Breves comentários sobre o custo da judicialização

4 de dezembro de 2020

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O excesso de litigiosidade é fenômeno que vem aumentando de forma vertiginosa com o passar dos anos.

Isto tem ocorrido apesar de reformas processuais constantes que visaram, em suma, determinar regras para que a parte possa postular em juízo, buscar a ampliação de precedentes nos tribunais estaduais e federais, a criação de condições para admissibilidade de recursos e a constante formulação de estratégias para melhorar a prestação jurisdicional seja em âmbito local ou por iniciativa do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De acordo com o relatório Justiça em Números 2020 disponibilizado pelo CNJ em seu sítio eletrônico, a Justiça brasileira possuía, em dezembro de 2019, o excepcional número de 77,1 milhões de processos em tramitação.

Isso faz com que, mesmo existente o direito, a demora para decisão de determinada lide frente ao número narrado gera a consequência, muita das vezes, que se perca a real efetivação da garantia supostamente existente.

Assim, mesmo considerando a existência de um direito fundamental à efetiva prestação jurisdicional do Estado, ao buscar concretizar o acesso à Justiça por meio da apresentação de sua demanda ao Poder Judiciário, o cidadão encontra uma justiça de alto custo com a efetividade questionável (DOS SANTOS, 2014).

Com o advento do novo Código de Processo Civil ressaltou-se de forma clara que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha decisão de mérito efetiva em tempo razoável.

Passou-se também a valorizar as partes como detentoras de poder colaborador a fim de que, melhorando a participação de todos no processo como um todo, possa se desenvolver políticas públicas como fator primordial para a solução do excesso de processos trazidos ao Judiciário anualmente.

Com isso, o papel do Judiciário tem evoluído para torná-lo mais ativo quanto à recepção de novas responsabilidades nesta nova transformação social pela qual todo o ordenamento jurídico tem passado no presente século.

Neste sentido, mister se faz destacar a importância da produtividade e da eficácia nas políticas públicas, vez que assim é possível mensurar a extensão no aumento do gasto público orçamentário que se reverterá em mais serviços para a própria população (SCHWENGBER, 2006).

Uma ideia importante seria, mediante o apoio dos setores que mensuram os números do Poder Judiciário, delimitar quais são os maiores litigantes presentes em todos os tribunais e, com isso, criar sistemas aptos a diminuírem as demandas apresentadas.

Pode-se citar a titulo de exemplo que, realizada esta delimitação, possa o tribunal local ou até mesmo os tribunais superiores buscarem formas de solução de conflitos por meio de métodos que podem se dar por autocomposição entre as partes ou heterocomposição (com a participação de terceiros interessados, tal como a mediação, a conciliação e a arbitragem).

A criação de mutirões de conciliação locais, a constituição de setores em cada órgão do Judiciário no intuito somente de promover a solução de conflitos por mediação ou conciliação, podendo este ser inclusive demandado por pedido das próprias partes e não somente quando assim entender o órgão julgador, podem ser iniciativas que promovam esse desiderato.

Quanto às demandas advindas da administração pública (seja federal, estadual ou municipal), que se constituiu em um dos dez maiores litigantes do País, de acordo com relatório produzido no ano de 2012 (100 maiores litigantes), disponível no sítio do CNJ, também traz tônica relevante acerca da discussão.

Isso porque, em regra, a administração pública detém as aptidões necessárias para a análise e consequentemente formulação de decisões acerca do mérito administrativo em diversos ramos.

Considerando-se que grande parte dos processos que adentram o Poder Judiciário poderiam ser resolvidos pelo próprio órgão administrativo que deu origem ao litígio, caso assim fossem apresentados, a redução de processos a serem apresentados anualmente ao Judiciário cairia de forma exponencial.

E por que não o fazer, ou melhor, incentivar sua realização? Basta apenas recordar que possuímos diversas normas tratando de procedimentos administrativos e a forma de melhor aplicar o direito no que tange ao mérito administrativo a cargo do próprio ente da administração que o criou, que, além de saber pormenorizadamente os meandros do real intuito de aplicação da norma, possui capacidade técnica para tanto.

