Campanha Sinal Vermelho, um ano de transformações

12 de julho de 2021

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

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Em junho de 2020, a pandemia de covid-19 se alastrava em todo o mundo. Não havia perspectivas para a vacinação das pessoas no prazo imediato e muitas famílias estavam obrigadas a conviver no mesmo espaço 24 horas por dia, em razão do isolamento social. Essa nova realidade fez aflorar problemas antigos e que demandavam uma pronta resposta por parte das autoridades.

Entre os episódios de maior gravidade, está a intensificação da violência contra as mulheres, que, tendo de passar muito tempo ao lado dos agressores por imposição da quarentena, logo começaram a sofrer mais ameaças, lesões corporais e até feminicídios – uma marca triste para um País que há décadas luta para superar a desigualdade.

Em 2019, o Brasil contabilizou 1.326 assassinatos de mulheres em função de sua condição de gênero – índice 7,9% superior ao de 2018. O mais absurdo é que, em quase 90% dos casos, o companheiro ou ex-companheiro da vítima foi o responsável pelo delito. Os números são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A partir de março de 2020, quando o novo coronavírus se espalhou por várias nações, houve uma deterioração do quadro. Para se ter uma ideia, só no Estado de São Paulo, no primeiro semestre do ano passado, o aumento das ocorrências de feminicídio chegou a 32% na comparação com igual período do ano anterior.

Diante dessa situação desastrosa, tivemos de nos mobilizar para tomar atitudes que pudessem não apenas salvar as mulheres do jugo dos criminosos, como, também, criar condições institucionais para uma prestação de socorro célere e efetiva.

Com esse espírito, criamos a “Campanha Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”, cujo propósito é proporcionar às mulheres um mecanismo de denúncia discreto e silencioso. Para tanto, basta que elas se dirijam a farmácias e exibam aos balconistas um “x” vermelho desenhado na palma da mão para que estes chamem a polícia imediatamente.

Com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) firmou parceria com mais de dez mil farmácias de todas as regiões. De lá para cá, inúmeras mulheres foram salvas por esse simples gesto de sinalizar com um “x” vermelho na palma da mão as violências sofridas cotidianamente.

E a prática acabou suplantando o espaço físico das farmácias. Uma mulher que viajava com o marido em um caminhão na condição de cárcere privado foi salva pela Polícia Rodoviária Federal depois de postar nas redes sociais uma foto da própria mão com o “x” vermelho. Outra valeu-se de expediente semelhante para denunciar o agressor dentro de uma agência bancária: ela inseriu o “x” em um bilhete e entregou ao atendente. 

Esses são exemplos bem-sucedidos. No entanto, percebemos que somente as ações de conscientização não são suficientes. São indispensáveis também mudanças nas legislações do país para que o enfrentamento à discriminação de gênero encontre barreiras efetivas. Por esse motivo, temos rodado o vários Estados em conversas com deputados e governadores com o intuito de aperfeiçoar os marcos jurídicos vigentes.

E os resultados grassam a olhos vistos. Hoje, a Campanha Sinal Vermelho, mais do que uma ação da sociedade civil organizada em colaboração com o Poder Público, é uma lei em vigor em dez estados – Acre, Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia e Sergipe – além do Distrito Federal. Em diversas outras unidades da federação, a iniciativa avança na forma de projeto de lei, com grandes chances de ser aprovada.

Trabalhamos, ainda, pela aprovação no Senado Federal de um conjunto de alterações que têm o objetivo de enfrentar a violência contra a mulher. Denominada “Pacote Basta!”, a proposição foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 02 de junho. Por meio dela, a “Campanha Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica” será institucionalizada em âmbito nacional, com efetivos ganhos para o combate a esse tipo de crime.

A mudança é inadiável. As vítimas de violência doméstica não podem esperar. Precisamos reunir esforços e convencer os parlamentares da urgência da medida; do contrário, muitas mulheres terão a vida ceifada por não encontrarem vias para pedir a ajuda necessária. E o grito de dor delas ecoará eternamente nos nossos ouvidos. Não podemos nos omitir.