbado número de processos judiciais.

Ademais, com a implementação desses mecanismos consensuais de solução de conflitos, vislumbra-se uma real possibilidade de se abreviar a espera por uma decisão final (celeridade), reduzindo-se o número de ações executivas (efetividade) e, principalmente, imprimindo-se qualidade aos provimentos jurisdicionais, vez que as decisões são construídas democraticamente pelos próprios destinatários.

5. Conclusão
Do que foi exposto, pode-se aferir que muitos dos problemas pelos quais passa o Poder Judiciário, dentre os quais se destacam a morosidade e a inefetividade, decorrem, em parte, da excessiva judicialização das relações sociais e das deficiências de estrutura e pessoal, mas são acentuadas, também, pelo modelo de resolução de conflitos adotado, que incentiva a litigiosidade e a competitividade entre as partes e afasta a possibilidade de sua ampla participação na construção participada do provimento jurisdicional.

Nesse cenário, a conciliação e a mediação aparecem como uma possibilidade de tratamento mais adequado dos conflitos de interesse, oportunizando a participação direta das partes na construção da solução para o seu caso, incentivando a cooperação na investigação dos reais interesses por detrás do pedido deduzido em juízo, promovendo a satisfação das partes, a redução da conflituosidade, a harmonia e a paz social.

Ademais, em conformidade com o modelo processual democrático, a conciliação e a mediação cumprem as diretrizes paradigmáticas do Estado Democrático de Direito na reconstrução e na aplicação do Direito, uma vez que as partes gozam de autonomia na construção participada da decisão das quais são destinatárias, deixando de transferir o poder decisório para os juízes representantes do Estado, assumindo assim a condição de cidadãos na autoria de suas próprias decisões.

Portanto, com a utilização desses mecanismos consensuais, afigura-se possível reduzir a judicialização das relações sociais e edificar uma nova cultura na forma de gestão e resolução dos conflitos de interesses, mais participativa, emancipadora e pacificadora.

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