A entrega de convite de casamento “em mãos” é ilegal?

11 de julho de 2012

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A pergunta é propositalmente provocativa com dois objetivos. Primeiro, despertar o interesse do leitor; segundo, apresentar de forma caricatural o cerne da questão que se pretende discutir: uma pessoa, física ou jurídica, quando entrega a sua própria correspondência viola a lei? Mais especificamente, é lícito a uma empresa concessionária de serviço público, por exemplo, de eletricidade, saneamento ou gás, entregar a fatura pela prestação de serviços com pessoal próprio, sem recorrer ao serviço prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT ou de quem quer que seja?

Essa dúvida ainda assombra as concessionárias pelo efeito das disputas judiciais patrocinadas pela ECT, a despeito de algumas decisões já transitadas em julgado desfavoráveis à própria ECT.

A ECT e as concessionárias de serviço público, públicas e privadas, têm travado também uma longa batalha nos tribunais em torno de uma questão relacionada, mas completamente distinta: as concessionárias podem entregar as “contas de água ou de luz” com pessoal terceirizado ou essa prática configuraria afronta ao monopólio postal?

Em torno dessa última discussão, sobre terceirização, a ECT argumenta que as concessionárias estariam infringindo a Constituição Federal – CF, que, em seu art. 21, dispõe que compete à União a manutenção do serviço postal, e a Lei nº 6.538/78, que garante o monopólio sobre os serviços postais à empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações, isto é, à própria ECT.

Constituição Federal

Art. 21. Compete à União:

X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

Lei no 6.538/78

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2o. O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

TÍTULO II

DO SERVIÇO POSTAL

Art.7o. Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento.

§ 1o. São objetos de correspondência:

a) carta;

b) cartão-postal;

Art. 9o. São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:

I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;

II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada;

§ 2o – Não se incluem no regime de monopólio:

b)–transporte e entrega de carta e cartão-postal, executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.

TÍTULO V

DOS CRIMES CONTRA O SERVIÇO POSTAL E O SERVIÇO DE TELEGRAMA

FALSIFICAÇÃODESELO,FÓRMULA DE FRANQUEAMENTO OU VALE POSTAL.

Art.42. Coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas.

Pena: detenção, até dois meses, ou pagamento não excedente a dez dias-multa.

TÍTULO VI

DAS DEFINIÇÕES

Art.47. Para os efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições:

CARTA – objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.

CARTÃO-POSTAL – objeto decorrespondência, de material consistente, sem envoltório, contendo mensagem e endereço.

CORRESPONDÊNCIA – toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta, através da via postal, ou por telegrama.

CORRESPONDÊNCIA AGRUPADA – reunião, em volume, de objetos da mesma ou de diversas naturezas, quando, pelo menos um deles, for sujeito ao monopólio postal, remetidos a pessoas jurídicas de direito público ou privado e/ou suas agências, filiais ou representantes.

Preliminarmente, observa-se que o legislador teve o bom senso de dirimir a dúvida formulada no título desse artigo. É evidente que a entrega de convite de casamento “em mãos” é legalmente permitido, como explicitado no inciso “b”, § 2o, art. 9o da Lei no 6.538/78. Em nossa compreensão, isso significa que o pai da noiva poderia delegar a amigos e familiares a entrega dos convites porque essa terceirização seria “eventual e sem fins lucrativos”.

Tentaremos demonstrar na sequência duas teses:

a) Qualquer pessoa física ou jurídica, uma concessionária de serviço público, por exemplo, pode entregar a sua própria correspondência sem fazer uso de serviço postal. Não havendo contratação de serviço postal, não há que se falar em violação de monopólio postal;

b) Uma fatura de concessionária de serviço público impressa no local em que o serviço é prestado não constitui correspondência e, portanto, sua entrega não está sujeita ao monopólio postal. Assim, a fatura de água ou de eletricidade, por exemplo, pode ser entregue ao consumidor diretamente por quem fizer a medição do consumo.

