A ressurreição (?) do crime passional

5 de dezembro de 2002

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Amor, ciúme, saudade, ressentimento, ansiedade, num desfecho sangrento

A permissividade “matou” o crime passional. A “liberação” das mulheres, uma luta que vinha desde os anos 30, e só se consolidou mesmo nos anos 80, também contribuiu para que os chamados crimes “em defesa da honra” saíssem do noticiário, deixassem de existir. Nem saudosismo, nem opinião, apenas constatação, lembranças de tempos distantes.

Com 15 ou 16 anos, era fanático freqüentador do Tribunal do Júri, na rua D. Manuel, só havia um. Assisti fabulosos duelos verbais, de horas e horas, numa época em que a velocidade de tudo não limitava o tempo dos oradores. Poderia sintetizar os fatos nos debates entre Evandro Lins e Silva e Cordeiro Guerra. Um dos mais sensacionais, a defesa de Zulmira Galvão Bueno, feita por Evandro. Ela assassinou o marido, Stelio Galvão Bueno, também grande criminalista, que um dia, sem prever nada, apenas manifestando admiração, recomendou a ela: “se você precisar de um advogado, recorra sempre a Evandro Lins e Silva”.

Apenas para mostrar a exaltação do silencio, hoje, nos tribunais e nos Parlamentos, o tempo reduzido premiando as mediocridades. Disraeli, no dia em que completou 40 anos, (ainda não era Primeiro­Ministro) respondendo um discurso de Gladstone (então Primeiro-Ministro), quando também completará 40 anos, falou 4 horas seguidas.

O Visconde do Rio Banco, respondendo a criticas quando da sua passagem como diplomata, pela Argentina, Paraguai e Uruguai, falou na Câmara durante 8 horas e 20 minutos. (Não esquecer. O visconde foi extraordinária figura, poucos se lembram dele, ultrapassado pelo Barão, seu próprio filho. Justo, mas injusto).

Agora, o último crime passional, que passo a examinar.

Um casal de namorados, jovens, classe media, exibiam felicidade. Passeavam, namoravam, todos admiravam. Tudo indicava que o apaixonado relacionamento terminaria na Igreja, num belíssimo casamento. Em Niterói, onde moravam, se conheceram, se encontravam.

Inesperadamente, esse amor, a ternura, o carinho, até mesmo a paixão fervente e avassaladora, terminaram. A iniciativa do rompimento partiu da belíssima Ana Cristina de Azevedo Abicalil. O namorado, Rogério Costa do Nascimento, ficou atordoado. Embora Ana Cristina tivesse dito a ele, “ficaremos amigos”, isso não bastava, era insuportável para tanta paixão e para os sonhos acumulados. Na sua cabeça, a perda era irreparável, não admitia de jeito algum.

Entrou em crise, se descontrolou, passou a fazer apelos desesperados à ex-namorada. Não tinha forças, a ausência de Ana Cristina era um golpe insuportável, sua capacidade de resistência se esgotou.

No dia 6 de fevereiro de 200 1, Rogério telefonou para Ana Cristina. Apelou. Implorou. Pediu de todos os modos, “quero apenas conversar”, amigos como você mesmo disse”. Ana Cristina concordou final mente. Rogério foi apanhá-la, dirigiu o carro para jurujuba, numa rua deserta, fim de tarde, o dia morrendo. E não morreria apenas o dia.

No desacerto da paixão incompreendida, o fim que seria incompreensível, meses antes. Com uma faca escondida, golpeou seguidamente Ana Cristina. Telefonou para a polícia, esperou sem se afastar do local, foi preso em flagrante. Nem o fato de ter chamado a policia, de ter se entregue, de não ter fugido, resultou a seu favor. Começava então outro drama. Ficou preso até semana passada na carceragem da 79a Delegacia de Niterói.

Como diz, “o crime abalou a cidade”. Denunciado e enquadrado no artigo 121, parágrafo 2°, incisos I e IV do Código penal. Homicídio qualificado. Premeditado. Até a arma era agravante. Se tivesse matado Ana Cristina com arma de fogo, Rogério poderia alegar atenuantes. Muita gente anda armado de revolver ou pistola. Mas de faca?

Evidente premeditas:ao. Pelo menos para a acusação.

Entram em cena, novos personagens, por dever de oficio. Mario Landeiro, muito jovem e competentíssimo, e o advogado defesa. Dedicado, uma das maiores revelações como criminalista, nem recebe honorários, não pode negar os apelos da família. Pede que o réu responda em liberdade. Tem bons antecedentes, e primário, garante “que a ordem pública, com isso não corre risco”.

Cristiana Itabaiana Nicolau, Promotora de justiça, não concorda, insiste que Rogério continue preso.

Cesar Cury, juiz da 3a Vara Criminal, pronuncia Rogério (não poderia fazer Outra coisa), determina que seja julgado pelo Tribunal do júri. Ao mesmo tempo concorda com a Promotora, mantém o Réu preso.

Mario Landeiro, obstinado, lutador, usando de rodos os recursos, vai apelando sucessivamente, com um objetivo: libertar Rogério, para que seja julgado pelo tribunal do júri, mas em liberdade. Perde na 5a Câmara do Tribunal de justiça do Rio de Janeiro, recorre para o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

Gilson Dipp, Mínimo do STJ, culto, digno, responsável, é o relator desse Habeas-Corpus, na Quinta Turma desse excelente STJ. Seguindo o relator, por UNANIMIDADE, e determinada a liberdade do réu. Prevaleceu a argumentação correta e brilhante do jovem Mario Landeiro. 1 – Rogério matou por amor, cometeu um crime mas não é um criminoso. A motivação foi o amor eterno, imortal e duradouro, ou que ele pensava que Fosse. 2 – A carceragem onde estava Rogério, é um atentado à dignidade geral. Ninguém pode ficar preso naquelas condições.

PS – Vitorioso na batalha pela liberdade (provisória) de Rogério, o criminalista Mario Landeiro sabe que agora tem uma guerra pela frente: 0 julgamento diante do Tribunal do júri.

PS2 – O tribunal do Júri e insuperável nesses julgamentos. Criado em 1215 na primeira (e Única até hoje) Constituição da Inglaterra, consagrado pela belíssima Constituição dos EUA de 1787 (também Única), se espalhou pelo mundo. Imaginado e colocado em ação para julgar com o coração e não com a mente, e respeitadíssimo.