A Nova Realidade do Transporte no Rio de Janeiro

6 de julho de 2012

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O tema transporte deve ser discutido num contexto mais amplo, porque envolve não somente questões operacionais do dia a dia de nossas empresas, questões peculiares ao nosso setor, mas também, e principalmente, a vida dos usuários, tanto no aspecto jurídico quanto no particular. Ainda mais no nosso caso específico, em que o setor de transportes no Estado do Rio de Janeiro, notadamente na capital, está passando por uma grande transformação que provoca mudanças, muitas das quais silenciosas. Em função disso, não se tem a dimensão real da situação no setor.

Falo especificamente sobre a realidade do setor que represento, como presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor). A exemplo do que está ocorrendo em várias cidades em todo o mundo, no Rio de Janeiro, grandes investimentos estão sendo feitos na área de transportes. Por quê? Porque essas cidades têm a necessidade de ficar mais inteligentes, em função de algo relativamente recente – cerca de um século, na história das cidades com mais de dez mil anos – inserido em suas ruas: os automóveis. Desde o início do século XX, as indústrias automobilísticas despejam nas nossas ruas milhares de automóveis, alterando, em consequência, a qualidade de vida nessas cidades.

Como megalópole que é, já que a ONU assim considera a vasta região urbanizada que compreende o chamado Grande Rio de Janeiro, com mais de dez milhões de habitantes, tivemos problemas comuns às grandes cidades mundiais, como Nova Iorque, Tóquio, Londres e Paris. Assim sendo, os problemas são os mesmos. Cada uma dessas cidades tem um problema muito focado no trânsito e, por isso, busca a solução para um trânsito humanizado, para melhorar a qualidade de vida local.

Isso passa pelo transporte coletivo, do qual somos o principal concessionário no Estado do Rio de Janeiro. Principal não no sentido de ser o mais importante ou de ter mais qualidade, mas simplesmente porque transportamos bilhões de pessoas por ano. Essa é a responsabilidade que temos, não só em relação ao Poder Judiciário, mas também em relação à sociedade como um todo.

Cidades consideradas inteligentes, como Barcelona, Atenas e Sidney, aproveitaram eventos internacionais, como os Jogos Olímpicos, para fazer mudanças: de patamar, de urbanização, de reurbanização e de reaproveitamento de áreas, isso é o que vai ocorrer no Rio de Janeiro, que vai sediá-los em 2016, embora não se saiba, ainda, em que dimensão.

O certo é que a cidade está passando por um processo muito grande de transformação, ainda não visível. São projetos similares aos de algumas grandes cidades no mundo.

Esses projetos são pensados porque há uma perda de qualidade de vida nas grandes cidades. No Rio de Janeiro, especificamente, quem mora na Barra da Tijuca ou no Recreio, por exemplo, e trabalha no Tribunal de Justiça do Estado, gasta, em média, três horas por dia no deslocamento casa-trabalho-casa. Segundo técnicos no assunto, isso não é sinônimo apenas de perda de tempo. Significa, ao fim de trinta, trinta e cinco anos de trabalho, a perda de três anos de vida dentro de automóveis. Além desta perda por parte da sociedade, existem as perdas em relação ao consumo de combustível, à poluição gerada, já que todos, hoje, têm consciência de que devemos viver em um mundo sustentável, em uma cidade sustentável.

Existem problemas graves que levam a soluções, às vezes, de investimentos vultosos, mas extremamente necessários. É o caso do Metrô da Barra, do Metrô e da SuperVia em geral, do transporte por ônibus e dos BRTs (Bus Rapid Transit, ônibus articulados de média capacidade que circularão em vias expressas no Rio de Janeiro). Estes foram implantados em várias cidades no mundo, como Paris, Londres e Amsterdã, na Europa; Nova Iorque, Boston e Los Angeles, na América do Norte; Pequim, na Ásia, por ocasião dos Jogos Olímpicos. Na América Latina, existem vários em construção.

O sistema viário precisa de mais manutenção; temos perdas calculadas em dez por cento (10%) do PIB, ou seja: de tudo o que é produzido em nosso Estado, dez por cento são perdidos em tempo, combustível, poluição, e em medidas para mitigar essa poluição, o que inclui a área de saúde, em função das doenças decorrentes.

