Edição 206
Alternativas para credores e devedores – III Seminário de Direito das Empresas em Dificuldades discute necessárias atualizações na Lei de Recuperação e Falência
20 de outubro de 2017

No contexto das atuais crises política e econômica, a discussão sobre eventuais atualizações na Lei no 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação e Falência, dominou os debates do III Seminário de Direito das Empresas em Dificuldades. Realizado pela Comissão Especial de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência da OAB-RJ, em 29 de setembro, no auditório do Ministério Público do Rio de Janeiro, o evento contou ainda com o apoio do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR).
O Seminário reuniu grandes nomes da magistratura, com destaque para os ministros do STJ Luis Felipe Salomão, Paulo de Tarso Sanseverino e João Otávio de Noronha, atual corregedor nacional de Justiça; os desembargadores do TJRJ Manoel Pereira Calças, Manoel Justino Bezerra, Luiz Roldão Gomes Filho e Luiz Roberto Ayoub; além de promotores e advogados especializados em recuperação e falência de empresas. A exemplo das duas primeiras edições, o Seminário foi coordenado pela advogada Juliana Bumachar, presidente da Comissão Especial da OAB-RJ, e pelo promotor Márcio Souza Guimarães, titular da Promotoria de Massas Falidas do Estado do Rio de Janeiro.
Função social
A palestra de abertura, conduzida pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, tratou da interpretação da função social da empresa na jurisprudência do STJ. O ministro fez uma análise geral a respeito do princípio da atribuição social da propriedade, do contrato, com o pressuposto da preservação do interesse coletivo e do bem comum sobre os interesses individuais. Visão que, segundo ele, aparece com frequência na jurisprudência do STJ na perspectiva da preservação das empresas.
Sanseverino destacou ainda a importância do debate para o momento atual do país. “Temos crises política, econômica e ética. Naturalmente que essa crise afeta diretamente o Poder Judiciário, considerando que o número de empresas em recuperação é muito elevado hoje no Brasil. Felizmente, temos bons instrumentos para enfrentar juridicamente essa crise. O destaque é exatamente a Lei de Recuperação Judicial de 2005. Atualmente, se pensa em fazer algumas mudanças, que serão bem-vindas se buscarem, efetivamente, o aprimoramento do que nós temos hoje e que agora começa a ser efetivamente aplicado”.
Momento oportuno
O primeiro painel, moderado pelo ministro João Otávio de Noronha, teve como tema o “Tratamento do crédito na recuperação judicial e na falência”. O desembargador Manoel Justino Bezerra discorreu sobre a situação do credor diante da jurisdição trabalhista e da jurisdição empresarial. Já o procurador do Estado do Rio de Janeiro Paulo Penalva Santos falou sobre a posição do credor com garantia real na recuperação judicial. Para fechar a primeira rodada, a advogada Juliana Bumachar analisou a responsabilidade do credor pelo voto na assembleia geral de credores. “Esse foro é necessário não só pelo momento de crise que o país atravessa, que gerou um aumento do número de recuperações judiciais, mas também pelo fato do Rio de Janeiro concentrar recuperações judiciais extremamente importantes para o país”, pontuou a advogada.
Ela destacou ainda a importância do aprimoramento da legislação: “A Lei já mostrou sua eficácia, mas, evidentemente, não foi preparada para o número e para o porte de empresas que se tem hoje. Não trata, por exemplo, da postura das agências reguladoras. Precisa de um aperfeiçoamento para que se adeque ao mercado atual. Como toda lei, após 12 anos, a Lei no 11.101 precisa de determinados ajustes”. Bumachar apontou ainda a capacitação dos profissionais do Judiciário como medida importante para garantir a eficácia da aplicação da Lei de Recuperação. “O grande desafio, hoje, são os processos que correm nas comarcas de interior. O volume de trabalho deles é muito grande e os processos nem sempre alcançam a finalidade que temos nas grandes capitais. Outra questão que teria que ser colocada na proposta de aperfeiçoamento da Lei: ter juízes especializados nas varas e nas comarcas fora das capitais, considerando que existem muitas indústrias no interior que precisam ter a mesma celeridade e agilidade processual que temos nos grandes centros urbanos”.
Experiência internacional
O Seminário seguiu com um painel sobre a experiência da recuperação judicial e falência no direito Internacional, com moderação do professor de direito comercial na PUC-SP, Dr. Ivo Waisberg. O professor da Universidade de St. Gallen, na Suíça, Peter Sester, falou sobre a arbitragem internacional e a insolvência, apresentando a condução de processos de recuperação judicial em países como França, Reino Unido e Suíça. O promotor de Justiça e professor da Escola de Direito da FGV, Juan Luiz Souza Vazquez, tratou dos métodos de recuperação não judiciais na Espanha, destacando a necessária mudança de paradigma e a adoção de soluções extrajudiciais para enfrentar a atual crise econômica.
