Atuação dos Juízes em Prol do Meio Ambiente

11 de julho de 2011

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(Artigo originalmente publicado na edição 92, 03/2008)
 
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi elevado a nível constitucional (art. 225, caput, da CF), isto é, como direito fundamental do homem, com natureza de bem de uso comum do povo, indispensável à sadia qualidade de vida, incumbida a obrigação de promover sua defesa e preservação em benefício das gerações atuais e das supervenientes ao Poder Público e à coletividade. Trata-se de direito inserido no âmbito dos direitos sociais de terceira geração, com caráter de direito intergeracional.
 
De outro vórtice, o texto constitucional garante o direito de acesso à Justiça, sendo vedado à lei retirar do Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5o, XXXV, da CF), a dizer, assim, que qualquer dano ambiental já ocorrido, ou perigo de dano desse jaez, não pode ser subtraído da apreciação judicial.
 
Ressalte-se que os direitos fundamentais do homem, dentre os quais o direito ao ambiente em harmonia do ponto de vista ecológico, estão assentados em diversos princípios, afora o fato de a República Federativa do Brasil caracterizar-se como Estado de Direito Democrático, que, de seu turno, possui como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1o, III e IV, da CF), e como um de seus objetivos assegurar o desenvolvimento nacional de forma sustentável (art. 170, VI, da CF), tanto que, nas relações jurídicas internacionais, comprometeu-se a dar primazia aos direitos humanos (art. 4o, II, da CF).
 
Outrossim, tendo natureza jurídica de direito fundamental, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado configura cláusula pétrea da Lei Suprema, a respeito da qual não se admite qualquer deliberação de proposta de emenda constitucional com o objetivo de a suprimir (art. 60, § 4o, IV, da CF).
 
Nosso arcabouço jurídico está conformado de sorte a impor a todas as pessoas, tanto físicas quanto jurídicas – e, portanto, também a todas as funções de Estado, v. g., aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário –, a tutela ao meio ambiente.
 
Ao poder público recai a relevante missão de garantir, efetivamente, o direito ao ambiente ecologicamente adequado, mediante determinadas tarefas, que – desnecessário dizer – necessitam ser bem desempenhadas (art. 225, § 1o, incisos I a VII, da CF), em prol do entorno e dos seres humanos.
 
No que diz respeito ao Judiciário, avulta o seu papel na proteção do meio ambiente, em especial nas demandas aforadas com tal finalidade, para realização da postulada Justiça, em cada caso concreto. Na verdade, busca-se nessas causas a concretização da tão almejada Justiça Ambiental.
 
É certo que os magistrados, no exercício da judicatura, devem estar imbuídos da necessária imparcialidade – um de seus traços mais marcantes – na aplicação da norma jurídica às hipóteses do mundo fenomênico para a solução das controvérsias. A ação judicial é proposta pelas partes e, a partir disso, o impulso passa a ser oficial (art. 2o do CPC), até final julgamento, segundo a livre convicção do juiz (art. 131 do CPC).
 
Entretanto, anteriormente pensava-se que a realização da Justiça operava-se mecanicamente, i. e., simplesmente fazendo recair as regras jurídicas sobre os fatos por meio das decisões judiciais, sem se importar com o resultado justo ou injusto para as partes envolvidas e para a comunidade.
 
Diversamente, nos dias que correm, para que a tutela ambiental realmente atinja sua efetividade, o juiz deve envidar todos os esforços possíveis para o desiderato para o qual é vocacionado, sem que possa, jamais, escusar-se de tal encargo, qual seja, o de estabelecer o acertamento das relações jurídicas ambientais conflituosas, quanto ao entorno e às pessoas, de forma célere e com menores custos, adotadas, para tanto, medidas de cunho preferencialmente preventivo, a fim de se evitarem danos; e, se isso não for possível, valendo-se de medidas repressivas e/ou reparatórias, estas últimas, no rumo de recompor o meio ambiente da maneira mais próxima ao status quo ante.
 
O Judiciário, não raramente, é chamado a resolver situações de perigo de dano ambiental ou de dano já ocorrido, que não foram previstas de forma específica na legislação de regência, podendo exsurgir hipóteses de lacuna ou de obscuridade. Ante essas situações, compete-lhe decidir as questões, utilizados os diversos instrumentos existentes, para lograr a completa integração do ordenamento jurídico, sempre com o escopo de aplicar a Justiça ambientalmente mais adequada às suas finalidades.
 
