A composição dos tribunais superiores

31 de dezembro de 2009

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A composição das cortes superiores é uma preocupação antiga da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Logo que tomei posse como presidente da entidade com o maior número de magistrados do mundo — que congrega mais de 13 mil juízes de todas as áreas e instâncias —, em 12 de dezembro de 2007, denunciei que o acesso aos tribunais superiores merecia uma discussão mais aprofundada. Naquela época, afirmei que o atual modelo de recrutamento, pautado, sobretudo, em critérios de conveniência política, está em descompasso com os princípios democráticos e com o ideal republicano, além de não refletir adequadamente o sistema de freios e contrapesos informador da relação entre os Poderes da República, que deve ser sempre de independência e harmonia.
No que diz respeito especificamente à ascensão ao Superior Tribunal de Justiça, a Magistratura de carreira encontra-se em total desprestígio, pois atualmente os membros oriundos da Advocacia e do Ministério Público ocupam mais da metade das vagas na referida Corte, reflexo do forte trânsito e capacidade de articulação política que caracteriza os integrantes do quinto. A continuar assim, é possível antever que, dentro em breve, chegaremos ao paradoxo de não termos magistrados de carreira integrando os tribunais superiores.
A Lei Federal nº 7.746, de 30 de março de 1989, estabelece as regras para a composição do STJ. De acordo com a legislação, o STJ é composto por 33 ministros nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de 35 anos e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Um terço dos 33 ministros deve ser juízes dos Tribunais Regionais Federais e 1/3 desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo Superior Tribunal de Justiça. O restante das vagas (o outro 1/3) é destinado a advogados e membros do Ministério Público.
Ainda que não possa haver qualquer distinção entre os desembargadores dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais, há duas espécies de desembargadores em relação à origem dos mesmos: magistrados de carreira e egressos do quinto constitucional. E a referida lei não determina de forma explícita que a indicação de desembargadores para a lista tríplice deve observar, obrigatoriamente, a origem da carreira. Assim, membros da Advocacia e do Ministério Público, que já têm 1/3 das vagas ao STJ garantidas por lei, acabam sendo indicados também às vagas destinadas aos membros da Magistratura de carreira. Dessa forma, são abertas aos advogados e membros do MP duas portas de acesso ao STJ.
Em função disso, atualmente, quatro das 22 vagas reservadas para a Magistratura de carreira no STJ são ocupadas por magistrados do quinto. A AMB entende que apenas aqueles juízes aprovados em concurso público, que avançaram na carreira de forma lenta e gradual e foram promovidos por merecimento ou antiguidade deveriam ser candidatos ao STJ nas vagas reservadas aos desembargadores dos Tribunais de Justiça e Regionais Federais. Muitos juízes não almejam o STJ, mas gostariam de ser representados por um magistrado de carreira.
Na tentativa de impedir tão grave quadro, a AMB ajuizou, em 20 de maio de 2008, junto ao Supremo Tribunal de Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4078, questionando o inciso I do artigo 1º da Lei 7.746/89, que determina que 2/3 das vagas sejam preenchidas por desembargadores estaduais e federais, sem especificar que eles devem ser magistrados de carreira. Com a ação, exigimos que seja observada a origem do magistrado na nomeação de ministros ao STJ para dar fim ao desequilíbrio entre os de carreira e os egressos do quinto.
Enquanto não é observada a origem da carreira no recrutamento de desembargadores estaduais e federais para a composição do STJ, a indicação de advogados e membros do MP exige conceitos subjetivos de notável saber jurídico e conduta ilibada assim como dez anos de atividade ou exercício da função como pré-requisitos para os que desejarem compor as listas de indicação.
Sem exigir o mesmo dos candidatos a preencher uma das vagas da Magistratura de carreira, parece estar óbvio ao legislador que o juiz promovido ao cargo de desembargador percorreu longo caminho no Tribunal. De fato não se tem registro no Brasil, depois da Constituição de 1988, de ascensão ao 2º grau de juiz com menos de dez anos de carreira. Mas o mesmo não acontece com os oriundos do quinto, que chegam aos tribunais já como desembargadores o que, em tese, os coloca como potenciais candidatos à lista. Dessa forma, a aprovação em concurso, que deveria ser uma vantagem, acaba sendo prejudicial ao juiz de carreira que almeja a ascensão ao STJ.
Para a AMB, o certame para escolha dos integrantes do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Corte de mesmo nível hierárquico do STJ, é um exemplo a ser seguido, já que o critério da origem de seus membros vem sendo rigorosamente observado. No caso do TST, a Constituição Federal é explícita ao afirmar em seu art. 11, inciso I, que os 2/3 das vagas destinadas à Magistratura na composição do Tribunal devem ser preenchidos por “magistrados de carreira”. A preocupação era justamente impedir que o TST pudesse, em algum momento, ser formado exclusivamente por juízes egressos do quinto e das outras classes representadas na Justiça do Trabalho.
A preocupação da AMB não é somente com o STJ, mas a entidade também busca democratizar o acesso ao Supremo Tribunal Federal (STF). No último dia 12 de novembro, a entidade protocolou no Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição (PEC) assinada pelo Deputado Vieira da Cunha (PDT-RS) que propõe mudanças nos critérios de escolha dos ministros da Suprema Corte. O objetivo da AMB é estabelecer regras objetivas para fundamentar a indicação do Executivo para a Corte máxima do país e reduzir o componente político da escolha.
A PEC estabelece, entre outros critérios, a idade mínima de 45 anos para os indicados a ministro do STF e 20 anos de atividade jurídica. Eles comporão uma lista sêxtupla, elaborada pelos próprios ministros do Tribunal, que será submetida à escolha do Presidente da República. O nome eleito pelo Chefe do Executivo terá, ainda, que ser aprovado por 3/5 dos votos do Senado Federal, tanto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quanto no plenário. Entre os nomes da lista sêxtupla deverá haver, no mínimo, 1/3 de magistrados de carreira.
Mais do que defender prerrogativas da Magistratura brasileira, a AMB pretende contribuir para o aperfeiçoamento da credibilidade do Judiciário com a apresentação da PEC ao Congresso Nacional e da ADI ao Supremo.