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As provas técnicas e as decisões judiciais

11 de setembro de 2012

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Já tive oportunidade, anteriormente, de demonstrar a insuficiência e ineficiência de laudos técnicos que, quiçá por açodamento ou desídia – eis que prefiro não supor que possa haver venalidade por parte

de alguns Peritos –, dificultam, quando não impedem, um julgamento justo.

Embora não se deva generalizar, é certo que, ao examinar recursos venho identificando fraqueza nas provas técnicas produzidas, em especial em laudos de local de acidente de trânsito.

Em artigo anterior, neste mesmo órgão de imprensa, demonstrei que, nos crimes de violação de direitos autorais, inúmeras vezes inexiste punição em razão dos laudos não lograrem confirmar devidamente a materialidade dos crimes.

O mesmo vem ocorrendo, também, no concernente aos laudos de local nos delitos de trânsito.

Há Peritos que se contentam, tão somente, em ouvir uma das partes e, em cima de tais declarações elaboram os laudos, sem que levem em conta não só a palavra de outros envolvidos, como as condições de local onde o infausto evento ocorreu, sequer calculando a velocidade dos veículos envolvidos ou as condições de segurança deles.

Querem, somente, fazer – e mal – o seu “trabalho” (sic) e dane-se se alguém vier a ser prejudicado.

Não se olvide que nesse tipo de delito, em geral de natureza culposa, de regra existem processos que, em razão do que consta da prova técnica, podem vir a ser condenados judicialmente não o verdadeiro autor do crime, mas sim vítimas que – do que se dessumir daquela prova –, poderão ou não vir a  sofrer as sanções legais, isentando-se o verdadeiro causador do dano.

Repito.  Sequer estou querendo supor ou mesmo pensar em hipóteses nas quais alguns deles possam ter sido subornados para elaborar um laudo que favoreça alguma das partes.  Principalmente quando há empresas envolvidas.

Nos delitos de trânsito, principalmente quando existam vítimas, fatais ou não, é necessário que os Srs. Peritos ajam de forma diligente e minuciosa, até para facilitar ao Juiz o exame da prova.

Lamentavelmente não é isso que vem ocorrendo e eu, em razão disso, como Relator de recursos criminais, venho sendo obrigado por vezes a criticar laudos periciais de local em acidentes de trânsito e, certamente, da mesma forma devem estar fazendo outros colegas.

Vejamos alguns exemplos:

DELITO DE TRÂNSITO – ART. 302 DA LEI No 9.503/97 (TRÊS VEZES) N/F DO ART. 70 DO CÓDIGO PENAL – COLISÃO ENTRE UMA CARRETA E UM AUTO VW-GOL CONDUZIDO PELA APELANTE – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO DEFENSIVO – CONDENAÇÃO QUE BASEOU-SE EXCLUSIVAMENTE NO RELATO DO CONDUTOR DA CARRETA E DE LAUDO TÉCNICO PARCIAL E INCOMPLETO, QUE TAMBÉM BASEOU-SE APENAS NAS DECLARAÇÕES DO CAMINHONEIRO, SEQUER OUVINDO, AINDA QUE POSTERIORMENTE, A VERSÃO DA APELANTE – VERSÃO DA APELANTE NO INTERROGATÓRIO CORROBORADA POR TESTEMUNHA EM JUÍZO, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO – LAUDO FALHO QUE SEQUER SE PREOCUPOU EM ATESTAR A VELOCIDADE DOS AUTOS ENVOLVIDOS NO ACIDENTE E QUE NÃO EXAMINOU O VEÍCULO VW-GOL “EM RAZÃO DAS AVARIAS” SOFRIDAS – CARRETA QUE ABALROOU POR TRÁS O AUTO DE PASSEIO E CUJA VELOCIDADE  DEVERIA SER EXCESSIVA EM RAZÃO DOS DANOS CAUSADOS AO AUTOMÓVEL – PROVAS INSUFICIENTES PARA SUSTENTAR A CONDENAÇÃO IMPOSTA – REFORMA DA SENTENÇA PARA ABSOLVER A APELANTE COM FULCRO NO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – PROVIMENTO DO APELO.

