“A energia das mulheres é a da mudança”: Entrevista com a Juíza Federal Clara da Mota Pimenta

27 de fevereiro de 2019

Erika Siebler Branco Advogada, Diretora de Redação da Revista JC / Promotora de Justiça, Coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, Integrante do Conselho Nacional do Ministério Público

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Visando promover o debate sobre a participação de mulheres no Poder Judiciário, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) criou, em fevereiro de 2017, a Comissão Ajufe Mulheres. Além de combater o preconceito de gênero no ambiente de trabalho, o grupo, formado por homens e mulheres, incentiva a criação de políticas públicas que aumentam não só a participação do público feminino nas esferas judiciais, mas mudanças amplas que abracem todos os segmentos da sociedade.

Uma das fundadoras da Comissão, a Juíza Federal Clara da Mota Pimenta – que atualmente é diretora de relações internacionais da Ajufe – traz nessa entrevista os detalhes do trabalho desenvolvido pelo grupo.

J&C – Revista Justiça & Cidadania – Qual é a proposta da Comissão Ajufe Mulheres? Como ela foi criada?
Clara Mota Pimenta – A Comissão Ajufe Mulheres institui um fórum permanente para o debate sobre a participação feminina no Poder Judiciário, especialmente na magistratura federal, sobre quais são as políticas públicas no âmbito da Justiça que podem ser aplicadas às mulheres, como a gente aumenta a qualidade de vida, o bem-estar e a participação das mulheres no espaço público da nossa Instituição. Então, ela tem uma proposta ampla, que não está fechada, e que dialoga com todas essas variáveis.

J&C – O que o grupo já realizou para aumentar a representatividade feminina na esfera federal?
CMP – Inúmeras atividades. A primeira delas, em 2017, foi a realização do I Seminário Mulheres no Sistema de Justiça, momento em que, inclusive, foram celebradas e premiadas juízas, desembargadoras e ministras com forte importância na trajetória do Poder Judiciário Federal. Naquele primeiro momento, fizemos um início da construção da rede que hoje é uma rede ampla da Ajufe Mulheres Coordenação e Grupo de Apoio.

Em seguida, fizemos uma pesquisa ampla com as associadas da Ajufe para entender quais eram as demandas. Essa pesquisa gerou a nota técnica 01 de 2017, que consolida em documento diversas percepções que nós entendíamos como intuitivas das colegas, no sentido da existência de um teto de vidro, uma dificuldade em promoções por merecimento, sobretudo para tribunais; e ainda sobre dificuldades quanto à titularização e quanto à estrutura de carreira, que foi pensada e organizada a partir de uma lei de 1967, que não necessariamente se modernizou para se adaptar às necessidades contemporâneas. Nessa primeira nota técnica apareceu uma série de circunstâncias que, na opinião das associadas, evidenciavam, sim, a existência de machismo em âmbito institucional no Poder Judiciário Federal.

Após a nota técnica, a Ajufe Mulheres continuou trabalhando em diversos campos: ajudamos o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na edição da Resolução no 255/2018, ainda na gestão da ministra presidente Cármen Lúcia; produzimos notas a propósito da reforma da Previdência e da participação das mulheres; consolidamos o seu II Seminário; nos engajamos em diversos eventos públicos; participamos de inúmeras mesas redondas e dialogamos com a sociedade civil. Fomos à ONU Mulheres e estivemos em todos os âmbitos possíveis dentro do Poder Judiciário Federal para travar um diálogo sobre a participação feminina. O trabalho da Comissão nesse período foi trabalho frutífero, intenso, e se consolidou tanto interna quanto externamente. Acredito que é apenas o começo, que existe uma série de conquistas e de avanços que poderão ser feitos por meio do grupo Ajufe Mulheres. Seja trazendo mais juízes para dentro do movimento e dessa reflexão, seja ampliando o diálogo com a sociedade civil.

J&C – Qual é a importância de debater a representatividade feminina no Poder Judiciário?
CMP – É uma questão fundamental. Não porque signifique, em nenhuma medida, o estabelecimento de algum privilégio ou furo de fila. É justamente o contrário. A partir da lente de um grupo hoje dedicado à pesquisa e à reflexão das estruturas institucionais da nossa Justiça, podemos pensar em mudanças amplas, que abarquem todos os segmentos. A energia das mulheres é uma energia de mudança em torno de temas que são de interesse geral. Acima de tudo, debater a participação feminina e a democracia no Poder Judiciário é fundamental para a construção do nosso futuro. É debater quais são as estruturas que devem ser mantidas e quais devem ser modificadas, debater como esse espaço público tem sido ocupado, de forma a sintonizá-lo com o contingente nacional brasileiro. É refletir sobre panoramas muito amplos e relevantes para que tenhamos uma configuração de Poder Judiciário absolutamente sintonizada com o viés inclusivo da nossa Constituição.