A título de informação, trazemos o resultado de uma pesquisa que fizemos, em âmbito mundial, sobre qualidade de vida e o papel do transporte na sociedade.

A pesquisa constatou que a qualidade de vida é medida por vários fatores, como política social, meio ambiente e acesso à educação, à medicina e à saúde. E que, em meio a tudo isso, o transporte público tem um papel fundamental.

A pesquisa constatou, também, a existência de indicadores de qualidade de vida em cidades. Entre os mais conhecidos, estão o da empresa de consultoria norte-americana Mercer Consulting e o da revista inglesa “The Economist”, que revelaram as cidades com melhor qualidade de vida no mundo. Não por acaso, são as que possuem os melhores sistemas de transporte, entre as quais Viena, capital da Áustria, Zurique e Genebra, ambas na Suíça. Não por acaso, também, em função dos vários problemas que temos, não só de trânsito e de transporte, mas também de segurança, entre outros, as cidades brasileiras mais bem colocadas, segundo ambos os indicadores, são Brasília e Rio de Janeiro, em 104o e em 116o lugares, respectivamente.

O que nós podemos fazer para melhorar o ranking da cidade do Rio de Janeiro, pelo menos no que diz respeito a transporte, já que este não é o único responsável? O que nós estamos imaginando para o transporte no futuro? O que vai acontecer no Rio nos próximos anos? Responderemos a estas questões
no que diz respeito ao transporte público por ônibus.

A Fetranspor é uma federação de transporte que procura convergir os interesses de todas as empresas de transportes por ônibus do Estado do Rio de Janeiro. São dez sindicatos filiados, alguns por áreas geográficas, como o do Rio, o Rio Ônibus, que tem 40 empresas associadas, quarenta mil funcionários e é responsável pelo transporte de mais de 66 milhões de pessoas por mês. Somados todos os sindicatos, são 208 empresas e 21.200 ônibus, que transportam 240 milhões de passageiros por mês, num total de mais de quatro milhões e meio de viagens, e 102 mil empregos diretos.

Em outras palavras, também somos um dos grandes empregadores no Estado do Rio de Janeiro, além de grandes contribuintes: pagamos cerca de dois bilhões de reais em impostos por ano. Para se ter uma ideia, de cada um real da tarifa, trinta e dois centavos são de impostos, remetidos aos governos municipal, estadual e federal. Então, de cada um real, poder-se-iam cobrar apenas sessenta e oito centavos, se não houvesse uma incidência tão forte de impostos.

Com tantas pessoas trabalhando, temos de ter uma formação adequada não só do motorista, mas do corpo gerencial e empresarial.

Eu tive a honra de criar a Universidade Corporativa de Transporte, primeira universidade intersetorial do país que trabalha com transporte, visando ao desenvolvimento de todos os envolvidos na prestação de serviços. Atualmente, a Universidade Federal Fluminense e a Universidade Federal do Rio de Janeiro ministram curso de pós-graduação em transporte. Empresários, diretores, todos fazem mestrados profissionais em convênios com as principais entidades, como a Coppe/UFRJ, a Fundação Getúlio Vargas, a PUC-RJ e o Ibmec. Entendemos que tanto melhor vai ser o transporte quanto melhor forem qualificadas as pessoas que trabalham na Fetranspor. Consideramos que isso não é custo, é investimento nas pessoas para um melhor transporte.

Outra empresa importante que criamos, com foco no aspecto social, foi a RioCard TI, que colocou um sistema de inteligência em cada ônibus. A RioCard TI nos permitiu fazer o Bilhete Único carioca, intermunicipal, que inclui a gratuidade. Nós fornecemos 22 milhões de gratuidades por mês, por meio do sistema RioCard, para estudantes da rede pública municipal, estadual e federal e idosos (a partir de 65 anos), todos devidamente cadastrados. No sistema RioCard, não há custo algum para o usuário; é um sistema de amparo social que consideramos muito importante, dirigido por Edmundo Fornasari. São estruturas que ajudam a melhorar o nosso sistema de transporte.

Por outro lado, como estamos junto ao Judiciário? Em 2010, tínhamos 40.000 ações. No início de 2011, conseguimos reduzi-las para 35.000. Se levarmos em conta o total de dois bilhões e 600 milhões de passageiros transportados por ano, na realidade, essas ações correspondem a 0,0015%. Mas, se proporcionalmente é muito pouco, trata-se de muito pela importância que devemos dar no sentido de desafogar a Justiça. A redução de cinco mil processos deveu-se a cinco fatores fundamentais.

