Edição 181
Breves considerações sobre a “PEC da Bengala”, o STF e a regulamentação de sua eficácia no âmbito da magistratura estadual
16 de setembro de 2015
Otávio de Abreu Portes Desembargador do TJMG
Como é de notório conhecimento, o Congresso Nacional promulgou, em 7 de maio de 2015, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 457/2005, pejorativamente apelidada de “PEC da Bengala”, pela qual foram alterados o artigo 40 da Constituição Federal de 1988 e o artigo 100 do Ato das Disposições Constituicionais Transitórias (ADCT), de forma que elastecida a idade de aposentadoria compulsória para membros de Tribunais Superiores e também do Tribunal de Contas da União (TCU), passando de 70 anos de idade para 75 anos de idade.
Ainda como cediço, referida Emenda Constitucional cominou a terminação da regulagem de sua eficácia à Lei Complementar com relação aos demais servidores públicos, que não os ali expressamente indicados.
Diante de tal cenário fático, desembargadores membros de tribunais estaduais impetraram ações autônomas no escopo de obter, em seu favor, extensão de eficácia análoga àquela positivada em favor dos membros dos Tribunais Superiores e do TCU, tendo sido registrado o deferimento de liminares, a fim de possibilitar a manutenção deles em seus respectivos cargos, em caráter cautelar.
Nesse ínterim, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) impetrou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 5.316, com pedido de tutela cautelar, de início pertinente somente ao apelidado recall (nova sabatina) a que teriam de se submeterem os ministros que atingissem os 70 anos de idade, já que da emenda se extraía interpretação no sentido de que esta formalidade (nova sabatina) seria elemento condicionante da eficácia da norma, ou seja, como antecedente necessário à permanência do magistrado no cargo após completar os 70 anos de idade.
Antes que fosse analisada a medida cautelar em questão, a petição inicial da referida ADI foi aditada no sentido de que fosse também dada interpretação conforme a Constituição aos dispositivos constitucionais modificados pela Emenda, de sorte que conferida orientação acerca da necessidade de Lei Complementar de iniciativa do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), com relação à magistratura (Lei Orgânica da Magistratura Naciona – Loman), disciplinando a questão para os demais integrantes da magistratura nacional.
De forma inusitada e surpreendente, o STF, em 21 de maio de 2015, acolheu integralmente a pretensão cautelar, chamando-nos atenção especialmente com relação ao capítulo pertinente à interpretação conforme pretendida pela entidade propositura da ADI, entendendo que a extensão da eficácia da Emenda, com relação aos demais membros do Judiciário, estaria a depender de Lei Complementar, sendo esta de sua própria iniciativa (no caso, a Loman), e mais, ainda tratou de revogar todos os provimentos jurisdicionais que encerrassem a manutenção de desembargadores estaduais nos seus respectivos cargos após completarem 70 anos de idade.
O STF, ao assim fazê-lo, abandonou, salvo melhor juízo, sua função precípua de legislador negativo para atuar com autêntico legislador positivo, vale dizer, criando espécie de norma proibitiva, de forma velada, para que os demais integrantes do Poder Judiciário nacional possam pelo menos intentar o direito que julgam pertinente em face da Jurisdição pátria, vulnerando, de forma evidente, o princípio da inafastabilidade contido no artigo 5o, inciso XXXV, da Constituição de 1988.
Ora, o próprio STF, em outras oportunidades, já se pronunciou no sentido da unidade e do caráter nacional da magistratura nacional, de sorte que não nos parece lídimo nem justo que se estabeleçam critérios distintos de aposentadoria para membros de uma mesma carreira, sequer hipoteticamente.
Queremos concluir, então, que nada justifica o aguardo de norma complementar futura que, caso observe a razoabilidade e os precitados caracteres uno e nacional da magistratura, bravamente defendidos pelo próprio STF e por este egrégio Conselho, há de vir tão somente para chancelar o que todos sabemos: a idade de 75 anos como termo etário limite para todos aqueles em exercício da função judicante.
Com efeito, é compreensível que Lei Complementar estabeleça idade diversa de aposentadoria compulsória para outras carreiras e outros tipos de servidores públicos (limpeza, educação, segurança, saúde etc., obviamente de acordo com as peculiaridades de cada função), ou critérios de aposentadoria especial, mas de certo que futuramente não há de se fazer ou aplicar critério diverso para os membros da magistratura estadual, que, em última análise, exercem exatamente a mesma função intelectual, jurídica e social, dos integrantes dos Tribunais Superiores e do TCU.
