Edição 149
“Abismo social no Brasil é quase intransponível”
11 de janeiro de 2013
Alexandre Teixeira de Souza Juiz titular do Juizado da Infância e da Juventude de Petrópolis
Graças ao trabalho dedicado e eficaz do Juiz Alexandre Teixeira de Souza, titular do Juizado da Infância e da Juventude da comarca de Petrópolis, a Fundação Princesa Isabel, criada com o objetivo de inclusão social de jovens à margem do mercado de trabalho, atende hoje 500 pessoas carentes no município, localizado na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Sensível às questões sociais, logo ele percebeu que não adiantava o atendimento às crianças e adolescentes na Fundação se em casa o jovem não tinha a mesma estrutura e apoio.
A instituição, localizada na Serra da Estrela, um local mágico, onde se pode vislumbrar uma vista maravilhosa da cidade de Petrópolis e, inclusive, do Rio de Janeiro, disponibiliza a alunos das escolas públicas de Petrópolis, bem como a diversos jovens encaminhados pelo Juizado da Infância e da Juventude, uma série de atividades profissionalizantes, artísticas, culturais e esportivas, que têm como objetivo a ocupação do tempo ocioso dos menores, o oferecimento de atividades específicas e um espaço afetuoso onde as mais variadas reflexões podem ser discutidas com os frequentadores do projeto.
O currículo das aulas aborda, além dos temas pedagógicos e profissionalizantes, as noções de higiene, alimentação e postura diante das situações cotidianas, indo até avançados debates sobre contextos sociais e ambientais, numa abordagem conjunta do aluno, da vivência escolar e familiar, alcançando todo o ciclo educativo. A prática é resultado de uma reunião de forças, oriundas do Poder Judiciário, do Poder Executivo Municipal, de algumas empresas e contribuições individuais, todas elas não somente financeiras, mas também de forças de trabalho, tudo sob a articulação da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso.
O juiz Alexandre Teixeira explica a essência do projeto e a sua preocupação com o futuro dos jovens atendidos: “Esse trabalho na Vara da Infância me deu uma noção muito exata da dificuldade dessas pessoas. Apesar de ter vindo de uma família humilde, não conhecia essa realidade (da Fundação Princesa Isabel), esse abismo que existe entre a classe média e essas pessoas que são atendidas aqui. É um abismo quase que intransponível, se você não tiver um apoio, um recurso, para esse resgate, para provar que você pode, que você tem capacidade e só precisa de alguém que lhe traga para a cidadania, que lhe dê dignidade. Nós, juízes, podemos fazer muito pela sociedade, nós somos parte de um poder respeitado, e nosso agir provoca nas pessoas uma abertura de consciência. E se provocarmos, da mesma forma, o Poder Público? E ainda provocarmos o Poder Executivo, que tem a responsabilidade de estar oferecendo esses cursos, essa estrutura e mostrar para eles que sim, que é possível?”
Mas ele faz questão de explicar que esse “provocar” a que se refere não é confrontar, é apenas mostrar que é possível se fazer, que é fundamental se extinguir o conceito de assistencialismo, muito comum nas relações do Estado, porque é necessário, diz, que se dê ao jovem responsabilidade e orientação para que ele e sua família não fiquem sempre reféns desse desse tipo de assitência que lhes tolhe a iniciativa e lhes inibe de “sair à luta”.
“Na verdade, eu vislumbrei essa possibilidade e tenho alcançado, através de várias parcerias, a alegria de usar realmente o papel do juiz, do Judiciário, da sua transparência e credibilidade junto à população e tentar fazer algo concreto. Esse também é o sonho de cidadão, que é deixar um legado principalmente para minha filha, se algum dia ela vier aqui (na Fundação Princesa Isabel), dela saber que seu pai ajudou a construir esse projeto, criando oportunidades para crianças que vieram de famílias humildes, mais ou menos cenário da minha história. Tive a sorte de meus pais me deixarem a única herança que vale a pena os pais deixarem para os filhos, que é a educação, sendo responsável por eu chegar onde cheguei como juiz”.
Alexandre Teixeira revela que agora o projeto conta com uma padaria-escola e com um curso de confeiteiro, “um profissional disputadíssimo no mercado”, além do apoio da Fundação da Infância e do Adolescente (FIA), que está oferecendo cursos de cabeleireiro e manicure. Tudo sem perder de vista que esse trabalho não terá sentido se os jovens participantes não forem inseridos no mercado de trabalho “porque é uma utopia achar que o Estado se encarregará disso”, sentencia.
“Quando assumi a Vara em 2001 procurei mudar um ciclo vicioso, ou seja, pais que negligenciavam o cuidado com os filhos. Percebi que os projetos sociais que haviam na época, podiam criar autonomia para esses jovens. Foi esse o meu objetivo inicial, o resgate da cidadania. Essa é a nossa ideia central, é um trabalho difícil, mas prazeroso. Prazeroso é saber que um aluno que entrou aqui totalmente desestimulado, que muitas vezes nem a família o suportava mais, que as próprias diretoras de colégios diziam ‘ele não dá pra nada’ daqui a pouco poderá estar dentro do mercado de trabalho. Prazer é dar a ele a chance de se descobrir, de se conhecer como uma pessoa correta”.
Em seu gabinete de trabalho, o juiz Alexandre se empolga com a beleza do lugar, ao mesmo tempo que demonstra preocupação com seu futuro: “Essa região aqui foi uma das primeiras reservas ecológicas brasileiras. É uma serra nativa que precisa ter seu ecossistema preservado e não pode ficar exposta jamais à especulação imobiliária”. De volta à realidade da Fundação, outra preocupação: a corrupção em vários níveis de nossa administração pública que corrói a vontade e provoca o desestímulo dos alunos quando pensam no mercado de trabalho e na possibilidade de emprego, melhor dizendo, na possibilidade do desemprego.
“Não canso de repetir que o fundamental é incutirmos na cabeça da família desses jovens, e neles próprios, que eles podem, que eles são capazes, que são aptos para desempenhar o papel que a sociedade espera deles. Talvez, o grande objetivo seja esse. Se fizermos com que esses jovens não tenham contato com drogas, com a marginalidade, com a prostituição, eu acho que essa fundação já alcançou o seu objetivo. Estaremos realizados quando esse jovem não se perder pelo caminho por falta de oportunidade”.
Com uma faixa etária abrangente, que vai dos 10 aos 18 anos, às vezes mais um pouco, na Fundação Princesa Isabel a palavra que não pode ser dita é “pessimismo” e a sempre bem-vinda é “sucesso”, conclui o juiz Alexandre de Souza. “É claro que todos nós, envolvidos nesse projeto, estaremos contentes e realizaremos nosso sonho maior se esses jovens saírem daqui grandes desportistas, grandes técnicos em informática, grandes professores de inglês, grandes juízes, porém, se alcançarmos o mínimo já teremos cumprido nossa missão”.