As famílias, o STF e os Direitos das crianças e dos homossexuais

31 de julho de 2011

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A família é tão importante para qualquer pessoa e para a sociedade que ganhou o jargão de célula máter da sociedade. Os religiosos dizem que Deus a criou, os não religiosos poderão dizer que foi formada por razões sociogenéticas. Não importa a razão do seu surgimento, sabe-se que certamente não foi um legislador que a criou, seja de origem absolutista, democrática ou mesmo teocrática. A família existe por conta de uma força centrípeta que une as pessoas por um vínculo genético, afetivo, ou por questões sociais, mas tem padrões socialmente estabelecidos.

Embora a família não seja criada por um legislador, este expressa a vontade do povo em um país democrático. Isso é um ônus da democracia. Claro que em um país livre não haverá unanimidade. Liberdade de pensamento não combina com unanimidade. Contudo, a nossa Constituição democrática foi muito clara ao afirmar, logo em seu artigo primeiro, que todo poder emana do povo. Para ler qualquer dos demais, deve-se conhecer claramente esse fundamento basilar da democracia. Quem representa essa vontade, na elaboração das leis, é o Poder Legislativo. Quanto menos divisão de poder existe, mais absolutista é esse Estado e, naturalmente, menos democrático.

A Constituição não se estabelece por uma única opinião, mas pela vontade popular, mesmo que esta seja difusa e multifacetada em seus interesses.  Ao se sagrar o texto constitucional, o legislador teve o cuidado de estabelecer um procedimento reformador que fosse mais difícil do que os demais procedimentos de alterações de outras normas do ordenamento jurídico pátrio. Afinal, trata-se da Carta Magna. Não pode ser facilmente alterada, nem mesmo pelo Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de alterá-la, seguindo o difícil trâmite nela previsto, sob pena de perder a credibilidade como lei maior.

Os homossexuais reclamam o desejo de dar legitimidade às suas relações de convivência para que tenham status de relação familiar. Afinal, um cidadão é livre para morar com quem quiser, dispor do seu patrimônio da forma que quiser e construir a sua relação afetiva com quem quiser. Não há lei que impeça isso. Até do ponto de vista das religiões judaico-cristãs, maioria no Brasil, há o direito ao livre-arbítrio, livre escolha. A lei de Deus assemelha-se ao Código Penal em pelo menos um aspecto: ela mostra o que é errado e suas consequências, mas não coloca amarras impeditivas para que a pessoa não faça o que ela prescreve como contrário aos seus princípios. Seguir uma religião e seus preceitos é uma escolha, como o celibato. Não há como ser celibatário sem cumprir os requisitos para tal. Ninguém é obrigado a ser, mas quem é tem que cumprir as regras estabelecidas.

Por outro lado, o Estado não tem que impor leis que estejam alinhadas com o que é pecado nas religiões, mas o legislador deve respeitar a vontade popular, a cultura e todas as influências que formam o pensamento da sociedade. Uma das razões pelas quais o legislador tem mandato fixo é esta: se legislar contra o interesse do povo, poderá não ser reeleito. Nesse contexto, o Congresso Nacional encontra-se debatendo temas relevantes e polêmicos que deverão ser votados na pauta estabelecida pelo interesse popular. O Congresso existe para isso: legislar gerindo de forma equilibrada os interesses da sociedade.  Afinal, e a Lei de Deus defendida por religiosos? Segue-a quem quiser, quem nela crê. O julgamento futuro que ela prevê só existe na mente de quem crê. A quem não crê, o futuro dirá de que forma será impactado.

Não pode ficar de fora do debate o fato de que as formas de família existentes na sociedade não foram estabelecidas por leis, mas por situações fáticas. A lei chegou depois, para ampará-las. Por outro lado, o STF, ao reconhecer a união estável entre homossexuais, deu legitimidade a uma relação de apenas duas pessoas. Como a relação homossexual é naturalmente estéril, não me parece razoável e sensato incluir um menor nessa família apenas para enquadrá-la em estereótipos. Com o menor, o julgamento é outro; prevalece o seu supremo interesse que, seguramente, não é o financeiro.

Se a adoção pender pela necessidade de atendimento do interesse de homossexuais, é porque está se invertendo a lógica do direito do menor. Destaco o óbvio por não parecer mais tão claro o que é óbvio nesse debate. Desde o surgimento da humanidade, em toda a natureza, os seres humanos, e quase todos os seres vivos do reino animal, conhecem uma relação familiar com presença masculina e feminina. Quando não existe um dos pais, pela morte ou por outra razão, certamente há a compensação com a imagem do pai ou da mãe no imaginário, projetada em outras pessoas. É uma exceção.