Não se há de olvidar que o Judiciário não se pode escusar de entregar a prestação jurisdicional, quando instado a fazê-lo, ainda que o Legislativo não tenha editado a norma cabível na espécie. Deverá o magistrado, então, fazer uso dos mecanismos de integração do ordenamento jurídico como a analogia, os bons costumes e os princípios gerais de direito (art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 126 do CPC). Cuidará, ademais, para que sejam atingidos os fins sociais e o bem-estar social (art. 5o da LICC).
No que concerne à sociedade, para que o meio ambiente seja tutelado por todos, é necessário também o aprimo-ramento da educação ambiental que propicie resultados concretos, mediante profunda alteração da conduta das pessoas, considerada a problemática em comento.
 
Semelhantemente, o Judiciário precisa ter às mãos instrumentos processuais modernos para a composição das questões ambientais que lhes são postas, de forma a dar rapidez e efetividade às providências reclamadas.
 
Nesse diapasão, impende que seja dada estrita observância ao inciso LXXVIII, inserto no art. 5o da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 45, de 08/12/2004, que instituiu o princípio da razoabilidade da duração do processo ao conferir a todos os meios que assegurem a celeridade de sua tramitação, judicial e administrativamente.
 
A prerrogativa de “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” e o princípio supramencionado constam, às expressas, do art. 20 da Constituição da República Portuguesa, de 1976, que confere a todas as pessoas acesso ao Direito e aos Tribunais, para a defesa de seus interesses legalmente protegidos, e possibilita que sejam suas causas decididas em prazo razoável, por meio de processo eqüitativo. Ademais, assevera que, para a defesa dos direitos, liberdades e garantias, a lei oferece procedimentos judiciais marcados pela celeridade e prioridade, de sorte a se alcançar tutela caracterizada pela efetividade e expedida em tempo útil contra ameaça ou lesão a direitos (art. 20, no5, da CRP).
 
J. J. Gomes Canotilho preleciona a respeito do “tempo justo” ou “duração justa” dos procedimentos administrativos ambientalmente relevantes – o que se aplica, mutatis mutandis também aos judiciais –, que é tormentosa a questão da “temporalidade procedimental” no direito público do ambiente, hodiernamente. A agilização dos procedimentos ambientais enfrenta obstáculos, a exemplo dos aspectos financeiros dos empreendedores, a necessidade de observância das regras constitucionais e infraconstitucionais, etc. Assim, é necessária a análise da problemática sob várias perspectivas, a saber: econômica, i. e., o ambiente não pode obstar uma eficiente ordem econômica; ecológica, com vistas à auto-sustentabilidade do sistema ecológico, e sociológica, uma vez que a ponderação dos interesses nos procedimentos ambientais deve atentar para a paz social e a solução das controvérsias. Estes e outros temas de igual relevo levam à consideração de que a demora na solução da controvérsia pode ter influência no ritmo das atividades econômicas.
 
Para além disso, refletindo sobre o tempo justo do procedimento ambiental, não convém desprezar o fato de que a lentidão em excesso pode conduzir a danos e riscos ambientais.
 
Por isso, os princípios da prevenção e da precaução, em se tratando de meio ambiente, devem, sempre, nortear o julgador (assim como o administrador público) nos procedimentos judiciais e administrativos. E, para que tal se dê, as medidas necessárias devem ser tomadas e executadas em um tempo que possa ser tido como ambientalmente justo.
 
De se aludir, ainda, ao art. 8o, I, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, firmada em San José, Costa Rica, em 22/11/1969, em vigor desde 1978 – à qual aderiu o Brasil –, que reza que todos têm direito de ser ouvidos, com garantias necessárias e em prazo razoável, por um magistrado ou tribunal competente, independente e imparcial, criado por lei, para se defender de acusação criminal, ou para fixação de seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de outra ordem. Registre-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do sistema regional dos Estados americanos signatários.
 
Nas ações judiciais ambientais, os magistrados devem ser mais atuantes, mormente no que se refere à instrução processual e à determinação de realização de provas e sua respectiva análise, inclusive com a inversão do ônus da prova, se cabível (art. 6o do CDC), proferindo medidas de urgência específicas para cada situação concretizada, via efetiva execução. Tomem-se como exemplos as medidas liminares, as tutelas antecipadas, as tutelas específicas das obrigações, com providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do cumprimento das respectivas obrigações, nos termos do Código de Processo Civil (arts. 273 e 461), da Lei da Ação Civil Pública (arts. 4o e 12) e do Código de Defesa do Consumidor (arts. 83 e 84).
 