A ADPF 46 e o entendimento do STF

A Associação Brasileira das Empresas de Distribuição – ABRAED ajuizou no STF, em 2003, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF em face da ECT. Consignou-se na referida ação o objetivo de reparar lesão a diversos preceitos fundamentais contidos na CF. De acordo com a referida Associação, a ADPF se justificava ante a controvérsia decorrente da existência da Lei no 6.538/78 anterior à CF ora vigente e também por vários atos praticados pelo poder público, no caso a ECT. Após a promulgação da CF, várias empresas de distribuição de encomendas foram criadas, com autorização dos entes federativos (União, Estados e Municípios) para atender a demanda de logística. Nessa condição de legalidade, segundo a argumentação da ABRAED, suas associadas atuaram sem problemas em todo o Brasil, até que a ECT ajuizou ações cíveis e criminais sob o argumento de deter o monopólio postal de entrega de correspondências.

A Associação alegou que, após o ajuizamento das ações pela ECT, as empresas de distribuição de encomendas foram impactadas pela insegurança jurídica, pois o Poder Judiciário ora decidia no sentido da existência do monopólio postal, e determinava a suspensão das atividades dessas empresas, ora pela livre concorrência, mantendo a atuação das mesmas. Argumentou ainda que essas ações ofenderiam os princípios constitucionais da livre iniciativa, do livre exercício de atividade laboral e da livre concorrência (artigos 1o, inciso IV; 5º, XIII; 170, inciso IV – CF/88). Aduziu também inexistir o monopólio constitucional postal, como afirmado pela ECT, pois este seria uma exceção constitucional no Direito brasileiro e deveria estar enumerado no artigo 177 da CF, assim como as demais exceções aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.

A despeito dessas argumentações, o STF decidiu, em agosto de 2009, por maioria, o transcrito no quadro abaixo.

(…)

A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X].

4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1969.

(…)

6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal.

(…)

8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9o desse ato normativo.

(STF, ADPF 46 / DF, Julgamento:  5/8/2009, Publicação: 26/2/2010). Grifou-se

Observe-se que o STF decidiu que a ECT tem a exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. Mas não decidiu pela contratação compulsória dos serviços da ECT. A nosso juízo, a decisão do STF não impede que uma pessoa, física ou jurídica, opte por não contratar serviço postal algum e se incumba, ela mesma, do transporte e entrega de sua própria correspondência.

Por força da decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem declinado de julgar ações relacionadas ao monopólio postal da ECT, por entender que se trata de questão constitucional (por exemplo, quadro abaixo).

RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ECT. MONOPÓLIO POSTAL. LEITURA DE HIDRÔMETROS E EMISSÃO SIMULTÂNEA DAS FATURAS

1. O entendimento jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a discussão acerca do monopólio postal é matéria afeta ao Supremo Tribunal Federal.

2. Recurso especial não conhecido.

(STJ, REsp 1181493/ RS, julgado em 27/4/2010).

A nosso ver, o país  seria beneficiado caso o STJ reexaminasse essa posição à luz do entendimento de que na ADPF no 46 não se discutiu a questão da entrega por meios próprios; prática, inclusive, admitida na jurisprudência do próprio STJ e que não viola o monopólio do serviço postal. Todavia, caso o STJ persista em se manter afastado do assunto, seria muito importante que fosse criada oportunidade para uma decisão do STF, que certamente afastaria a presente insegurança jurídica. Insegurança que aumenta o custo da prestação dos serviços concedidos e que, ao fim e ao cabo, prejudica os consumidores, via majoração das tarifas.

