A arte e a estratégia de comunicar

5 de outubro de 2003

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Jack Welch, o ex-chairman da Ge, ainda hoje perde o sono quando lembra o encontro com um jornalista da revista Monogram, editada pela própria corporação. Corria o ano de 1969 e ele acabava de ser promovido gerente-geral da área de plásticos. Welch se gabou o tempo todo e chegou ao extremo de dizer que o negócio de plástico crescera mais no primeiro ano da sua gestão do que nos “dez anos anteriores”.

Na sua autobiografia, fez dolorosa autocrítica: “Que imbecil eu fui – tão extasiado comigo mesmo. Sem qualquer consideração pelos meus antecessores como líderes do negócio, proclamei que quebraríamos todos os recordes de vendas e de lucros. Quem leu o artigo deve ficar muito chocado. Felizmente, eu voava abaixo do radar, ainda imperceptível pela burocracia da GE”.

Os jornais estão repletos de histórias como a de Jack Welch, que viria a ser o executivo mais famoso do mundo nas últimas duas décadas do século 20. Há pessoas que quando falam destroem mais do que constroem. Não são apenas empresários. São políticos, líderes de classe, juristas, enfim, uma galeria extensa. Geralmente bem intencionadas, com mensagens importantes a transmitir, mas que tropeçam nas palavras e nas idéias quando se encontram diante de um jornalista.

Por isso, o mídia training está se tornando uma prática muito comum, sinônimo de cultura da comunicação. É um caminho seguro para atualizar permanentemente a compreensão que os formadores de opinião, em diferentes categorias, precisam ter com relação à mídia.

No Brasil dos dias atuais, a cultura de comunicação vem ganhando força. O Governo Federal, por exemplo, tem feito enorme esforço para treinar seus porta-vozes. Prefeituras como a de São Paulo e Governos Estaduais trilham o mesmo caminho. Mais do que o quarto poder, a mídia é o próprio poder. Quem entende das suas entranhas, personalidades, valores e ritmo de produção certamente amplia sua capacidade de influenciar decisões na sociedade. Isto porque a mídia está no centro de tudo.

Não é só. No caso brasileiro, que a mídia é mais do espelho da opinião pública. É um emblema maior da liberdade de exercício da cidadania. Funciona como uma espécie de mediador de tensões e conflitos. Portanto, entender de mídia não é um luxo, nem uma sofisticação. É uma necessidade.

Faço esses comentários para introduzir o tema do relacionamento do Poder Judiciário com a mídia. Certamente, não existe nada mais vital para a modernização brasileira que o judiciário. Graças aos avanços da lei, a democracia tem se consolidado. É pelos parâmetros legais que a mídia avalia e defende posturas éticas.

Contudo, porta-vozes judiciário as vezes invertem os sinais da comunicação e constroem polemicas que poderiam perfeitamente ser evitadas se houvesse compreensão da forma singular com que funciona a mídia. Ou melhor, polêmicas que poderiam se colocadas no caminho certo expondo de forma substantiva posicionamentos legítimos ou, no mínimo, indispensáveis ao saudável debate democrático.

O tema da recente greve do judiciário serve de metáfora para contradições fora do lugar e do sentido da convergência que pode ser cultivada, com benefícios ainda maior para a imagem e reputação do judiciário. O desafio é aceitar que comunicação é política. E, por ser um ato político, exige visão estratégica.

É impossível dissociar uma face da outra. Ambas estão intimamente interligadas. Quando a cultura de comunicação é sólida, se torna mais fácil fazer a sensibilidade da razão preponderar sobre as naturais emoções das adversidades. Quando a cultura de comunicação é embrionária, a falta de conhecimento técnico muitas vezes embaça a sensibilidade política. E é exatamente ai que mora o perigo. Não no relacionamento com a mídia. Mas no relacionamento com a sociedade é que a razão de existir da imprensa

Rui Barbosa foi jornalista. Sua vida neste campo foi tão notável quanto a sua vida como jurista, advogado e homem público. Dizia que de “todas as liberdades é a de imprensa a mais necessária e a mais conspícua: sobranceira e reina entre as mais. Cabe-lhe pela sua natureza, a dignidade inestimável de representar todas as outras”. Sendo assim nada mais natural do que compreender e absorver a cultura da mídia para, por este caminho, lançar pontes construtivas na direção da sociedade.

Aqueles que agem assim tendem a favorecer, sempre, a resultados práticos e muitos positivos. Ainda existe muita incompreensão quanto ao trabalho de comunicação nas corporações, no poder público e nas entidades de classe. Por alguma razão inexplicável, se imagina que é um trabalho fácil, capaz de ser feito sem planejamento e com rapidez de um relâmpago. Errado. Feito nessas condições, a comunicação não passará de um exercício extenuante – um simulacro de conteúdo, um simulacro de consistência, um simulacro de sabedoria.

Se bem entendido, o mídia-training será sempre um passo renovador. Não apenas no relacionamento com a mídia, mas no relacionamento com a sociedade, o relacionamento maior onde se encontra a verdadeira fonte da democracia.

NOTA DO EDITOR

A matéria do autor do livro “ De cara com a Mídia” o publicista Francisco Viana,  versando sobre COMUNICAÇÃO COORPORATIVA, RELACIONAMENTO E CIDADANIA, é de alta importância para diretores e  chefes de órgãos governamentais, e em especial, para os dirigentes dos Poderes Judiciários, que se vêem constantemente as voltas com jornalistas, que formulam questões que se pegarem o interlocutor desprevenido e despreparado, poderá causar conflitos e constrangimentos, o que ocorre constantemente.

Esta é a razão da importância do livro do jornalista Francisco Viana, que com uma leitura leve e escorreita aborda assuntos de grande oportunidade e de alta contentação.