J&C – No ano passado, o CNJ aprovou resolução que diz respeito à participação de mulheres nos órgãos do Poder Judiciário. Como a Ajufe tem contribuído com o grupo de trabalho que discute o tema?
CMP – A Ajufe participa muito ativamente do grupo de trabalho do CNJ, instituído por força da Resolução no 255/2018. A nossa entidade, representada pela Vice-Presidente na 4a Região, Patrícia Panasolo, tem se engajado em pesquisas e estudos que vão levar a ações concretas que signifiquem a fiscalização e implementação da Resolução.

É importante deixar claro que a Resolução é um marco histórico, é nosso primeiro ato normativo interno que reconhece a necessidade de uma política pública nacional de incentivo à participação feminina. O grupo trabalha com vetores que foram muito demarcados pela Ajufe Mulheres, como a participação de mulheres em bancas de concurso – esse é um estudo que fizemos da realidade da Justiça Federal e que entrou na Resolução – reconhece a necessidade de que estejamos presentes nos eventos acadêmicos e científicos levados a efeito no âmbito do Poder Judiciário; e fala também dos cargos de chefia, das posições de poder, que é tema que toca exatamente na questão da inclusão e democratização tratada no tópico anterior.

É importante ressaltar a importância fundamental da Conselheira Maria Tereza Uille Gomes na formulação e na relatoria desse ato normativo junto ao CNJ. Ela que também compõe, assim como a Conselheira Iracema Vale, esse grupo de trabalho do CNJ. São duas fortes apoiadoras, idealizadoras e realizadoras dos projetos que têm como foco a participação feminina no Poder Judiciário.

J&C – Levantamento realizado pela Ajufe em 2017 revelou que 86% das magistradas entrevistadas consideram baixa a representatividade feminina. Quais são os desafios existentes?
CMP – O que colhemos ali foi uma impressão subjetiva. É a visão das nossas associadas sobre como elas se sentem em termos de inclusão e de democracia no Poder Judiciário, e a sensação delas é de uma participação ainda baixa. Essa percepção confirma tanto os dados colhidos pelo Censo Nacional do Poder Judiciário, quanto o último levantamento demográfico divulgado pelo CNJ em 2018, que trazem uma participação feminina de aproximadamente 30%. Uma nova pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (leia a matéria da página 64) revelou um decréscimo de participação feminina. Com alguns fluxos e contrafluxos, o que podemos dizer é que aquela participação colhida intuitivamente nos depoimentos de 2017 é uma informação que se mantém, porque não tem havido avanços progressivos ou consistentes nessa participação. Acima de tudo, não temos assistido uma mudança de arranjos institucionais para reforçar e acarretar a manutenção no teto de vidro que nós diagnosticamos. Ou seja, ainda que essa participação, no primeiro grau e na base, seja da ordem de 30%, ela tende a decair para 20% nos tribunais e até menos quando se trata das cortes superiores.

J&C – Quais são os projetos futuros da Comissão Ajufe Mulheres?
CMP – Incluem a divulgação da segunda nota técnica produzida pelo grupo, a partir de relatório produzido pela pesquisadora Veridiana Campos, a propósito de inúmeros dados que foram encaminhados pelos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) para o Conselho da Justiça Federal (CJF) a pedido da Comissão. Ela vai apresentar análise desses dados, que compreendem o número de mulheres que fizeram os concursos, que se promoveram para a titularização por merecimento ou por antiguidade, o numero de mulheres promovidas para os tribunais e uma série de outros dados objetivos fornecidos pelos TRFs. Além disso, a Comissão deve promover seu evento anual no início de abril, em Brasília, nos dias 1o e 2. Vai também apoiar evento sobre representatividade feminina organizado pelo CNJ, além de apoiar a regionalização do trabalho sobre equidade de gênero, o que já existe hoje através da Rejufe Mulheres (Regional da 5a Região), e de visitas permanentes aos cinco TRFs. A previsão é de um ano de intenso trabalho, de continuidade ao fomento de políticas públicas que já são apoiadas pela Comissão Ajufe Mulheres e de contínua coleta de novos dados para que os panoramas sobre a situação das mulheres na magistratura sejam cada vez mais sólidos. Temos apoio da Diretoria da Ajufe para consecução desse trabalho e total engajamento das juízas que fazem parte tanto do grupo de coordenação quanto do grupo de apoio.

 

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