Efetivamente, a tarifa postal que a ECT pretende cobrar das concessionárias de serviço público é muito maior do que custa a essas empresas realizar o serviço com funcionários próprios. Trata-se de fato surpreendente quando se leva em conta que, pelo efeito escala, seria de se esperar o contrário, isto é, maior eficácia da própria ECT. E não se imagine que as concessionárias fazem essas contas reservando as melhores áreas para si (maior densidade de consumidores) e as piores para a ECT (menor densidade). Não! Os cálculos foram feitos para a totalidade das áreas de concessão.

A legalidade da entrega das faturas por mão de obra primária

Algumas decisões sobre a possibilidade de entrega das faturas por mão de obra própria são anteriores ao julgamento da ADPF e se basearam na previsão contida no art. 17, alínea “n”, do Decreto no 83.858/79[1], que excluía do monopólio os casos de entrega pelo próprio concessionário.  Por exemplo:

ADMINISTRATIVO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. EXCLUSIVIDADE DO SERVIÇO POSTAL. ENTREGA DE CONTAS DE CONSUMO DE ÁGUA E AVISOS DE CORTE. ARTIGO 21, INCISO X, DA CF/88.

LEI 6538/78; DECRETO No 83.857/79

 1. A Constituição Federal, no artigo 21, inciso X, confere à União, com exclusividade, a responsabilidade pelo serviço postal e pelo correio aéreo nacional, tendo sido delegada à ECT a execução deste serviço, com exclusão dos particulares. Precedentes desta Corte.

2. A Lei 6538/78 define a abrangência do vocábulo CARTA, para efeitos de subsunção no monopólio postal, como “objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, comercial ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.

3. Os documentos entregues pela ré, na execução dos seus serviços, enquadram-se no conceito de cartas, e, portanto, submetem-se ao monopólio postal, atualmente assegurado à ECT, pois são comunicações escritas de interesse específico dos respectivos destinatários.

4. A exceção regulamentar, instituída pelo Decreto 83.587/89, em favor dos concessionários de serviços públicos, exige que a entrega dos avisos de vencimento e de corte seja efetuada pelo próprio concessionário, vedada a delegação a terceiros.

5. Recurso e remessa oficial desprovidos.

(AMS N. 199971070046335/RS – TERCEIRA TURMA – RELATORA JUÍZA FEDERAL TAIS SCHILLING FERRAZ – DJU DATA: 29/5/2002).

Visto com a ótica posterior à promulgação da CF, em 1988, o Decreto no 83.858/79 abre uma exceção onde, a rigor, não seria necessária exceção alguma. Isso porque, como já mencionado, qualquer um, e não apenas concessionário de serviço público, deve ter o direito de entregar a sua própria correspondência, inclusive “o aviso de cobrança relativo ao consumo de água, de energia elétrica ou de gás[2]”.

A legalidade da leitura e entrega simultânea das faturas

Desde o início dos anos 2000, as concessionárias estão investindo em tecnologias que inexistiam à época da edição dos diplomas legais que dispõem sobre o serviço postal e a sua execução, em regime de monopólio, pela ECT. Tais métodos possibilitam, por exemplo, que um eletricista execute múltiplas tarefas numa unidade consumidora: inspecione a segurança das instalações, efetue a leitura do medidor por meio de aparelhos eletrônicos equipados com impressora e, ato contínuo, emita a respectiva fatura e a entregue diretamente aos consumidores. Ainda, caso haja inadimplência ou fraude, execute o corte do serviço. É nosso entendimento que essa sistemática não se submete ao conceito de serviço postal, uma vez que não há o recebimento e o transporte das faturas até seus respectivos destinatários, mas sim a leitura dos medidores e a simultânea emissão das faturas. Como não há serviço postal, o eletricista que executa as múltiplas funções pode ser funcionário da distribuidora de energia elétrica ou de empresa especializada por ela contratada. Felizmente, o entendimento do Judiciário tem sido nessa mesma direção:

