Edição 294
Bernardo Cabral, 70 anos de advocacia
3 de fevereiro de 2025
Sergio Tostes Advogado e membro da COMCI/TJERJ

No dia 23 de agosto de 1972, tomei posse como membro de nosso querido Instituto dos Advogados Brasileiros, na mesma sessão ordinária em que José Bernardo Cabral também ingressou na Casa. Fomos recebidos honrosamente pelo grande advogado José Ribeiro de Castro Filho, que havia sido presidente do IAB no biênio 1966/1968.
Posteriormente, Ribeiro de Castro foi presidente da Seccional da Guanabara e do Conselho Federal da OAB. É o único advogado que presidiu as três entidades: IAB, Conselho Seccional (Guanabara) e Conselho Federal da OAB. Ele foi um baluarte na luta contra a ditadura militar instaurada em 1964. Saiu em defesa dos advogados perseguidos pelo regime e liderou os primeiros movimentos contra o endurecimento político no país.
Sua atuação objetiva iniciou o posicionamento da OAB como líder da sociedade civil contra o autoritarismo. O IAB e a Ordem devem fazer o reconhecimento do papel histórico que esse grande patriota desempenhou ao lado de Sobral Pinto. Foi uma honra para mim e Bernardo Cabral sermos recebidos por ele no Instituto. Na especialíssima noite de 18 de dezembro de 2024, reassumi a tribuna do IAB, sempre com muita honra, para fazer a saudação a Bernardo Cabral por seus 70 anos de advocacia.
A homenagem foi o reconhecimento do IAB à brilhante trajetória profissional e política do grande jurisconsulto Bernardo Cabral. Relator-geral da Assembleia Nacional Constituinte, ajudou a entregar ao país massacrado por 21 anos de ditadura militar a Carta Cidadã, promulgada em 1988, em proteção à democracia e aos direitos políticos. A respeito deste grande feito cívico, Bernardo Cabral afirmou: “nenhuma outra Constituição do mundo tem garantias para a cidadania como a nossa”.
Recentemente, nosso homenageado foi consagrado ao ser colocado no mesmo patamar de Rui Barbosa, Teixeira de Freitas, Levi Carneiro, Sobral Pinto e outros luminares na obra intitulada Os juristas que formaram o Brasil. O livro foi organizado pelo advogado, escritor e nosso consócio José Roberto de Castro Neves.
Bernardo Cabral nasceu em Manaus, em 1932. Estudou dos 11 aos 17 anos no Colégio Estadual do Amazonas. Em 1950, ele ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas. Naquele mesmo ano, começou a trabalhar no jornal A Crítica. Inicialmente, como revisor; mais tarde, como redator. Em 1954, com o diploma de direito debaixo do braço, largou o jornalismo, fez especialização em Processo Civil na Universidade Católica Portuguesa e se lançou na carreira jurídica.
Aprovado em concurso público, Bernardo Cabral atuou como promotor substituto na comarca de Itacoatiara (AM), por somente dois anos (1955 e 1956), pois decidiu retornar à advocacia. Logo depois, já como advogado, ocupou os cargos de chefe de polícia do estado do Amazonas, secretário do Interior e da Justiça e chefe da Casa Civil no governo de Gilberto Mestrinho, nos anos de 1959 e 1960.
Bernardo Cabral ingressou na política em 1962, quando se tornou o deputado estadual mais votado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi líder da legenda no parlamento e presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Entre 1964 e 1965 foi também conselheiro seccional da OAB do Amazonas. Com o golpe militar de 1964, que resultou posteriormente no Ato Institucional no 2, em 1965, na extinção dos partidos políticos e na criação do bipartidarismo, Bernardo Cabral foi um dos fundadores do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime.
Em 1966, foi eleito deputado federal pelo MDB. Em depoimento prestado muitos anos depois ao Centro de Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que produziu a pesquisa Memória da Constituinte (1987/1988), Bernardo Cabral relembrou o triste período da história política brasileira durante a ditadura militar.
Ele contou: “Cheguei à Câmara dos Deputados na mesma legislatura que Mário Covas. Éramos uma turma de jovens, todos ao redor dos 30 anos. O Covas era quatro anos mais velho do que eu, e nós o elegemos líder da oposição. Quinze dias depois, fiz um discurso violento contra a internacionalização da Amazônia. Isso me aproximou mais ainda do Covas, que me escolheu para ser o vice-líder do partido”.
