Edição

Aspectos econômicos e sociais da integração de mercados

5 de novembro de 2001

Compartilhe:

O processo de integração econômica por que passa o Brasil da atualidade está inserido em um outro movimento mais amplo, o da globalização. Não se trata de um fenômeno propriamente novo. Com efeito, o sistema de economia de mercado carrega dentro de si uma tendência natural de expansão. Ao longo dos anos 80 e 90, entretanto, esse processo adquiriu uma nova dinâmica.

As barreiras ao comércio e à movimentação de capitais foram paulatinamente reduzidas, o que gerou um aumento importante do fluxo de bens e de capitais entre os países do mundo.

A balança comercial do Brasil, por exemplo, evoluiu de 52 bilhões de dólares em 1990 para 110,7 bilhões de dólares em 2000.

O processo de integração de mercados teve conseqüências substanciais na economia. Cresceu a utilização de barreiras não tarifárias como forma de proteção comercial, com a instituição de leis antidumping, e o oferecimento de subsídios às exportações e à produção doméstica, principalmente por parte dos países desenvolvidos.

Isto aprofundou desequilíbrios nos fluxos de comércio entre as economias desenvolvidas e as emergentes. O resultado foi um aumento relativamente pequeno das oportunidades de exportação dos produtos dos países emergentes para os mercados das economias desenvolvidas, se comparado ao crescimento do fluxo de capitais, tanto de longo quanto de curto prazo. Os investimentos diretos também aumentaram substancialmente.

Ressalte-se que a associação entre o menor acesso aos mercados de países desenvolvidos, por parte dos produtores dos países emergentes, em relação ao maior fluxo de capitais, tornou suas economias vulneráveis às crises financeiras internacionais.

Essa vulnerabilidade aumentou a instabilidade nas economias emergentes, principalmente aquelas com baixas taxas de poupanças e relativamente dependentes dos fluxos de capitais para financiar seu investimento com o Brasil.

O processo de integração acelerou, ademais, a velocidade na absorção de novas tecnologias por parte das economias emergentes, que têm relativamente poucos recursos para investir em pesquisa e desenvolvimento, com expressivos ganhos de produtividade do trabalho. A busca incessante por mais produtividade tem sérias repercussões no mercado de trabalho.

As empresas, especialmente nos últimos 20 anos, vêm passando por processos de adaptação de seu quadro funcional aos imperativos da competitividade, em decorrência da integração de mercados e da globalização das operações comerciais. A implementação de iniciativas de especialização e de reengenharia, alteração radical ou substituição de produtos e métodos por parte das empresas, tornam-se uma questão de sobrevivência. Com efeito, o mundo do trabalho tem sofrido rápidas e radicais transformações com a automação, a robótica e a telemática invadindo o universo industrial. Trata-se de um processo de substituição de paradigmas na concepção da estrutura produtiva que se acentua a partir da década de 80.

Acrescente a automação da produção, processo que se acelerou a partir do início da década de 70 resultou na redução da importância do setor secundário da economia como empregador de mão-de-obra. A atividade industrial, maior gerador de empregos na década de 70, perdeu essa posição para o setor de serviços, nas décadas de 80 e 90. Em 1992 o setor terciário e a indústria da transformação respondiam, respectivamente por 71,6% e 19,8% da ocupação não-agrícola, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a PNAD, do IBGE. Em 1998, o setor terciário abrigava 73,7% da ocupação não-agrícola e mais da metade da população ocupada do país, enquanto o setor secundário reduziu sua participação para 17,9%.

Com efeito, o maior acesso a novas tecnologias, em um contexto de rápidas mudanças tecnológicas, teve o efeito de aumentar o descasamento entre a estrutura da oferta de qualificação da mão-de-obra existente nos países emergentes e a estrutura da demanda por qualificação por parte das empresas. As características dessas novas tecnologias, intensivas em tecnologia da informação, exigem uma nova organização do trabalho, menos rígida e mais descentralizada. Mais ainda, essas tecnologias tendem a reduzir o emprego assalariado e aumentar.

Essas tendências, de maneira associada, resultaram no aumento na taxa de desemprego e do tempo de procura por ocupação, gerando também mais instabilidade do emprego, o que termina por prejudicar alguns grupos de trabalhadores, especialmente nos países emergentes.