Apelação no 0000906-90.2007.8.19.0017 – 2a Câmara Criminal TJERJ – Relator Des.  Antonio José Carvalho, Julg. 17/7/2012 – Unânime.

Nessa hipótese, o Sr. Perito elaborou um laudo em que, além de não falar das condições do local ou da velocidade, sequer  aproximada, dos veículos envolvidos e de declarar que o veículo abalroado, cuja condutora, pasmem, veio a ser condenada no Juízo a quo, estava “sem condições de exame face ao montante das avarias.”

E, mais, ouvido em Juízo, sob o crivo do contraditório, teve o desplante de afirmar que elaborara o malsinado laudo baseado, tão somente, no relato do motorista da carreta que, como visto, foi o verdadeiro ocasionador do acidente.

Mas há outros casos em que os laudos periciais, em processos relativos a delitos de trânsito podem ter decisões diversas pela deficiência dos profissionais que elaboram os laudos.

EMENTA – DELITO DE TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – LAUDO TÉCNICO POUCO ESCLARECEDOR – PROVA ORAL INCONSISTENTE – VÍTIMA QUE PROCUROU ATRAVESSAR VIA PÚBLICA DA DIREITA PARA A ESQUERDA, EM LOCAL SEM FAIXA DE PEDESTRES – PROVAS INSUFICIENTES PARA SUSTENTAR A CONDENAÇÃO – SENTENÇA MANTIDA – APELO MINISTERIAL DESPROVIDO

Apelação no 0022154-89.2009.8.19.0002, 2a Câmara Criminal TJERJ – Relator Des.  Antonio José Carvalho, Julg. 15/03/2012 – Unânime.

Nesse caso, a decisão teve que ser tomada exclusivamente baseando-se nas provas orais coligidas, em razão das graves deficiências na elaboração do laudo do local.

Também em razão do laudo elaborado, que deixou margem para grandes dúvidas, assim, também, fomos obrigados a decidir:

EMENTA – DELITO DE TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – ART. 302 DA LEI No 9.503/97 – COLISÃO DE VEÍCULOS EM ESTRADA DE MÃO DUPLA – CUR­VA SINUOSA E DEPRESSÃO NA PISTA – ESTRADA COM CONSERVAÇÃO PRECÁRIA – VELOCIDADE INDETERMINADA DOS VEÍCULOS PROVA ORAL CONTRADITÓRIA – INCERTEZA QUANTO A QUAL DOS DOIS MOTORISTAS INVADIU A PISTA NA CONTRAMÃO DE DIREÇÃO – REFORMA DA SEN­TENÇA PARA ABSOLVER O APELANTE COM FULCRO NO ART. 386, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – APELO VOLUNTÁRIO DEFENSIVO PROVIDO.

Apelação no 0002789-36.2004.8.19.0063 (2007.050.00002), 2a Câmara Criminal TJERJ – Relator Des.  Antonio José Carvalho, Julg. 15/03/2012 – Unânime.

Veja-se que, com relação aos fatos que deram origem ao processo acima mencionado, após a elaboração do laudo de local, o Sr. Perito em Juízo prestou depoimento o qual permitiu conclusões diversas daquelas que havia ele relatado no laudo: … que o veículo do acusado pode ter invadido a contramão por vários motivos… “ (fl. 89 daquele processo)

Não disse ele que o acusado invadiu.  Afirmou que poderia ter  invadido.

Além disso, afirmou existir no local uma deformação na pista e que “a maioria dos veículos desviavam da deformação” porque “não era prudente passar pela deformação (fl. 89).

Por que nada disso faz constar do laudo?

Necessário se faz, e com urgência, que os Srs. Peritos passem a trabalhar com maior denodo e a elaborar os seus laudos com os detalhes necessários e que possam permitir aos julgadores uma análise coerente dos fatos para descobrir a verdade real e prolatar suas decisões.

Devem eles se imbuir do sentimento de que, não o fazendo, não só poderão ser responsáveis pela condenação de inocentes e, ao revés, por deixar culpados em liberdade, como também por impedir que, na área civil, justiça seja feita às vítimas através das ações indenizatórias.