Em 1967, o Comitê de Imprensa da Câmara relacionou Bernardo Cabral entre os 10 melhores parlamentares do ano. Naquele mesmo depoimento dado à universidade, ele rememorou o momento, em fevereiro de 1969, em que, por força do Ato Institucional no 5, teve o mandato cassado e perdeu os direitos políticos pelo período de 10 anos.
Ele narrou assim: “o Covas me chamou para ser o primeiro a defender o mandato do Márcio Moreira Alves. Fui à tribuna, discursei e, como se sabe, fomos todos cassados. Minha cassação aconteceu quando eu estava no Rio de Janeiro, durante o recesso do Congresso Nacional. E como o estatuto feito pelos militares proibia que o parlamentar saísse do local onde estava no momento da cassação, eu comecei a advogar no Rio”.
Bernardo Cabral entrou para o IAB em 1972 e, logo depois, se tornou orador oficial da Casa. Em 1973, foi eleito conselheiro da OAB da Guanabara. Com a fusão dos estados do Rio e da Guanabara, em 1974, virou conselheiro federal da OAB pelo Amazonas. Em 1976, no Congresso da OAB realizado em Manaus, saiu consagrado. No evento, pela primeira vez foi vocalizada a premência de uma Assembleia Nacional Constituinte. Em 1977, na mesma eleição em que Eduardo Seabra Fagundes se tornou presidente da Ordem, Bernardo Cabral concorreu em chapa avulsa ao cargo de secretário-geral, por ele ocupado quando ocorreu o atentado que vitimou Dona Lyda Monteiro.
No pleito seguinte, Bernardo Cabral foi eleito presidente da Ordem no dia 1o de abril de 1981, derrotando naquela memorável disputa o advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, nosso saudoso consócio que foi procurador-geral da República e posteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal.
No depoimento, Bernardo Cabral ressaltou: “na verdade, nossas bandeiras eram quase as mesmas. Apesar de eu ter sido cassado e Pertence ter sido aposentado compulsoriamente do Ministério Público do Distrito Federal pela ditadura, não inserimos nenhum cunho político-partidário na Ordem: era a parte profissional que nos interessava”.
À frente da Ordem, Bernardo Cabral defendeu o aprimoramento do ensino jurídico e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Em sua presidência, o Conselho Pleno da OAB decidiu, por unanimidade, lutar pela revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN).
Foi também em sua gestão que explodiu a bomba no Riocentro. No mesmo testemunho à Universidade Mackenzie, Bernardo Cabral afirmou: “foi um momento muito difícil, e acho que quem pegou a pior parte fui eu. Com a bomba do Riocentro, tive que fazer declarações dizendo que o inquérito era uma palhaçada. As ameaças de morte que sofri foram muito grandes. Nunca fiz média com isso; eu tenho horror de quem faz oba-oba com assunto sério”.
Em 1986, Bernardo Cabral se elegeu deputado federal pelo Amazonas. No ano seguinte, foi escolhido relator-geral da nova Constituição Federal, vencendo na disputa pelo cargo dois candidatos de peso do MDB: o senador Fernando Henrique Cardoso e o deputado Pimenta da Veiga. Em 1988, representou a Câmara dos Deputados junto à ONU. No mesmo ano, o advogado já consagrado como jurista, parlamentar e membro da Academia Amazonense de Letras publicou o livro O Poder Constituinte, fonte legítima, soberania, liberdade.
Em janeiro de 1990, assumiu o Ministério da Justiça na gestão do presidente Fernando Collor de Mello. Em 1994, chegou ao Senado Federal, eleito com 275.652 votos, tornando-se o senador mais votado do Amazonas em toda a história.
Presidente nacional da Ordem, 70 anos de advocacia, relator-geral da Assembleia Nacional Constituinte, ministro da Justiça, deputado, senador e, principalmente, defensor incansável e exemplar da democracia. Não é por acaso que no ensaio assinado por Beto Simonetti, atual presidente do Conselho Federal da OAB, para o livro Os juristas que formaram o Brasil, o bâtonnier o classificou como “grande mestre não somente da advocacia, mas de toda a nação brasileira”.
Casado com Zuleide, sua fiel companheira de anos de caminhada, Bernardo Cabral, por onde passa, é conhecido por todo mundo em razão de sua impecável trajetória de vida. Seu filho Júlio Cabral, por seus próprios méritos, foi deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Pai e avô extremado de quatro netos, Bernardo é exemplo de cidadão brasileiro e homem do mundo.
Conteúdo relacionado:
https://editorajc.com.br/2025/cocaina-criminalizada-interesses-geopoliticos-e-economicos/
https://editorajc.com.br/2025/governabilidade-e-emendas-impositivas/