Não parece definitivamente óbvio que pessoas do mesmo sexo, com relação afetiva, possam ser as mais indicadas para criarem uma criança como se fossem dois pais ou duas mães. Se isso é conservador, é porque quando se trata de riscos, especialmente para incapazes, o conservadorismo parece ser o melhor caminho. Do contrário, podemos estar escolhendo cobaias para uma experiência.  A proteção do menor não pode ser arma de ativismo ou mesmo de autoafirmação perante a sociedade. Caso pudessem retroceder, será que os cidadãos, em sua maioria, gostariam de ser objeto de uma experiência de criação de filhos, nesse modelo de família?

Alguém pode afirmar que é melhor um menor ser adotado por homossexuais que vivem juntos do que passar fome na rua ou sofrer em uma instituição destinada a menores infratores. Esse tipo de adoção seria a única solução para esses casos? Não haveria outra maneira de homossexuais caridosos ajudarem menores carentes? Com relação a isso, há instituições sérias que cuidam de crianças e adolescentes e podem ser custeadas por qualquer cidadão, homo ou heterossexual. Não há que se usarem os modelos malsucedidos de instituições, ou as mazelas sociais, para justificar a adoção por homossexuais nesses casos. Pessoas homo ou heterossexuais não vão facilmente adotar um delinquente que pode estar sendo maltratado em uma instituição pública destinada a menores infratores. Como, então, usar essas instituições como exemplo para justificar essa forma de adoção?

O trabalho bem-sucedido de cuidar de menor, com dignidade, é feito em instituições sem fins lucrativos, em sua maioria, religiosas. Por outro lado, terá se esgotado a capacidade de adoção pelas famílias, no modelo tradicional, de tal maneira que se justifique lançar mão de outra alternativa? Qualquer pessoa caridosa pode ajudar um carente, ou uma instituição beneficente, a cuidar de menores, sem necessariamente adotá-los. Portanto, alguém alegar que só investirá recursos na formação e criação de um menor se este for por si adotado, não parece uma adoção altruísta em que o supremo interesse do menor esteja sendo prestigiado.

Se esse argumento for conservador e, eventualmente, o Congresso Nacional também for, deve ser respeitado. A lei não pode ser mais progressista ou conservadora do que a sociedade queira. Deve estar sintonizada com a vontade de quem a Constituição democrática conferiu ser fonte de todo o poder. Esse é o ônus da democracia. Se o Congresso demora a decidir, a demora é uma escolha. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário têm suas demoras, mas não têm legitimidade para agir no que for atribuição do outro. Um poder constituído não pode interferir no tempo do outro, pois isso fere a independência e a harmonia entre os poderes.

Contudo, o STF decidiu e alterou o que previa o artigo 226 da Constituição Federal.  Nesse aspecto, a união estável reconhecida por decisão do STF pode ter reconhecido a união entre pessoas do mesmo sexo para fins de direitos e obrigações entre elas. Ou será que estamos prestes a criar um modelo familiar por disposição legal, ao qual a sociedade terá de se adaptar por força de lei, diferente daquele que naturalmente se constituiu na sociedade? Da mesma forma que, sem previsão legal, havia homossexuais que viviam juntos, há famílias que criam crianças não adotadas formalmente. Se for investigada essa situação, dentre as famílias que entregaram seus filhos para outras pessoas os criarem, quantas confiaram a criação de suas crianças a parceiros homossexuais?

Se a sociedade teme pela incerteza dos resultados dessa adoção, esse temor deve vir expresso na lei e, em homenagem ao Estado Democrático de Direito, deve ser respeitado. Isso em nada afeta o direito de homossexuais, que devem ser tratados com respeito em sua vida privada, como qualquer cidadão. Contudo, se isso se tornar razão de confronto com a decisão do Congresso Nacional, eventualmente contrário a essa adoção, passa a ser um ativismo em que o menor pode estar sendo eleito como a pedra que falta para a família homossexual ser construída de forma mais parecida com a heterossexual. Nessa discussão, o direito do menor pode estar passando longe, e o interesse supremo em discussão pode estar sendo o dos homossexuais, e não o da criança.