A importância da atuação em rede para o enfrentamento das violências contra mulheres: a experiência do XVI Fonavid

1 de março de 2025

Teresa Cabral Juíza de Direito no Tribunal de Justiça de São Paulo / Presidenta do XIV Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid)

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O Fonavid, Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, foi criado em 2009, durante a III Jornada Lei Maria da Penha, realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Fabiana Severi, no livro “Jornadas do Judiciário na Implementação da Lei Maria da Penha”, aponta para importantes aspectos da criação do Fórum. A criação partiu da compreensão de que seria necessário compor uma institucionalidade que atuasse em Rede e produzisse articulações para a aplicação da Lei Maria da Penha. A iniciativa atende às diretrizes da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e da Convenção de Belém do Pará.

Em 8 de março de 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Portaria no 15, instituindo a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário. Reiterando o compromisso assumido, em 4 de setembro de 2028, o CNJ editou a Resolução no 254, que definiu diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres, de forma a garantir adequada solução de conflitos que envolvam mulheres em situação de violência. A Resolução no 254 do CNJ, no artigo 4o, X, reforçou a necessidade de apoio ao Fonavid.

Desde sua criação, o Fórum desenvolve ações contínuas e articuladas, destinadas ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra mulheres. Objetiva cumprir as disposições constantes na Lei Maria da Penha, aprimorar o sistema de justiça e qualificar o acesso à justiça para mulheres. 

Para além das ações que são realizadas durante o ano, o Fórum tem um Encontro anual que discute temas que visam à formação e ao aprimoramento do sistema de justiça e da Rede de Enfrentamento, assim como discutidos, revisados e elaborados Enunciados.  A cada ano um novo eixo temático é escolhido com a elaboração de ações especificamente voltadas ao seu desenvolvimento.

No ano de 2024, na XVI edição, o Fonavid teve por eixo temático a qualificação do acesso à justiça para mulheres em situação de violência. No site do Fórum (https://fonavid.com.br/), podem ser encontradas informações mais pormenorizadas sobre as ações realizadas no ano de 2024, com detalhamentos que permitem conclusão quanto às prioridades na elaboração da política pública. Um dos desafios postos foi fortalecer a ideia de rede, inclusive a partir da forma pela qual o fórum se organiza e se reconhece em relação a outros atores da política judiciária de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulheres. 

A Lei Maria da Penha, na esteira da normativa internacional, de acordo com Wania Pasinato no texto “Oito anos de Lei Maria da Penha”, impõe um olhar intersetorial, interdisciplinar, transversal, interseccional e capilarizado para o enfrentamento das violências. Desenhado para políticas de enfrentamento e atendimento, esse olhar precisa se espalhar por todas as instituições e poderes constituídos. 

Fabiana Severi, no livro Lei Maria da Penha e o Projeto Jurídico Feminista Brasileiro, também aponta para a necessidade de transformações das instituições e das estruturas que considerem os princípios nela estabelecidos e toda a carga transnacional de conquistas em direitos humanos das mulheres. Parte do pressuposto de que o enfrentamento das violências apenas se faz possível, se a atuação for articulada e em rede. A atuação em rede é prevista na normativa internacional e na Lei Maria da Penha e tem definição no texto que estabelece a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. 

A estrutura da atuação no ano de 2024 teve por fundamento a necessidade de articulações em rede para o enfrentamento das violências. Os projetos para o ano de 2024 foram formulados considerando esse apontamento. A política pública no XVI Fonavid foi elaborada a partir de encontros e de intervenções de diferentes institucionalidades, chamadas para o diálogo e construção conjunta. Essas articulações tornaram possível conhecer distintas realidades e de forma dialógica atuar visando qualificar o acesso à justiça para mulheres. 

O XVI Fonavid atuou em diferentes frentes. 

Entre as ações desenvolvidas, há as direcionadas à formação de magistradas e magistrados, de equipes multidisciplinares e demais integrantes da Rede de Enfrentamento à violência. Com a constatação de que a qualificação do acesso à justiça exige o enfrentamento do racismo, trazida por Suelaine Carneiro na publicação “Mulheres Negras e Violência Doméstica: decodificando os números”, foram produzidas ações conjuntas com institucionalidades que fazem o enfrentamento das violências e que atingem diferentes mulheres. Diante da aferição da necessidade de aprimoramento dos Enunciados, foi realizada uma revisão ampla, submetida à Assembleia Geral do XVI Fonavid. 

