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Células-Tronco Embrionárias e os questionamentos que interessam

30 de abril de 2008

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Foi-se o tempo em que a fecundação humana se dava por uma única forma. Agora já são dois os modos de se conceber o ser humano: um, natural, outro, artificial. Este último é que traz consigo a logomarca da novidade, por acontecer sem o conúbio ou relação sexual. Fora do corpo da mulher, então, por se tratar de fecundação processada em laboratório ou por efeito de processos científico-tecnológicos de procriação assistida.

Essa distinção é fundamental para um claro posicionamento sobre o tema da pesquisa científica a partir de células-tronco embrionárias.

Células que são extraídas de embriões humanos para o fim de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais (que são criaturas humanas em sentido biográfico, porquanto revestidas do atributo da personalidade civil). E o fato é que tais células-tronco se acham presentes em qualquer das duas modalidades de embrião.

Cogitando-se de embriões naturalmente eclodidos, as coisas se passam, simplificadamente, por esta forma: um impulso inicialmente subjetivo – a cópula entre pessoas de sexos diferentes – é seqüenciado por impulsos objetivos. Quais? Primeiramente, o do espermatozóide para penetrar no óvulo e a predisposição deste para “dar as boas-vindas” àquele, de sorte a alcançarem, juntos, o ponto de fusão que já é o desabrochar do zigoto. Zigoto, ou embrião, inicialmente constituído por uma única célula: célula-ovo ou célula-mãe, por ser a matriz de todas as 216 espécies de células do corpo humano. Dando-se em contínuo a possibilidade de ‘nidação’ dele, embrião, e o sobrevir das demais fases do processo de ‘hominização’; isto é, caminhada intra-uterina do feto (nome que passa a tomar o embrião) em direção a uma nova pessoa física ou natural. Daí o termo “nascituro”, a significar o estado de quem vai ou de quem pode nascer de u’a mulher.

Quanto ao zigoto ou embrião artificialmente produzido, aí não se tem aquele inicial e subjetivo impulso da relação sexual. Não há coito ou contato físico equivalente. Nenhum início de vida virginalmente nova acontece nem se desenvolve no interior do corpo feminino. Nem dele sai. O que sai desse corpo é um singelo óvulo. Assim como se dá com o próprio corpo masculino, pois o que se coleta do homem é um jorro de espermatozóides. Não um embrião, lógico.

Diga-se mais: esse tipo laboratorial de embrião, surgido por experimento em “Placa de Petri”, é forma de concepção que não se faz acompanhar da gravidez humana. O embrião está lá, numa placa, num tubo de ensaio, num pequeno cilindro de nitrogênio, num vidrinho congelado (“concepção in vitro”), mas não a nidação, não o útero, não o nascituro, não a gravidez. Repito: não a nidação, não o útero, não o nascituro, não a gravidez. Não há gestante. Menos ainda maternidade, se entendermos por maternidade esse arrebatamento amoroso que só as mulheres-mães ou em vias de sê-lo conseguem experimentar, porque da sua anímica parceria com a natureza e o próprio útero (entidade mágica à parte) é que se vai compondo a mais sublime das obras de arte deste planeta azul: um ser humano estalando de novo. Criatura verdadeiramente “insimilar” ou “irrepetível” em sua transbordante originalidade, seja qual for a dimensão em que se considere o tempo: presente, passado, futuro. Ninguém é igual a ninguém por toda a eternidade.

Pois bem, é somente para esse tipo de embrião in vitro que se dirige o discurso do art. 5o da Lei de Biossegurança. Unicamente ele, embrião congelado em vidrinho de laboratório, que não saiu de nenhuma mulher nem em mulher alguma vai entrar. Embrião que, produto da Ciência, para a Ciência mesma pode vir a ser disponibilizado. Contanto que seja inviável para a reprodução humana. Ou que, mesmo prestante para o fim de procriação, esteja congelado há pelo menos três anos, sem que o casal doador se disponha a transportá-lo para um útero feminino. Casal que ainda detém o exclusivo poder da autorização para o encarecido uso científico-terapêutico do zigoto que se produziu a partir da coleta do seu material genético (espermatozóide e óvulo). Tudo a ser complementado com a aprovação e o acompanhamento da pesquisa por comitês de bioética, vedado todo tipo de comercialização de embriões. Por isso que a Lei se auto-refere como de “Biossegurança”, e não de “Bioinsegurança” (lei federal no 11.105/05).

Agora é de se perguntar, obviamente: a vida humana começa por qualquer das duas modalidades de embrião? A resposta parece evidente: sim! Mas embrião de pessoa humana já é pessoa humana embrionária? A pessoa humana como individualidade cerebral, moral, espiritual, a se antecipar à metamorfose do embrião e do feto? Novo questionamento: a Constituição brasileira cuida do início da vida do homo sapiens, ou sobre o início da vida a Constituição “é de um silêncio de morte”? O Direito pode proteger por diferentes modos o produto dos dois tipos de concepção humana? Se o embrião eternamente in vitro empaca nos primeiros degraus do que seria o seu processo de ‘hominização’ sem a menor possibilidade de vir a ter as primeiras terminações nervosas que já significam o luminoso anúncio de que um cérebro humano dá sinais de formação?

Prossigo nos questionamentos: o empenho da natureza em prol do que seria uma nova criatura, tanto quanto o investimento do casal doador e mais ainda o da mulher (investimento físico-psicológico-sentimental), tudo não é compreensivelmente maior no embrião que irrompe e evolui por modo natural sem a mão de estranhos a forçar a objetiva penetração de um óvulo por um espermatozóide? Cuida-se de lei que autoriza a mais desalmada chacina de embriões, ou, bem ao contrário, que favorece o belo sentimento da fraternidade, em perfeita sintonia com os desígnios constitucionais de incremento da ciência e do progresso? Da autonomia científico-tecnológica do País em tema de saúde, alongamento e qualificação da vida humana? Da livre decisão dos casais quanto ao tamanho de suas famílias como expressão de criterioso planejamento e paternidade responsável?

Numa síntese, ser ou não ser usado para o fim de pesquisa científico-terapêutica, eis a questão que envolve um contingente de milhares de embriões já congelados em vidrinhos de laboratório e sem utilidade para fins reprodutivos. Tema que vai além do Direito para se tornar focado objeto das ciências médicas e biológicas, da filosofia, da ética, da antropologia e das confissões religiosas. Por isso que para uma justa resolução do impasse todos devam contribuir de alguma forma. Todos que se disponham a ver o mundo pelo inexcedível prisma da consciência, esse rebento que se parteja por efeito do amoroso matrimônio entre o pensar e o sentir. Afinal, bem disse William Shakespeare, “a transformação é uma porta que se abre por dentro”.