Aposentadoria integral para juízes é justa

30 de setembro de 2010

Henrique Nelson Calandra Membro do Conselho Editorial e Desembargador do TJSP

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Os juízes, ao longo da carreira, possuem uma vida produtiva diferente dos demais trabalhadores brasileiros, porque ela se alonga em regra até os 70 anos, depois de contribuírem em media 45 anos. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, a média de idade de aposentadoria dos desembargadores, nos últimos cinco anos, foi de 68 anos.
Diante das especificidades daqueles que respondem pela aplicação do Direito e pelo ônus dela decorrente, o ordenamento jurídico brasileiro, desde o início da República, previu uma série de garantias constitucionais aos Magistrados, como a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, para assegurar o efetivo exercício de seu cargo, acima de qualquer paixão ou interesse.
A integralidade dos proventos dos juízes, na ativa e na aposentadoria, constitui garantia típica da carreira e um suporte para a independência da prática judicante. Certamente, o reflexo dessa redução de proventos não se faz sentir apenas individualmente pelo Magistrado, mas tem um efeito danoso na esfera do coletivo. Portanto, o restabelecimento da aposentadoria integral para juízes, prevista pela PEC 46, é uma medida constitucional e justa, que repara um equívoco do Legislador, que a aboliu durante a reforma da Previdência.
Dos magistrados, enquanto carreira típica de Estado, são exigidos rigores e privações para seu cumprimento que não se compara às demais. Devem residir em diferentes comarcas, dedicar-se exclusivamente ao exercício jurisdicional, não podem ter atividade político-partidária, assim como expressar livremente suas opiniões, e devem apresentar conduta ilibada, dentro e fora da Corte. Para bem exercer sua missão, necessitam que suas prerrogativas sejam respeitadas como forma de proteger a autonomia e a independência do Poder Judiciário.
Por isso, ao analisar uma questão previdenciária, um Juiz não pode ficar pesando se sua decisão terá reflexos sobre o seu futuro e o de sua família; porque a sentença que prolatar não deve alimentar preocupações e precisa ser autônoma, livre de influências ou pressões de qualquer natureza.
Assim sendo, a irredutibilidade remuneratória dos Magistrados é um meio pelo qual o Legislador assegura a preservação, manutenção, estabilidade e segurança institucional,
alicerçada entre o Estado e os agentes públicos, da qual o povo é o beneficiário. No caso dos juízes, a garantia da irredutibilidade remuneratória está vinculada à proteção da dignidade e independência no desempenho de suas funções.
O efeito da redução da remuneração tem um impacto negativo sobre a distribuição da Justiça. Muitos Juízes, antes da aposentadoria, poderiam ser atraídos para outras funções e cargos para os quais estão altamente preparados, defasando ainda mais o Poder Judiciário, e outros sequer ingressarão em nossos quadros.
A Suprema Corte Americana, em julgamento realizado há duas décadas, foi categórica ao reconhecer que a irredutibilidade dos proventos da Magistratura está assegurando mais do que o direito do Juiz; preserva as garantias dos jurisdicionados por meio da efetividade das funções jurisdicionais, a despeito da ação ou omissão dos Poderes Executivo e Legislativo. No caso brasileiro, não há qualquer óbice legal à retomada do benefício da integralidade dos vencimentos de aposentadorias para os Juízes, por ser
inquestionavelmente constitucional.
Os magistrados exercem função judicante de grande responsabilidade e sob constante pressão, necessitando ver asseguradas as garantias constitucionais da independência e da irredutibilidade de proventos para que a carreira não sofra qualquer tipo de perda de prestígio, o que poderia afetar a segurança institucional.
Na verdade, o grande rombo da Previdência não se encontra na concessão de benefícios à Magistratura ou aos servidores públicos. Os números não mentem jamais, mas a sua colocação no campo político e ideológico pode levar a um verdadeiro equívoco. O grande rombo da Previdência decorre da inclusão no seu orçamento, de benefícios que deveriam estar localizados em outro ponto do orçamento geral da União. Pois só podem ser aquinhoados com um benefício previdenciário, aquele que contribuiu para esse fim.
No Brasil, a redenção previdenciária de mais de 30 milhões de trabalhadores do campo foi feita em uma penada só, sem nenhuma base contributiva, trazendo para o orçamento da Previdência a benesse constitucional desacompanhada dos recursos para cobrir o déficit que ela criou. Assim, o quadro não corresponde à realidade daqueles que são contribuintes cativos do sistema.
O Magistrado do século 21, ao ingressar na carreira, se vê como integrante da única categoria de servidores que paga contribuição previdenciária sobre a totalidade do subsídio, o que não ocorre em nenhuma outra classe de trabalhadores, e que após 45 anos de contribuições obtém apenas os proventos da aposentadoria iguais ao teto previdenciário. Portanto, reclamamos justiça para os juízes e a aprovação da Emenda Constitucional 46, apresentada no Senado, a pedido das Associações Estaduais de Magistrados, que pretendem imprimir novos rumos ao debate institucional.