Por iniciativa do Fonavid, em conjunto com o Ministério das Mulheres e a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, foi constituído um grupo de trabalho visando estabelecer diretrizes para o procedimento de medidas protetivas de urgência. Essa inicial construção do grupo de trabalho, deu origem ao Fórum Nacional Permanente de Diálogo com o Sistema de Justiça sobre a Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006. O Fórum foi criado pela Portaria GM/Mulheres no 4, de 16 de janeiro de 2025, sendo composto por diferentes institucionalidades, “com o objetivo de fortalecimento, aprimoramento e operacionalização de mecanismos de prevenção, proteção e qualificação do acesso à justiça”.

A atuação conjunta e dialógica com o Consórcio Lei Maria da Penha e Acadêmicas do Projeto de Reescrita de Decisões Judiciais tornou possível a realização de ações, unindo o Fórum à academia. As ações desenvolvidas visaram aplicação da Lei Maria da Penha a partir da perspectiva do grupo de trabalho que elaborou a normativa, nos moldes da definição dada por Leila Linhares Barsted, no texto “O Avanço Legislativo contra a Violência de Gênero: a Lei Maria da Penha”. Na esteira dos apontamentos feitos por Carmen Hein de Campos, no texto “Desafios na Implementação da Lei Maria da Penha”, foi conferido enfoque à prevenção e proteção integral.

A perspectiva histórica e a importância para a construção dos direitos humanos das mulheres, levou à realização de entrevistas com mulheres reconhecidas pela atuação para a criação e implementação da Lei Maria da Penha. O projeto foi lançado no aniversário de 18 anos da normativa. As entrevistas podem ser consultadas no Spotify, sob o título Fonavid-Cast. A percepção da importância da história, igualmente levou à elaboração do e-book “Fonavid – histórias e memórias”. A intenção foi sistematizar a história do Fórum para que possa ser conhecida e divulgada.

Para além dos projetos desenvolvidos ao longo do ano, o Encontro Anual foi planejado levando em conta as mesmas perspectivas, trazendo as diferentes linguagens e a construção dialógica que marcou a atuação durante todo o ano. A programação foi elaborada a partir da compreensão de que a formação exige esforço metodológico próprio. As mesas de discussão foram estruturadas tendo como fundamento duas perguntas “O que é acesso à justiça?” e “O que é necessário fazer para superar os obstáculos ao acesso à justiça para mulheres em situação de violência?”. A ideia trazida para a estruturação do Encontro Anual do XVI Fonavid foi produzir questionamentos, estimulados frente a exposições dialogadas, aplicação da metodologia ativa e oficinas que pudessem contribuir para a qualificação do acesso à justiça. 

Os questionamentos realizados no Encontro Anual do XVI Fonavid, também foram estimulados com a arte, trazendo elementos que permitiram conhecer a história e as memórias de mulheres que contribuíram de forma significativa na construção dos direitos humanos das mulheres. 

A estrutura da atuação permitiu conhecer e reconhecer as diferentes realidades, tornando possível aferir os obstáculos ao acesso à justiça para mulheres em situação de violência. Com as reuniões realizadas, diferentes institucionalidades foram ouvidas e atuaram ativamente na construção do projeto que se concretizou. O espaço de escuta e de aprendizado conjunto trouxeram elementos complexos contextualizando aquela que é a realidade das violências. 

As premissas formuladas, direcionadas a um enfrentamento que vê na atuação coletiva a possibilidade de que a prevenção e a proteção integral se façam presentes, trouxe amplitude à atuação. A estruturação e as formulações apresentadas permitiram aferir que a atuação em rede possibilita enfrentamentos às diferentes formas de violência e qualifica o acesso à justiça.

A experiência do XVI Fonavid traz reflexões acerca da importância de articulações e as implicações de movimentos estruturantes produzidos a partir dessa matriz. A hipótese aqui lançada, de necessidade de atuação em rede, a teor da normativa e textos acima citados, encontrou amparo nos resultados produzidos. O enfrentamento das diferentes formas de violência, a teor da Lei Maria da Penha e da normativa internacional, impõe a todas e todos nós esse esforço para que consigamos uma vida digna e livre de violências para todas as mulheres.

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