AGRAVO REGIMENTAL. SERVIÇO POSTAL. MONOPÓLIO DA UNIÃO. ENTREGA DE GUIAS DE IPTU E OUTROS TRIBUTOS. CONTAS DE ÁGUA E ESGOTO. ENTREGA POR PESSOAL PRÓPRIO DO MUNICÍPIO E DA AUTARQUIA. DOCUMENTOS QUE SE ENQUADRAM NO CONCEITO DE SERVIÇO POSTAL QUANDO ENVIADOS PARA A RESIDÊNCIA DOS CONTRIBUINTES OU CONSUMIDORES. VIOLAÇÃO AO MONOPÓLIO POSTAL DA UNIÃO. ARTIGOS 21, INCISO X, E 170 DA CONSTITUIÇÃO. EXCEÇÃO. ENTREGA DE FATURAS ÁGUA E NOTIFICAÇÕES DE DÉBITO VENCIDO SIMULTANEAMENTE À LEITURA DO HIDRÔMETRO COM EMISSÃO DA RESPECTIVA CONTA NO ATO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO MONOPÓLIO DA UNIÃO.

1. A Constituição Federal de 1988 deixou aberta a possibilidade de, através de lei ordinária, declarar-se uma atividade econômica como monopólio estatal, quando, no parágrafo único do art. 170, dispôs que o exercício de qualquer atividade econômica é livre, salvo nos casos previstos em lei.

2. Ante a ressalva do parágrafo único do art. 170 da CF/88, tem-se por recepcionado o Decreto-lei 509/69 e a Lei 6.538/78, que declaram ser a atividade postal monopólio da União, a qual exercida com exclusividade pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.

3. O Decreto no 29.251/51, que trata do regulamento dos serviços postais e de telecomunicações, em seu art. 36 define que carta é todo papel, mesmo sem envoltório, com endereço, comunicação ou nota de caráter atual e pessoal. Considera-se também carta todo objeto correspondência com endereço, cujo conteúdo só possa ser desvendado por violação, critério que foi adotado pelo art. 47 da Lei no 6.538/78, que adota “as seguintes definições: CARTA – objeto correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa social, comercial ou qualquer outra que contenha informação de interesse específico do destinatário.”

4. Não constitui afronta ao monopólio sobre o serviço postal da União a entrega de faturas de água e de notificação de débitos vencidos, desde que efetivados concomitantemente com a leitura do hidrômetro mediante a emissão da respectiva fatura, no local, por meio de coletor eletrônico equipado com impressora.

5. Viola, contudo, o monopólio da atividade postal exercida pela ECT a entrega de outros documentos do interesse da concessionária aos consumidores. Nesse caso, é inequívoca a efetivação de comunicação por meio de correspondência, pois o transporte e a entrega ao destinatário estão inseridos no conceito de serviço postal descrito no artigo 7o da Lei 6.538/78.

6. A entrega de guias para pagamento de tributos por parte do Município viola, da mesma forma, o monopólio da atividade postal exercido pela ECT, pois os atos realizados enquadram-se na definição de carta estipulada pelo Decreto 29.251/51.

7. Agravo regimental da SAAE improvido.

(AGRAC2005.38.00.002471-0/MG, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DJF1 p.208 de 15/8/2008). Grifou-se

Com a leitura e entrega simultânea da fatura, não há deslocamento geográfico e, portanto, é dispensável a entrega pela ECT. Inexiste aí um requisito fundamental para configuração do serviço público postal, já que não há transporte de correspondência. Ela é entregue no local em que é impressa. De maneira análoga, também não há violação ao monopólio da ECT quando o cliente se dirige a um “caixa automático” e obtém a impressão de um extrato de sua conta corrente bancária, ou quando o garçom de um restaurante entrega a conta ao cliente.