Os membros do Judiciário também são cidadãos que podem e devem ter uma significativa participação nas decisões das políticas públicas ambientais de seu país.
 
É imperioso, ademais, que os magistrados não só componham o litígio ambiental, muitas vezes em confronto com outros direitos fundamentais, como também atuem no sentido de propiciar a melhoria do ordenamento jurídico pátrio, de maneira a prevenir o surgimento de novos conflitos de igual ou maior magnitude.
 
E para bem cumprir essa tarefa, os juízes necessitam adequada formação jurídica, relativamente à problemática ambiental, a ser haurida por todos os meios ao seu alcance. Como exemplo, mencione-se o papel sobremaneira importante que as Escolas de Magistrados podem desempenhar para a capacitação dos julgadores e dos servidores públicos, por meio de seminários, debates, aulas ministradas por professores de Direito Ambiental (e de outros ramos do Direito e de matérias interdisciplinares), divulgação de legislação, doutrina e jurisprudência, etc.
 
Cabe assinalar que a orientação perfilhada pelos juízes nas ações ambientais está lastreada no seu poder cautelar, mas isto requer bom senso, observado o devido processo legal. Ademais, o julgamento deve ter, ainda, uma função pedagógica, de modo que as decisões judiciais contenham ensinamentos sobre a necessidade da defesa e da preservação ambiental.
 
No que toca à interpretação e aplicação das regras jurídicas ambientais, há a possibilidade de se perquirir, em determinadas situações, se não haveria um certo viés político no exercício da função jurisdicional, especialmente quanto ao princípio do desenvolvimento econômico e social sustentável. Independentemente desse aspecto, no processo decisório, o juiz não pode, jamais, esquecer-se de que o manejo dos recursos naturais renováveis deve-se dar com a preservação do meio ambiente, em benefício da presente e das gerações porvindouras.
 
Outros princípios constitucionais têm pertinência na interpretação das regras ambientais, vale dizer, aqueles que embasam o Estado de Direito Democrático (da dignidade da pessoa humana, art. 1o, III, da CF), assim como os que cuidam dos fins do Estado, como o da promoção do bem comum (art. 3o, IV, da CF).
 
Já para o bem comum, têm vez os princípios gerais da atividade econômica, com o fito de assegurar a todas as pessoas vida digna, consoante normas da justiça social. Desse modo, a propriedade há de cumprir sua função socioambiental, ou seja, com a defesa do meio ambiente (art. 170, incisos II, III e VI, da CF). De conseguinte, o direito de propriedade, tanto o inerente à urbana quanto o relativo à rural, deve ser exercido em conformidade com as regras ambientais (arts. 182, 184 e 186, II, da CF).
 
Sublinhem-se, ainda, outros princípios importantes que precisam ser levados em consideração pelos juízes nas decisões judiciais: o da variável ambiental nos processos de decisão de políticas públicas desenvolvimentistas; o do poluidor-pagador; os da prevenção e precaução; o da participação da comunidade; o da solidariedade e o da cooperação entre os povos; o da informação, etc.
 
A sociedade faz do Judiciário o grande depositário de suas angústias e anseios no que tange à solução dos conflitos ambientais. Este é um dos motivos pelos quais vêm sendo ampliados os instrumentos processuais que dão maior acessibilidade à mencionada função de Estado para se obter a postulada tutela ambiental, que necessita ocorrer em tempo razoável, a fim de que tenha utilidade e, em síntese, efetividade.
 
Pode-se afirmar, portanto, que não só a sociedade, de forma geral, mas também, pontualmente, todos os operadores do Direito, mormente os juízes – atuando de forma mais ativa –, devem empenhar os seus melhores esforços para que a tutela do meio ambiente seja plenamente concretizada, de forma a propiciar que os seres humanos, atuais e futuros, vivam, e com sadia qualidade de vida, em um meio ambiente equilibrado, onde possam se desenvolver individual e coletivamente, com a dignidade que merecem, no âmbito do Estado de Direito Democrático, logrando, diante disto, alcançar a verdadeira Justiça Ambiental.
 

 
Vera Lucia R. S. Jucovsky
Desembargadora Federal do TRF 3a Região