Para além dessas mudanças deve-se também considerar aquelas de caráter demográfico. O envelhecimento da população brasileira se revela por meio da inversão da pirâmide etária. Segundo o censo de 1970 realizado pelo IBGE havia 53% da população com idade abaixo de 19 anos. Esse percentual recuou para 39,3% no ano 2000. O percentual para o grupo populacional de 30 a 49 anos nesses mesmos marcos temporais, evoluiu de 20,2% para 27,3%. Fica também evidenciada uma sensível melhora na expectativa de vida do brasileiro, que era de 52,6 anos em 1970 e em 1991 atingiu 66 anos.

A tendência de informalização das relações de trabalho, associada com o envelhecimento da população, cria sérios problemas de financiamento da previdência Social nos países emergentes.  Isso fica refletido na dificuldade de equilibrar o orçamento do setor público, gerando assim uma permanente tendência ao desequilíbrio de suas contas.

Nesse contexto, uma parte considerável do orçamento público tem que ser deslocado para a Previdência Social. No caso do Brasil, essa parte corresponde a 10% do PIB, ou 1/3 do orçamento, reduzindo os recursos, que poderiam ser destinados a outros programas sociais importantes. Os benefícios dos ganhos de produtividade e do crescimento acabam, assim, concentrados em um grupo relativamente pequeno de pessoas o que, em muitos países emergentes, gerou aumento da concentração da renda e da pobreza.

No caso do Brasil, tem havido uma melhor focalização do gasto social, principalmente na área da educação e da qualificação profissional. Na atualidade, cerca de 93% de nossas crianças entre 7 e 14 anos estão na escola. No que conserne a qualificação, desde 1996 foram qualificados aproximadamente 11,1 milhões de trabalhadores. No quadriênio de 2000 -2003, o objetivo é qualificar 20 milhões de trabalhadores. Estas iniciativas associadas a uma política de estabilidade de preços e ao conjunto de reformas econômicas já implementadas ou em andamento contrabalançou, até o momento, estas tendências à concentração e ao aumento da pobreza. A prova disso está nos dados da PNAD, do IBGE: entre 1990 e 1999 os 50% mais pobres da população brasileira tiveram um ganho de renda real de 5% ao ano em média, enquanto a renda real média dos 10% mais ricos permaneceu constante ao longo desta década.

Dentro desse contexto, é papel do estado cuidar para que o processo de integração de mercados resulte em ganhos para o país. É necessário então prosseguir com os esforços no sentido de eliminar as barreiras não tarifárias dos países desenvolvidos, permitindo assim um maior acesso a esses mercados pelos produtores brasileiros, principalmente nos setores agrícola e do agribusiness, bem como outros em que o país tenha vantagens comparativas.

Estas negociações podem ser realizadas no contexto da formação de blocos de livre comércio seja com os Estados Unidos, por meio da ALCA, seja com a União Européia. Isso resultaria em um aumento do fluxo de comércio dos países emergentes como o Brasil para os países desenvolvidos, reduzindo a vulnerabilidade das economias em desenvolvimento a crises financeiras internacionais.

Reformar as legislações nacionais também é importante, principalmente aquelas que regulam o mercado de trabalho, a previdência social e o mercado de capitais. Isso gera ganhos de produtividade e aumento de poupança interna, liberando assim uma parte maior do orçamento público para o financiamento de políticas sociais voltadas para a redução da pobreza.

Embora sejam eloqüentes os progressos na área da educação, parece inquestionável que se deve aumentar o investimento em educação, especialmente para as populações de menor renda. Simultaneamente, é necessário intensificar os esforços no sentido de aumentar a qualificação profissional dos trabalhadores, principalmente aqueles deslocados pelas novas tecnologias.

Ademais de todas essas iniciativas, convém ressaltar a necessidade de continuar aperfeiçoando a rede de proteção social às pessoas de menor renda, naturalmente mais expostas as vicissitudes das crises econômicas e financeiras geradas pela dinâmica do processo de integração, dentro do contexto de desequilíbrio no relacionamento entre economias emergentes e desenvolvidas.

O processo de integração de mercados certamente é um processo inexorável. Não se pode, entretanto, assumir um posicionamento passivo frente a esse fenômeno. Suas conseqüências são por demais importantes para a esfera social. Felizmente, em uma medida considerável, as iniciativas de que o país necessita para otimizar as oportunidades produzidas pela integração de mercados já estão sendo implementadas desde 1994.

Se não resta dúvida que a integração de mercados gera crescimento econômico, esse processo não leva necessariamente a mais desenvolvimento social. Há, portanto, que se converter a dinâmica da integração de mercados em promoção do bem comum. Com efeito, o crescimento econômico só é legítimo quando gera desenvolvimento e inclusão social.