O primeiro fator foi o nosso foco no cliente, para que ele pudesse ter melhor qualidade de serviço a partir do treinamento adequado de nossos funcionários. Estes devem ter cultura e atitude de prestação de serviço e não ser apenas, por exemplo, condutor de veículo. Esse primeiro momento foi de investimento em educação; ouvir o cliente é muito importante.

Em segundo lugar, criamos um centro de relacionamento com o cliente, por meio do qual todas as empresas são integradas pela nossa intranet, ligadas a um call center gratuito, para que o cliente possa dar sugestões e fazer reclamações.

Outro fator importante para a diminuição das ações na Justiça foi o fato de utilizarmos as chamadas redes sociais, como Facebook e Twitter, que possibilitam resposta imediata ao cliente.

Uma iniciativa também importante foi o projeto referente ao BRS Copacabana. O Bus Rapid Service consiste numa faixa de trânsito exclusiva para ônibus, o que melhora a circulação do transporte coletivo, diminuindo o tempo de viagem e a quantidade de ônibus em circulação.

Por último, temos procurado todas as entidades que podem levar a uma ação não resolvida por meio do diálogo. Para isso, utilizamos o call center para trocar informações com todas as ouvidorias do Estado e do Município que se relacionam com o transporte. Antes de a Defensoria Pública ou o Ministério Público chegarem a uma ação, eles nos comunicam e nós nos adiantamos, indo ao órgão com o objetivo de solucionar o caso.

Nós estamos querendo construir o futuro. Temos certeza de que não existe transporte sem uma rede integrada. Assim sendo, nossa intenção primeira é implantar uma rede integrada de transporte – por meio da circulação dos BRTs já citados, em corredores viários exclusivos –, que está tendo início pela  TransOeste. É uma via expressa que sairá da Barra da Tijuca, na Zona Oeste, e que consideramos a primeira grande mudança no sistema de transporte coletivo do Rio de Janeiro. Com previsão de que fique pronta em fevereiro de 2012, a TransOeste passará pelo Túnel da Grota Funda e chegará a Campo Grande e a Santa Cruz.

Para se ter uma ideia da importância desse corredor, toda essa região, que também inclui Bangu e Deodoro, representa um outro Rio de Janeiro, uma outra cidade, maior do que muitas capitais brasileiras, onde residem um milhão e 640 mil pessoas que não dispõem de um sistema de transporte adequado. Esse sistema tem previsão de integração com a SuperVia, no ramal de Santa Cruz, para que os moradores da região, que hoje só podem se valer de automóvel e de ônibus, cheguem, mais rápido ao centro da cidade. Eles contarão com os já citados BRTs, ônibus articulados e biarticulados, que substituirão os atuais.

Dentre os compromissos firmados com o Comitê Olímpico Internacional (COI) para os Jogos Olímpicos de 2016, também está prevista a realização de outra via expressa, a TransOlímpica, que vai ligar a Barra da Tijuca, via Terminal Alvorada, à região de Deodoro, também com previsão de integração com a SuperVia, só que no ramal de Deodoro. Essa linha transversal é importante, porque o Rio de Janeiro, hoje, não tem linhas transversais; todas convergem em direção ao centro, para então partir para outros bairros. Isso gera um excesso de linhas e de voltas no itinerário, e o nosso objetivo é racionalizar o trânsito carioca.

Outra obra muito importante refere-se à TransCarioca, via de ligação entre o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão – Antônio Carlos Jobim, na Zona Norte, e a Barra da Tijuca. Será mais uma alternativa de acesso direto à Barra, sem passar pelo centro do Rio, para quem mora na baixada fluminense, região densamente povoada. Tem previsão de integração com o Metrô, na Linha 2, e com a SuperVia, no ramal de Belford Roxo.

As integrações são um sistema permanente nesse planejamento. Também está prevista a construção da Linha 4 do Metrô, até a Barra da Tijuca; a TransOeste vai se estender do Terminal Alvorada até o Jardim Oceânico, onde será construída uma estação.

