Edição 14
As Instituições financeiras para efeitos criminais
5 de abril de 2001
Carlos Augusto Tosta de Oliveira Lima Advogado em São Paulo
Sebastião de Oliveira Lima Desembargador do TRF da 3ª Região
Ao criar o Conselho Monetário Nacional e transformar a então existente Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) no Banco Central do Brasil, a Lei nº 4595, de 31/12/1964, assim definiu a instituição financeira:
“Art. 17 – Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
§ único – para os efeitos desta Lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.”
A lei definiu, pois, não apenas as instituições financeiras propriamente ditas (caput do artigo) como também as que lhes são equiparadas (parágrafo único) e estendeu as suas disposições e disciplinas, no que fossem aplicáveis, às bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, sociedades que efetuem distribuição de prêmios imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio e de títulos de sua emissão ou por qualquer forma e pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando, nos mercados financeiros e de capitais, operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras (artigo 18, parágrafo primeiro). Temos assim, além das instituições financeiras propriamente ditas e das que lhe são equiparadas, prevista no artigo 17, mais as instituições que, embora não abrangidas por aquele conceito legal, a elas se aplicam as disposições e disciplinas do aludido diploma legal.
É, assim, de enorme amplitude a noção do que se deva entender, para os fins legais, por instituição financeira. Em seu trabalho intitulado “As Instituições Financeiras no Direito Pátrio”, o professor de Direito Civil do Centro Universitário de Brasília e ex-procurador da área administrativa e criminal do Banco Central do Brasil, Leonardo Henrique Mundin Moraes Oliveira, esclarece que os órgãos governamentais que cuidam do Sistema Financeiro Nacional entendem que, para que se conceitue como instituição financeira, deve a pessoa jurídica ou física satisfazer concomitantemente os seguintes requisitos: a) coleta, intermediação e aplicação de recursos; b) ter fim lucrativo; c) apresentar uma habitualidade mínima e, d) ter caráter público a oferta de recursos (Revista Cidadania e Justiça nº 8, p.213). A coleta e a intermediação dizem respeito a recursos financeiros de terceiros, sendo que coletar significa arrecadar e intermediar significa repassar a outrem os recursos arrecadados. A aplicação, que tanto pode ser de recursos próprios ou alheios, significa emprestar, dar destinação ao numerário existente. O fim lucrativo é o inerente a qualquer espécie de aplicação feita por instituição financeira, pois é justamente desse lucro que ela pagará a remuneração do dinheiro arrecadado de terceiros e arcará com suas despesas administrativas. A habitualidade mínima, de difícil conceituação pois tem natureza essencialmente subjetiva, significa que a instituição financeira ou a ela equiparada precisa praticar qualquer dos atos que lhe são próprios por mais de uma vez. Não se equipara a instituição financeira, por exemplo, a pessoa física que emprestar dinheiro a um amigo em uma ocasião que este dele precisar, ainda que tal empréstimo seja remunerado. Finalmente, o caráter público exige que a atividade da instituição financeira seja geral, divulgada, conhecida, não bastando que dela tenha conhecimento apenas determinada pessoa. Faltou, contudo, nessa relação, uma atividade que, sozinha, pode substituir o requisito mencionado na letra “a” supra, já que a custódia de valor de propriedade de terceiros pode estar no lugar de coleta, intermediação e aplicação de recursos financeiros. Custodiar significa guardar, proteger.
Esse conceito amplo de instituição financeira serve de sustentáculo para alguns delitos constantes da lei 4595/64, se bem que em número bastante restrito. Assim, são previstos os crimes de concessão de empréstimos ou adiantamentos, pela instituição financeira, a seus diretores e membros dos conselhos consultivo ou administrativo, fiscais e semelhantes, bem como aos respectivos cônjuges (artigo 34, inciso I), o de quebra de sigilo das operações ativas e passivas e serviços prestados por aquelas instituições (artigo 38, parágrafo sétimo) e a atuação, como instituição financeira, de qualquer pessoa física ou jurídica, sem que esteja devidamente autorizada pelo Banco Central do Brasil (artigo 44, parágrafo sétimo).
Entretanto, ao definir os crimes contra o sistema financeiro nacional, a Lei nº 7.492, de 16/06/1986 limitou, a nosso ver, o conceito de instituição financeira. Confira-se:
“Art. 1º – Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão e distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
§ único – Equipara-se à instituição financeira:
I – A pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recursos de terceiros;
II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.”
De um modo geral, os conceitos são muito semelhantes, vez que ambas as leis, em sua quase totalidade, apenas utilizam-se de palavras sinônimas. Assinalem-se alguns exemplos. A Lei 4595/64 fala em coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros, enquanto a Lei 7492/86 refere-se a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros. Ora, coleta e captação de recursos financeiros significam a mesma coisa. Da mesma forma que o primeiro dos aludidos diplomas legais fala em companhias de seguro e de capitalização, enquanto que o segundo menciona a pessoa jurídica que capte ou administre seguros ou capitalização, conceitos esses que se equivalem. Outros exemplos poderiam ser aqui mencionados.
A grande diferença existente entre ambas é que a Lei nº 4595/64 inclui, no conceito de instituição financeira, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, enquanto a Lei nº 7492/86 limita, para efeitos penais, a prática daqueles atos apenas no que diz respeito aos recursos de terceiros. Essa diferença gera enormes conseqüências, como ver-se-á oportunamente.