Todavia, também nesse assunto seria muito saudável um posicionamento do STJ porque, para além do limite do razoável, poder-se-ia argumentar, por meio de um raciocínio tortuoso e obviamente equivocado, que, como o art. 7o da Lei no 6.538/78 estabelece que “constitui serviço postal o recebimento, a expedição, o transporte e a entrega de objetos de correspondência…”, o exercício de qualquer uma dessas quatro etapas já se caracterizaria como serviço postal. Nessa linha de raciocínio, a simples entrega da fatura impressa na casa do consumidor, ou a conta do almoço pelo garçom, sem que tenha havido recebimento, expedição ou transporte, só poderia ser executado pela ECT. Trata-se de uma falácia porque, da mesma forma que o corpo humano é formado por cabeça, tronco e membros, o serviço postal é constituído pelos quatro componentes previstos em lei.

A preservação do princípio da modicidade tarifária

O serviço público deve ser prestado mediante a menor contrapartida possível, ou seja, a menor tarifa possível. Embora cada serviço público atenda necessidade diferente, não há preferência jurídica entre eles. Todos devem ser prestados de modo igualmente satisfatório, sem que nenhum prepondere sobre o outro. A ECT, embora preste serviço público na forma de monopólio, não está sujeita à regulação por agência reguladora[3], como ocorre, por exemplo, com o serviço de energia elétrica. Talvez isso explique a polêmica envolvendo de um lado a ECT e de outro as concessionárias de serviço público. Se as tarifas cobradas pela ECT fossem economicamente razoáveis, não haveria razão para não optar por fazer uso de seus serviços. Como não são, tornar mandatória a contratação da ECT significaria a imotivada transferência de recursos de um sistema de serviço público para o outro. Implicaria na majoração da tarifa de eletricidade, água e gás. Ainda que a contratação da ECT fosse mandatória (tese já contestada), o monopólio postal não se constitui em valor jurídico dotado de maior importância do que a modicidade tarifária dos serviços públicos.

Entender diferente é dar à ECT privilégio de um regime jurídico que acarreta a redução da amplitude e da qualidade dos demais serviços públicos. Como afirma o professor Marçal Justen Filho, em parecer para a Brasil Medição: “a ECT, ainda que seja titular de algum monopólio postal, não está investida na faculdade de exigir que a solução mais eficiente e satisfatória, mais racional e razoável, seja abandonada sob a mera justificativa de ampliar sua receita”.

Conclusões

As concessionárias de serviço público enfrentam diferentes restrições, em consequência de sentenças judiciais. A decisão do STF na ADPF no 46 não deve impedir, ao contrário, deve estimular que o Judiciário decida celeremente sobre essas ações com o propósito de afastar a insegurança jurídica que ainda cerca o assunto.

Ninguém é obrigado a utilizar o serviço postal. Assim, as concessionárias de serviço público podem utilizar mão de obra própria na entrega das faturas ou realizar, por força de nova tecnologia, a leitura e entrega simultânea das mesmas.

Aliás, não faria sentido econômico que um técnico a serviço de empresa concessionária de serviço público, que compareça à casa do consumidor para fiscalizar a segurança das instalações, medir o consumo e efetuar as conexões ou desconexões, por motivos técnicos ou comerciais, fosse impedido de também efetuar a medição do consumo e, ato contínuo, de entregar a fatura para o consumidor. Qualquer decisão contrária a essa prática operacional atentaria contra o princípio constitucional da eficiência na prestação do serviço público.


[1] Decreto 83.858/79

Art.17. É excluído do monopólio da União:

n) o transporte e a entrega de aviso de cobrança relativo ao consumo de água, de energia elétrica, ou de gás, quando realizados pelo concessionário do respectivo serviço público.

[2] O art. 17, alínea “n”, do Decreto nº 83.858/79, serviu apenas para dar maior clareza ao disposto na Lei 6.538/78. O Decreto foi posteriormente revogado (Decreto S/N de 15/2/1991– publicado no Suplemento do DOU no 32, Seção I, de 18/2/ 1991), mas a constitucionalidade da Lei 6.538/78 foi confirmada pelo STF.

[3] Entidade do Estado e não do Governo.