A título de exemplo, podemos citar interessante reportagem veiculada no site do CNJ no ano de 2011 acerca das agências reguladoras, entidades que fazem parte da administração pública indireta que, de um total de 83 mil processos que tramitam ou já tramitaram na Justiça envolvendo as agências reguladoras, desde a década de 1990, quando estes órgãos foram criados, 38,6 mil questionavam decisões administrativas das agências reguladoras.

Considerando as argumentações expostas, tem-se que o afogamento do Judiciário com diversas demandas que poderiam ser resolvidas na esfera administrativa traz ineficiência à prestação do serviço e, consequentemente, o ajuizamento de ações com ausente interesse de agir, visto que sequer anteriormente tuteladas pelos entes a que se sujeitam na administração direta ou indireta.

Se todos os direitos fundamentais contidos em nossa Carta Magna devem ter sua aplicação efetivada através da proteção do Poder Judiciário, obviamente cabe primeiramente ao Poder Executivo a incumbência de concretizar os respectivos princípios expostos por meio de políticas públicas.

Nestes termos, caminho diverso surge para tentar ao menos diminuir essa excessiva juridicização, qual seja, utilizar-se da colaboração entre os poderes, vez que todos possuem o dever de assegurar e garantir o disposto na Constituição Federal, destacando-se que o próprio controle judicial é delimitado na separação de poderes.

Em contexto argumentativo similar, perante um dos temas mais tormentosos do direito administrativo, a França frente a tais demandas acabou por entender pela viabilidade de separar as funções típicas de Estado das que poderiam se submeter ao Judiciário, criando órgãos específicos para controle da administração pública, justificando-se pela garantia da celeridade frente à especialização do órgão judicante e uma maior percepção da jurisdição administrativa às exigências existentes na administração (FACHIN, 2017).

Com isso, ocorreu a bipartição da jurisdição francesa como também proposta de recurso para otimizar a prestação jurisdicional.

Vê-se assim que diversas propostas e soluções podem advir do debate acerca do excesso de judicialização, criando ou aproveitando experiências aptas a desconstituir a sobrecarga de diversas demandas presentes no Poder Judiciário atual.

Considerando que o Direito possui relação intrínseca com a Economia, devem ser avaliados os impactos de qualquer das hipóteses apresentadas no decorrer deste texto aos agentes econômicos e, a fim de verificar maneiras diversas de otimizar os custos do Poder Judiciário frente à diminuição de demandas apresentadas a cada ano facilmente passíveis de resolução por outros meios.

Com tudo isso, espera-se traçar parâmetros iniciais para futuras discussões com real intuito de melhoria e efetividade da prestação jurisdicional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS____________________

CARVALHO, Luíza de. Agências reguladoras são parte em 83 mil processos na Justiça Federal. Agência CNJ de Notícias, 11/04/2011. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/agencias-reguladoras-sao-parte-em-83-mil-processos-na-justica-federal/. Acesso em 10/11/2020.

DOS SANTOS, K. G. “O acesso à Justiça no Brasil: Perspectivas de contenção da litigiosidade e o problema da abstrativização da prestação jurisdicional”. [s. l.], 2014. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=edsbas&AN=edsbas.78B2BE9&lang=pt-br&site=eds-live. Acesso em 10/11/2020.

FACHIN, L.E. e MACHADO FILHO, R.D. “Estado Democrático de Direito, controle judicial e uma administração pública complexa: breves reflexões. In: WALD, A., JUSTEN FILHO, M. e PEREIRA, C.A.G. “O direito administrativo na atualidade: estudos em homenagem ao centenário de Hely Lopes Meirelles (1917-2017)”. São Paulo: Malheiros, 2017.

SCHWENGBER, S. B. e SAMPAIO, M. da C. Mensurando a eficiência no sistema judiciário: métodos paramétricos e não-paramétricos, 2006. [S. l.: s. n.]. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=cat07149a&AN=buin.939184&lang=pt-br&site=eds-live. Acesso em 10/11/2020.