O próprio STF, coincidentemente com o mesmo Ministro Luiz Fux, relator da ADI alhures mencionada, já desconsiderou recentemente a ausência de norma regulamentadora para deferir liminar na Ação Originária no 1.773 ajuizada pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe), concedendo o pagamento de auxílio-moradia aos membros desta carreira, exatamente em razão de seus caracteres uno e nacional, entendendo-se, naquela ocasião, pela existência de insustentável tratamento diferenciado entre ministros, magistrados e membros do Ministério Público que, em determinadas unidades da Federação, já recebiam dita parcela indenizatória.
Vale registrar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em janeiro presente, diante da Lei Federal que elevou o salário dos ministros do STF de R$ 29,4 mil para R$ 33,7 mil em 2015, autorizou os Tribunais de Justiça estaduais a concederem imediato aumento salarial para os seus desembargadores e juízes sem necessidade de enviar um projeto de Lei às respectivas Assembleias Legislativas para aprová-lo, exatamente porque a providência regulamentadora seria óbvia e automática, visando à proteção dos magistrados e ao caráter uno e nacional da magistratura.
Naquela primeira oportunidade, o Procurador-Geral da República afirmou, em seu parecer, que, verbis:
[…] nada justifica que apenas os ministros percebam o auxílio-moradia e não os juízes de primeiro e segundo graus, uma vez que a base normativa desse direito é absolutamente a mesma. […] nada justifica que uma dessas carreiras [Ministério Público e Magistratura] tenha vantagens ou prerrogativas inferiores à outra.” (g.n.)
É, mutatis mutandi, o que ocorre no caso. O STF, ao julgar a medida cautelar postulada na ADI em questão, veio a sinalizar no sentido da possibilidade do estabelecimento de critério diverso de aposentadoria (temporal, no caso), para membros de uma mesmíssima carreira, o que se mostra inconcebível, venia concessa.
Que se diga, o cenário atual, após o deferimento da medida cautelar pelo STF, não autoriza sequer que os magistrados estaduais busquem seus direitos, já que o Excelso Pretório, de forma nunca antes vista, tecnicamente indeferiu por antecipação todos os pleitos liminares nesse sentido, revogou os que já haviam sido proferidos, mas concentrou em suas mãos a legitimidade para regulamentar, segundo o próprio critério de oportunidade e conveniência, se e quando vai normatizar a questão para os demais membros da magistratura, colocando a questão além da vontade política do Estado, o que não parece ter sido a vontade do legislador constitucional, que, aliás, recentemente, se mobilizou para apressar a votação da Emenda em questão.
Vale registrar a imensa economia aos cofres estatais caso a eficácia da PEC no 457/2005 seja conferida da forma como pensada originariamente pelo legislador. Vale dizer: ao se possibilitar a manutenção do magistrado por mais tempo no cargo, o Estado é onerado apenas uma vez com a remuneração deste, e não duplamente, em caso de sua aposentadoria, já que, nesta hipótese, o Poder Público fica obrigado a remunerar aquele que deixa o cargo e também aquele que o assume.
Com a crise nacional tomando proporções inimagináveis, cite-se o exemplo deste Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), em que, no último concurso de provimento para o cargo de Juiz, findo o certame, simplesmente não há verba estatal suficiente para nomear e empossar quase uma centena de novos juízes aprovados. Ou seja, como o Estado poderá prover, a um só tempo, o ingresso de novos magistrados da carreira e, de forma concomitante, a vagas dos desembargadores aposentados? O benefício econômico do que ora afirmamos é grande e imediato, mormente se considerarmos também as outras unidades da Federação.
Causa estranheza, ainda, que uma ADI que a toda evidência veiculava uma questão de interesse dos próprios ministros do STF (livramento de nova sabatina pelo Senado Federal quando atingissem os 70 anos de idade), tenha sido aditada às pressas para incluir questão que tangencia questão de evidente interesse dos juízes de primeiro grau.
À guisa de conclusão, quaisquer que tenham sido os interesses dominantes conformadores do cenário jurídico acima exposto, pontuamos que a experiência e o relevante valor da função judicante exercida pelos desembargadores não pode ser tratada de forma disforme perante os demais membros da mesma carreira, sob pena de intolerável tratamento desigual, sem que haja elemento justificador que condicione tal diferenciação.
É antiga a rusga dos magistrados de primeiro grau contra a majoração do teto limite de permanência no cargo, já que não lhes é interessante que os desembargadores nele permaneçam até os 75 anos de idade, eis que isso, obviamente, atrasa a abertura de novas vagas nos tribunais. O argumento comumente utilizado é sempre no sentido de que a aposentadoria “oxigena” as instâncias recursais com julgadores mais novos, desprezando e ignorando o fato de que os julgadores antigos – além de mais experientes – também podem se atualizar e exercer a atividade judicante de forma satisfatória para a sociedade.