A Anistia e os Direitos Humanos

5 de outubro de 2004

Conselheiro-Substituto do Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

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Ao completarem-se os vinte e cinco anos da lei de anistia, de 1979, deve-se ter em mira a revisão das linhas de comunicação, sobretudo, as que orientam as políticas de direitos humanos, com o escopo de aperfeiçoar as instituições públicas, no Estado Democrático de Direito. Cabe salientar, o Brasil constitui-se em uma República Federativa e, no plano das relações externas, não desconsidera as orientações do Direito Internacional Público e o Direito Humanitário. Diante das tarefas a que é chamado o Governo Federal, sem excluir as formas de participação da sociedade civil, o instituto da anistia política vem situar-se entre os preponderantes.

O instituto da anistia, como se sabe, não é uma criação do direito brasileiro. No seio da sociedade brasileira, porém, algumas confusões semânticas, de certo modo, justificáveis a partir da Lei nº. 6.683, de 28 de agosto de 1979. Ao amparo desta tentativa inaugural os beneficiários da norma obtiveram um razoável ganho político. O intento, muito claramente, mais favoreceu ao processo de democratização que ao pleito de cada um daqueles que retomariam as suas atividades regulares, ainda sob as restrições, em face do desgaste do regime militar de 1964.

A partir da Emenda Constitucional n° 26 de 1985, no esforço de convocação da Assembléia Nacional Constituinte, vieram avanços não contemplados pelas reparações anteriores. Com a Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, a trilha destes benefícios está, em definitivo, demarcada, a partir das disposições expressas no art. 8° e parágrafos 1º a 5°, e art. 9°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para se, consolidar a proposta em razão da qual é cometida ao intérprete a aplicação da norma jurídica fundamental. Assim, a Medida Provisória n° 2.151, de 2001, em três versões, sucessivas, é revogada pela Medida Provisória n° 65, de agosto de 2002, para converter-se no texto da Lei n° 10.559, de 13 de novembro de 2002.

O movimento pela anistia evidenciou-se, à luz dos princípios reitores da ordem jurídica produzida pelo esforço da inteligência nacional, como o marco inarredável, com o objetivo nitidamente democrático, cujos resultados residem no compartilhamento e na concórdia. Quando o sentido prático das soluções avistadas é revisado, com a força do recolhimento e a ajuda da memória, a imagem inicialmente concebida é refeita, sem apoio, muitas vezes, na consistência dos fatos. O breve comentário não traduz, por certo, todo o conjunto das questões que a um só tempo se ligam ao instituto da anistia política, como um direito e uma das liberdades públicas fundamentais.

De outra parte, é importante observar a tipologia documental da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, que se compõe, basicamente, de Processos de pedidos de indenização formulados pelas pessoas que foram impedidas de exercer atividades econômicas por motivação exclusivamente política desde 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988. Sabe-se que existem, hoje, cerca de 45 mil pedidos. No entanto, para que se restaure, de forma eficiente, a memória nacional, um dos marcos vai além do esforço exclusivo da Comissão de Anistia, tendo em consideração que as informações dos processos constituem-se como o núcleo de fonte primária e preciosa de dados históricos e subsídios, para os estudos históricos da repressão política no país.

Refira-se à criação de uma unidade específica, para atuar na prestação de um serviço, qual seja, reunir o acervo histórico e documental com o objetivo de tratar e dar acesso à estas informações, com o sustento na Lei n° 8.159, de 8 de janeiro de 1991, em contato com o Arquivo Nacional, para a preservação da memória dos temas afins.

De outra parte, subjacente ao drama dos anistiados políticos, a disputa que se configura a partir da tragédia dos mortos e desaparecidos políticos, originária da mesma causa, cujo clamor resultou na Lei n° 10.536, de 10 de agosto de 2002. Mas, esta não será a única controvérsia.

De toda sorte, a luta em favor da anistia acresce de interesse, no rumo da consolidação do processo democrático, não apenas em nosso território nacional, sendo de destacar, nos marcos dos direitos humanos, o inegável aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos internacionais, de que o Brasil é signatário, entre os quais figura a anistia, de modo imperecível.