Edição 290
A independência judicial em tempos de deslegitimação
4 de outubro de 2024
Frederico Mendes Júnior Presidente da AMB

O Judiciário, em todas as democracias avançadas, tem a incumbência de solucionar divergências que a sociedade e os outros Poderes não puderam resolver sozinhos. Em outras palavras, para além das situações de lesão ou ameaça a direitos, os tribunais atuam quando os envolvidos nas controvérsias não são capazes de chegar a consensos. A posição do juiz é, portanto, sempre delicada, porquanto contrária, em qualquer situação, a pelo menos uma das partes da disputa.
A magistratura tem, nessa perspectiva, uma difícil missão, que impõe a seus membros a convivência constante com o descontentamento alheio. Tal insatisfação é, na verdade, o efeito colateral da necessária independência judicial – que impõe aos juízes decidir de modo imune a pressões, com base tão somente nas leis e nas provas dos processos.
Imparcial (e, por isso, gerador involuntário de contrariedades), o juiz sofre ataques de quem, não podendo ganhar a causa nos autos, procura determiná-la no grito. Essa disposição de coisas ficou patente nos últimos dias, quando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tornaram-se alvos em virtude do exercício da função – o que é temerário.
Nesses casos, ao invés de buscar a revisão das sentenças por meio de recursos à instância superior, na hipótese de fundamento para tanto, os interessados preferem fabricar distorções, com o objetivo de intimidar o Judiciário e impedir que cumpra o dever de distribuir justiça.
Semelhante arranjo tem consequências disparatadas, pois transfere o foco da desavença, antes restrito ao objeto do litígio, para o próprio Judiciário, numa tentativa de colar no magistrado o conflito que se pretendia dirimir por intermédio dele. Dessa forma, os contendores tencionam encobrir a análise isenta dos fatos – e a verdade que advém dela – com insultos e ilações.
O Judiciário já deu sucessivas mostras do compromisso que mantém com a defesa dos direitos dos cidadãos e com a efetividade da prestação jurisdicional, apresentando, a cada ano, resultados mais robustos, como denota o contínuo crescimento de produtividade no relatório Justiça em Números, do CNJ.
Em contextos de adversidades recentes – como durante a pandemia de covid-19 e na sequência dos atos do 8 de janeiro –, o Judiciário mostrou-se preparado para resguardar as garantias democráticas e as conquistas institucionais que nos permitem progredir em termos de desenvolvimento humano.
É claro que existem incontáveis obstáculos para a plenitude da jurisdição – como a infraestrutura precária, a falta de recursos humanos e materiais e os riscos à vida e à integridade física dos juízes. Todavia, registramos avanços significativos, que precisam prosseguir.
Nesse cenário de desafios, a Justiça permanece inabalável, não obstante as tentativas de deslegitimação, porque assim exige o Estado de Direito. Afinal, é na firmeza da magistratura que reside a segurança jurídica indispensável à pacificação social – sobretudo nos momentos em que a desarmonia coloca em tensão a própria ordem constitucional.
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