Alterações na Legislação de férias

5 de fevereiro de 2000

Arnaldo Sussekind Titular da Academia Brasileira de Letras Jurídicas Ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ex-ministro do Trabalho e Previdência Social

Compartilhe:

A ratificação, pelo Brasil, da Convenção nº 132, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acarretou algumas alterações do Capítulo da CLT alusivo às férias anuais.

Esse tratado, que a Conferência Internacional do Trabalho adotou em 1970, reviu a Convenção nº 52, também ratificada pelo nosso País. A vigência internacional da nova Convenção ocorreu a 30 de junho de 1973, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional em 23 de setembro de 1981 (Decreto Legislativo nº 47). Estranhamente, o governo brasileiro só depositou  o instrumento da ratificação dezessete anos depois, para vigorar após o decurso de doze meses. Mas o Decreto de Promulgação, que gera a eficácia do tratado no território nacional (art. 1º , da Lei de Introdução do Código Civil), só foi publicado no Diário Oficial da União de 6 de outubro do ano passado.

A Constituição brasileira de 1988 adotou a teoria monista, em virtude da qual o tratado ratificado complementa, altera ou revoga o direito interno, desde que se trate de norma self-executing e já esteja em vigor na órbita internacional. Basta assinalar que ela prevê o cabimento de recurso especial, para o STJ, da decisão que contrariar tratado ou negar-lhe vigência (art. 105, III, a). Disposição análoga que se encontrava na Carta Magna de 1967 (art. 119, III), levou a Suprema Corte brasileira a afirmar:

“A Constituição inclui, na competência do Supremo Tribunal, a atribuição de julgar, mediante recurso extraordinário, causas oriundas da instância inferior, quando a decisão for contrária à letra de tratado ou de lei federal.

A meu ver, essa norma consagra a vigência dos tratados, independente de lei especial. Porque, se essa vigência dependesse de lei, a referência a tratado, no dispositivo constitucional, seria de todo ociosa. Por outras palavras, a Constituição prevê a negativa da vigência da lei e a negativa de vigência do tratado, exigindo para a validade deste a aprovação pelo Congresso Nacional, porém não sua reprodução formal em texto de legislação interna”, (Ac. do STF em sessão plena de 4.8.71, RE-71.154; rel Ministro Oswaldo Trigueiro; revista Trimestral de Jurisprudência n. 58, Brasília, págs. 71 e segs.)

Em extenso acórdão, o Supremo Tribunal reiterou, contra apenas um voto, a tese da incorporação automática da norma do trabalho ratificado ao direito positivo, mas, por maioria, entendeu que a lei ordinária posterior à ratificação prevalece sobre a correspondente disposição do instrumento internacional, ainda que não tenha sido ele denunciado pelo Estado brasileiro. (Ac. do STF em sessão plena de 1.6.77, no RE-80.004; rel. Ministro Cunha Peixoto; Revista cit., n. 83, págs. 809 e segs. ).

Entretanto, a Carta Magna vigente foi além, ao estatuir que:

“ Os direitos e garantias expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes (…) dos tratados em que a República Federativa do Brasil seja parte” (§ 2º do art. 5º).

Afigura-se-me , destarte, que pelo menos em relação aos direitos e garantias fundamentais de que trata o Título II da Lei Maior, o parágrafo transcrito colocou o tratado em nível superior ao da lei, na hierarquia das fontes de direito.

De qualquer forma, porém, é inquestionável que as normas da CLT que não se compatibilizarem com as da Convenção n. 132, foram revogadas ou alteradas a partir de 6 de outubro de 1999.

Esclareça-se, no entanto, que a ratificação de uma Convenção da OIT não importa na revogação ou alteração de “qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis” (art.  119, § 8º, da Constituição da OIT).

Prevalece, assim, no campo do Direito Internacional do Trabalho, o princípio da condição mais benéfica em favor do trabalhador.

O tratado normativo em foco contém, como é praxe no âmbito da OIT, preceitos imperativos e auto-aplicáveis, além de disposições flexíveis ou opcionais, cuja eficácia depende de lei nacional.

A Convenção nº 132 fixa a duração  mínima das férias  anuais remuneradas em três semanas (art. 3º). Se nos doze meses do período aquisitivo, os serviços prestados não totalizarem o exigido para o lapso completo das férias, o empregado terá direito a um descanso proporcional (art. 4º); mas, nessa hipótese, os serviços, ainda que interpolados (p. Ex.,: trabalho na construção civil ou nas safras agrícolas) deverão somar o período mínimo estipulado em lei nacional (art. 5, § 1º), não podendo esta fixá-lo acima de seis meses (art. 5, § 2º). O art. 131 da CLT está em sintonia com o art. 5 § 1º da Convenção, mas a lei brasileira deverá modificar a escala de férias do art. 130 da CLT, para adaptá-la à regra do §  2º do art. 5º do trabalho ratificado.

Modificação auto aplicável e de relevo diz respeito à exclusão dos feriados no período de gozo das férias, determinado pelo art. 6º da Convenção. Neste ponto está  derrogada a escala do art. 130 da Consolidação, que refere sempre a “dias corridos”.

Quanto ao fracionamento das férias, a lei poderá, ou não, autorizá-lo (art. 8º, § 2º); mas se o fizer, um dos períodos não poderá ser inferior a duas semanas (art. 8º, § 2). Nessa exigência, a Convenção derrogou o estatuído no § 1º do art. 134 da CLT, que estabelecia o limite de dez dias para uma das frações do fracionamento. Ora, com a conversão de um terço  das férias em abono pecuniário, autorizada pelo art. 143 da Consolidação, dificilmente uma das frações corresponde a duas semanas. Somente por convenção ou acordo coletivo o tratado da OIT permite a flexibilização dessa regra.

A fração principal e ininterrupta da divisão do período das férias deverá ser usufruída nos doze meses seguintes à aquisição do direito e à segunda parte dentro de dezoito meses, facultado o seu adiamento por acordo individual ou coletivo (art. 9). Nesse ponto, todavia, não há derrogação da lei brasileira, que é mais favorável ao trabalhador.

Os arts. 10, 11, 12 e 13 do tratado da OIT, que dispõem, respectivamente, sobre a escolha da época das férias, os efeitos da cessação da relação de emprego, a nulidade plena da renúncia ao direito a férias e as consequências do trabalho no período de gozo  não ensejam qualquer modificação na legislação brasileira.

A ratificação da Convenção n. 132 pelo Brasil importou na automática denúncia da Convenção n. 52, de 1996.