Outro projeto estrutural importante é o do BRT da Avenida Brasil, a TransBrasil, que visa a dar uma nova alternativa de acesso ao Centro para quem mora na região de Caxias, Xerém, Magé e parte da Via Dutra.

Todos esses projetos vão mudar o sistema de transporte público no Estado do Rio de Janeiro como um todo. Por quê? Porque o bus rapid é um sistema novo e inovador. Foi implantado em Curitiba, há 25 anos, e representou um upgrade em comparação ao de Bogotá; atualmente, 83 cidades no mundo o adotam. Esse sistema utiliza nos ônibus os mesmos conceitos empregados nos trens do metrô: corre em uma via segregada – subterrânea ou de superfície, não tendo que parar em sinais luminosos ou perder tempo disputando espaço com automóveis.

A exemplo dos trens do Metrô, os BRTs têm diferenciais: maior rapidez, em função do corredor segregado no qual os ônibus circulam; possibilidade de linhas também expressas, porque como elas serão em duplas, duas em um sentido e duas em outro, poderemos ter as linhas que parem em várias estações e as linhas expressas; a tarifa é paga externamente, o que reduz o tempo de embarque; a operação é controlada por GPS, e existem câmeras de vídeo, além da futura integração dos BRTs a estações do Metrô e de trens.

Esses veículos representam um novo conceito em transporte público: têm maior capacidade – levam até 180 pessoas –, ar-condicionado, tevê de plasma com programação especial e portas do lado esquerdo, com piso elevado. Cada BRT poderá transportar 45 mil passageiros por hora/sentido, enquanto atualmente, nos ônibus, são transportados, no máximo, seis mil passageiros, chegando a 12 mil no trem e um pouco mais no Metrô.

Por outro lado, para cada projeto de BRT, a Prefeitura estuda a reorganização urbana ao redor dessas vias, de modo a provocar uma nova ocupação do espaço. O transporte será um indutor do desenvolvimento da área, com possibilidade de liberação de gabarito e de áreas comerciais, e de criação de áreas verdes, a exemplo do que ocorreu em Curitiba.

Tudo isso dá uma nova “cara” à cidade, que tem um bom exemplo na região portuária carioca, cuja infraestrutura existente vem sendo aproveitada na revitalização local. Qual é o impacto disso na população, na cidade, nos entornos? Juntas, a TransCarioca, a TransOeste, a TransOlímpica e a TransBrasil representam 130 quilômetros de corredores viários, que vão beneficiar cerca de um milhão de pessoas, por meio de um transporte mais rápido e mais confortável, e diminuir os congestionamentos, sinônimo de melhor qualidade de vida. Estima-se que o tempo de viagem, na TransCarioca, seja encurtado em cerca de 50 minutos; na TransOeste, em uma hora; e na TransOlímpica, em quase duas horas.

Em relação ao centro do Rio de Janeiro, temos um grande projeto: fazer, a curto prazo, uma faixa de BRS em toda a parte central da Avenida Presidente Vargas, no mesmo conceito de Copacabana, até o Aterro do Flamengo, eliminando os pontos de ônibus e os terminais da Misericórdia e Mariano Procópio, na Praça Mauá. Esta passará por obras referentes ao projeto Porto Maravilha, de revitalização de toda a zona portuária carioca. As linhas de ônibus na região serão reduzidas e os terminais, deslocados para áreas periféricas. Pelo projeto, em vez dos 1.500 ônibus que circulam atualmente, por hora, no Centro, utilizando todas as vias, serão 900, em corredores segregados e com a frota reduzida.

Em resumo, em relação ao Centro do Rio de Janeiro, o projeto prevê: quatro eixos de BRS, integrados às barcas, aos trens da SuperVia e do Metrô, e aos próprios ônibus, por meio do Bilhete Único – carioca e intermunicipal; a retirada de todos os terminais de ônibus e pontos de ônibus; a redução de vagas de estacionamento e de linhas de ônibus; e revitalização dos terminais Américo Fontenelle e Procópio Ferreira, na Central do Brasil.

Nós, concessionários públicos, estamos fazendo investimentos vultosos, de um bilhão e 800 milhões de reais, definidos por meio de licitação feita pela Prefeitura carioca, em 2010. Nosso objetivo principal é proporcionar melhor qualidade de vida aos usuários dos transportes coletivos no Rio de Janeiro.