A mesa contou também com a participação do administrador judicial Gustavo Licks, que abordou a profissão de administrador judicial (AJ) na Europa e nos Estados Unidos, destacando a relevância que o AJ assumiu no Brasil ao longo dos anos. “O administrador judicial vem se aprimorando a passos largos e a tendência é se qualificar cada vez mais. Ele age como um braço do Judiciário fora dos muros do —fórum, com papel de preparar o ambiente para que credores e devedores cheguem a um consenso”.
Atribuições do devedor
A responsabilidade do devedor foi o assunto da mesa seguinte, mediada pelo desembargador Luiz Roldão Gomes Filho. Ele destacou o desafio de resgatar pontos comuns das partes no que se refere ao plano de recuperação judicial: “São atendimentos divergentes, ambos com relevantes argumentos. É preciso procurar entendimento no que tange a responsabilidade civil do devedor”.
O painel contou com a participação do juiz Daniel Carnio Costa, que discorreu sobre o Fiduciary Duty do devedor e a crise da empresa. Ele foi seguido pelo promotor de Justiça aposentado de São Paulo, Alberto Camiña Moreira, que falou sobre os desafios da compliance processual e a busca de solução alternativa de conflitos. O advogado na área empresarial Luiz Fernando Valente de Paiva encerrou o debate expondo os passos para a elaboração dos planos de recuperação e as diretrizes ao devedor. Destacou que, embora o processo de recuperação judicial represente ônus para o credor, o acordo deve ser negociável.
Novas soluções
O professor de Direito Comercial da UERJ José Gabriel Assis de Almeida foi o moderador do painel sobre a reestruturação das sociedades prestadoras de serviço público. Ele destacou a necessidade de mudança na cultura da sociedade brasileira com relação ao papel do Estado em setores como saúde, transporte, educação, energia e telecomunicações. “Vimos e confirmamos que cerca de 50% da atividade econômica que gera criação de riqueza no Brasil é feita por sociedades ligadas ao setor público. Quando essas sociedades entram em crise não basta mais bater à porta do Estado para pedir dinheiro. É preciso encontrar outras soluções”.
O professor de Direito Comercial da USP Francisco Sátiro falou sobre a regulação da prestação do serviço público e a crise da empresa. A “(im)possibilidade do pedido de recuperação judicial pelo Estado empresário” foi o tema apresentado pelo desembargador aposentado do TJ-SP Paulo Salles de Toledo, que abordou a necessária sujeição das estatais ao regime jurídico da insolvência. O professor de Direito Comercial da UERJ Sérgio Campinho fechou o painel abordando a continuação das atividades da prestadora de serviço público em recuperação judicial. “A empresa é um ativo social. Sem empresa não há riqueza ou desenvolvimento. É função constitucional do Estado preservar a atividade empresarial e incentivar a atividade econômica”, reiterou.
Perfil da falência
No encerramento do Seminário, o desembargador Luiz Roberto Ayoub conduziu rodada de entrevistas com a participação do ministro Luis Felipe Salomão, do promotor Márcio Guimarães e do desembargador Manoel Pereira Calças. Na opinião de Ayoub, que é membro da comissão do Ministério da Fazenda criada para apresentar estudo sobre a atualização da Lei no 11.101, a falência tem hoje um perfil diferente: “Ela pode ser do empresário, não da empresa, pois se aquela atividade ainda puder ser aproveitada e não estiver comprometida de alguma forma, que continue”.
Para o ministro Salomão, o evento ajuda o Rio a despontar como um polo de pensamento sobre a recuperação judicial. “Já é um Seminário reconhecido no cenário jurídico. Traz temas novos e desafiadores lançados em um grande tanque de ideias gerador de soluções para o direito recuperacional”. Sobre a atualização da Lei no 11.101, finalizou o ministro do STJ: “Estamos vivendo tempos completamente diferentes de 10 anos atrás. Hoje, o impacto das novas tecnologias desafia o Judiciário a formar uma jurisprudência balanceada, que contemple todos os interesses em jogo, e que forme, efetivamente, a melhor solução para os jurisdicionados. Temos mais pedidos de recuperação judicial que falências. Isso é um ponto positivo. As empresas buscam se recuperar para funcionar como polo catalisador de riqueza, distribuição de empregos e renda. Estamos no caminho certo”.