Cláusula de não-concorrência no contrato de trabalho

14 de fevereiro de 2013

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Certas empresas incluem nos contratos que firmam com o trabalhador cláusula que o proíbe de trabalhar no concorrente após a extinção do contrato de trabalho. Isso é válido? O art. 444 da CLT diz que qualquer acerto entre patrão e empregado é válido se não contrariar as leis de proteção do emprego, as normas coletivas e as decisões administrativas em matéria de trabalho. Particularmente, penso que uma cláusula como essa é inconstitucional porque colide com o art. 5º, XIII, da CF/88, que assegura a todos o exercício livre de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei exigir.

Diferentemente de países como Portugal e Espanha, o Brasil não tem lei regulando a matéria, mas o juiz pode aplicar a lei estrangeira por analogia (CLT, art. 8º). O art. 146 do Código de Trabalho português admite a validade da cláusula se a proibição não exceder dois anos, prorrogável por um ano se a função for de confiança. Exige que esse ajuste seja escrito e prevê uma compensação financeira para o empregado ao término do contrato de trabalho. O art. 21.2 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha também admite a cláusula, desde que se prove (1º) a efetiva existência de um interesse comercial do patrão a ser protegido; (2º) o período de abstenção não exceda 2 anos (para trabalhadores técnicos) e de 6 meses (para os trabalhadores em geral) e (3º) se pague ao trabalhador uma compensação econômica adequada, fixada livremente entre as partes.

De modo geral, a doutrina brasileira aceita a cláusula mas diz que o tempo de abstenção do trabalhador tem de ser “razoável” e expressamente delimitado. Além disso, a proibição deve estar circunscrita a certo espaço geográfico para que não inviabilize por completo o reemprego nem obrigue o trabalhador a se deslocar para lugar distante de sua residência. Também entre nós fala-se em “indenização razoável” para o empregado que se abstém compulsoriamente de trabalhar na concorrência, mas não há critérios objetivos para a fixação do valor.

Sempre que se discute cláusula de não-concorrência, fala-se no art. 482, “c”, da CLT. O equívoco é manifesto. O art. 482, “c”, da CLT, não trata disso. Ali está dito que constitui justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, por falta grave do empregado, a negociação habitual, sempre que (1º) não tiver sido autorizada pelo patrão; (2º) houver prejuízo ao serviço; ou (3º) caracterizar concorrência desleal com a empresa do patrão.

A fidúcia (confiança) entre patrão e empregado é a base ética do contrato de trabalho. Quando qualquer das partes quebra essa confiança, o contrato de trabalho se desfaz. É claro que o empregado não pode concorrer com o seu empregador enquanto o contrato de trabalho está em vigor. Na letra “c” do art. 482, normalmente invocado quando se examina a licitude da cláusula de não-concorrência, a falta estudada é a negociação habitual que não foi autorizada pelo patrão e prejudica o serviço ou concorre de modo desleal com a empresa onde o empregado trabalha. Ou seja: uma falta cometida enquanto o contrato de trabalho está em vigor. Mesmo assim, não é qualquer negociação habitual, mas somente aquela que constitua concorrência com a empresa do patrão ou seja prejudicial ao serviço. Se a negociação habitual não prejudica o serviço, ou não concorre com atividade do patrão, não há falta.

A expressão “negociação habitual“ está na lei em sentido amplo. Refere-se a qualquer atividade do empregado, e não apenas àquela ligada ao comércio, e pode ser praticada no local do serviço ou fora dele. É o caso, por exemplo, da empregada que, além do serviço habitual na empresa, faz manicura na vizinhança, revende lingeries, carnês, produtos de limpeza ou de toucador. Mesmo aquela atividade caritativa ou religiosa pode vir a caracterizar um tipo de negociação habitual se provados a falta de autorização do patrão e o prejuízo ao serviço. Se uma empregada presta serviço comunitário ou participa de atividades religiosas e usa o telefone da empresa do patrão para estabelecer os vínculos entre outros partícipes dessas atividades, marcar reuniões, discutir projetos, arrecadar alimentos, programar cultos, seminários ou retiros, por exemplo, e isso vier a comprometer a regularidade do serviço, pode configurar negociação habitual. O intuito de lucro não é elemento determinante. É imprescindível que haja nexo de causalidade entre a negociação habitual e o baixo rendimento no serviço. A lei fala em negociação habitual, e não em ato isolado. São três, enfim, os requisitos previstos na lei para a configuração dessa falta: 1º) falta de permissão do patrão; 2º) concorrência com a atividade do patrão; 3º) prejuízo ao serviço.

Quem admite a validade da cláusula de não-concorrência deve considerar que (1) é imprescindível fixar um prazo máximo para a proibição de que o empregado se reempregue na empresa concorrente, que pode ser de até dois anos, como está na lei estrangeira; (2) a cláusula de não-concorrência deve ser obrigatoriamente escrita; (3) a área geográfica em que o reemprego na concorrência é proibido deve ser expressamente definida e não pode inviabilizar totalmente a recolocação do empregado nem lhe impor custo excessivo com mudança de domicílio ou viagens; (4) deve ser assegurada ao trabalhador uma indenização compensatória, nunca inferior a 24 vezes o valor da maior remuneração recebida na empresa, acrescida de juros de mora e de correção monetária do período de inatividade compulsória.