Edição 23
“Violação do Direito Autoral na Internet e o Fair Use – MP3 – NAPSTER- GNUTELLA”
5 de abril de 2002
João Carlos Muller Chaves Advogado especializado em Direito Autoral
Penso que a primeira observação a ser feita e no sentido de que a INTERNET não e senão um novo caminho, uma nova via para a utilização de obras intelectuais. Em si, ela e juridicamente neutra, trata-se apenas de uma nova tecnologia, como o foram a fonografia, o cinema, a fotografia, a televisão etc.
Diante de um fato novo, de uma nova tecnologia, ha duas atitudes a serem tomadas: ou se lhe aplicam as normas gerais já existentes, ou se elaboram regras novas, especificamente voltadas para aquela situação. Ambas apresentam vantagens e defeitos. Aplicando-se sempre as normas gerais, por meio de interpretação, corre-se o risco das interpretações divergentes, fragmentarias, o que vai de encontro a segurança jurídica. A opção pela legislação nova freqüentemente conduz a elaboração apressada, e ao risco de se considerar que as situações não previstas escapam a norma legal, como parece ter ocorrido, com alguns, no caso do NAPSTER.
A solução parece estar, como quase sempre, no meio: a progressiva atualização da legislação, sem perder de vista os princípios gerais.
Assim procedeu a comunidade internacional no caso do Direito de Autor, cujo texto básico, a Convenção de Berna, de 1886, foi sendo revisto a cada 20 anos, mais ou menos, ate a revisão de Paris, em 1971, período durante o qual se encontraram respostas para novos desenvolvimentos tecnológicos como a fonografia, a cinematografia, o radio e a televisão.
A partir de então, a comunidade internacional seguiu um rumo que foi chamado “desenvolvimento orientado”, conforme afirma o ex-Diretor Geral Assistente da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, o Dr. Mihaly Ficsor, em trabalho intitulado “Direitos de Autor na Era Digital- Os Tratados da OMPI sobre a INTERNET” – Recomendações, princípios e disposições-modelo adotados por diferentes órgãos da OMPI ofereceram subsídios aos Governos Nacionais para enfrentar novidades tais como a cópia privada, a televisão por satélite e a televisão a cabo.
No final da década de 80, porem, a comunidade internacional chegou a conclusão de que novas regras eram necessárias. Comitês de Peritos Governamentais foram, então, convocados pela OMPI e, ao cabo de mais de seis anos de trabalhos, uma Conferencia Internacional adotou dois Tratados: O Tratado da OMPI sobre Direito de Autor e o Tratado da OMPI sobre Interpretação e Execução e Fonogramas. O primeiro deles guarda um claro vinculo com a Convenção de Berna, posto que e exclusivamente voltado para os direitos de autor, enquanto o segundo mantém relação com o Convenio de Roma, de 1961, dedicado aos chamados direitos conexos, ou seja, os direitos dos artistas interpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão. Criam, os Tratados, diretos novos? A exceção dos artigos 11 e 12 do Tratado sobre Direitos de Autor e dos artigos 18 e 19 do Tratado sobre Interpretações e Execuções e Fonogramas, praticamente não.
Se considerarmos que o direito de distribuição, como espécie do gênero maior “direito de reprodução”, já vinha sendo reconhecido, compreendendo, inclusive, o direito de aluguel, de fato os “direitos novos” estão contidos nos artigos 11 e 12 e 18 e 19 acima referidos. Pelos artigos 11 e 18, autores e titulares de direitos conexos, respectivamente, gozarão de proteção jurídica adequada contra ações de elidir as medidas tecnológicas que sejam usadas com relação ao exercício de seus direitos e que restrinjam atos que não estejam por eles autorizados, ou que não sejam permitidos por lei. Isso significa – e é novo – que o uso de algum dispositivo que impeça o funcionamento de um sinal colocado em uma gravação fonográfica, por exemplo, para obstar sua cópia, constitui uma violação de direito autoral.
Do mesmo modo, em razão dos artigos 12 e 19 dos dois tratados, constitui infração a inutilizarão de qualquer informação relativa a gestão de direitos, ou seja, aqueles sinais eletrônicos inseridos em gravação (suportes) ou transmissões que permitem identificar autor, artista, produtor fonográfico etc., facilitando a distribuição dos direitos devidos pela utilização de obras e produções. O ilícito alcança, também, quem importa ou distribui os dispositivos proibidos.
Essas disposições dos Tratados OMPI fazem parte daquilo que veio a ser chamado “agenda eletrônica ou digital”, ou seja, regras destinadas especificamente a aplicação no ambiente da Internet.
Um outro ponto, e sumamente interessante, faz parte da agenda digital. Sua compreensão exige um curto histórico. Basicamente, os direitos de propriedade intelectual estão compreendidos em duas vertentes principais: O direito de reprodução (do qual deriva a expressão anglo-saxônica “copyright‘) e o direito de comunicação ao publico ( que se efetiva sem a entrega física de cópias). O direito exclusivo de autorizar ou proibir a reprodução foi reconhecido, sem maiores problemas, a autores e titulares de direitos conexos, quer pela Convenção de Berna, quer pelo Convenio de Roma. O direito de comunicação ao publico, porem, que Berna reconhece aos autores como direito exclusivo (de autorizar ou proibir), foi outorgado aos titulares de direitos conexos, pela Convenção de Roma, como um simples direito a obter uma “remuneração equitativa” pela utilização de interpretações, execuções ou fonogramas. Ora, sem o direito de autorizar ou proibir, os titulares de direitos conexos jamais lograram receber uma “remuneração equitativa”, quando muito, uma espécie de “gorjeta”. A época do Convenio de Roma, porem, essa forma de utilização econômica não foi considerada importante pelos titulares de direitos conexos, a tal ponto que foi chamada de “utilização secundaria”.
O desenvolvimento da tecnologia tornou essa denominação obsoleta. As transmissões de radio, inicialmente cheias de ruído e de distorções, passaram a gozar da qualidade das transmissões em freqüência modulada (FM), cuja proliferação ofereceu um amplo espectro de repertório a disposição dos usuários. Mais ainda, a Internet permite um grau de qualidade e de interatividade que faculta, ao ouvinte, receber, quando e onde deseje, a musica que escolher (“music on demand’). Se estava esgarçando, rompendo mesmo, a diferença entre a distribuição de suportes físicos (quando o usuário faz a escolha) e a comunicação ao publico (onde a escolha e feita pelo programador da emissora).
Lutaram, então, artistas e produtores de fonogramas, para que se lhes reconhecesse o “direito de por a disposição”, aquele em que a obra ou a produção é oferecida ao público, sem a entrega do suporte, no momento e no lugar em que o usuário escolher, como um direito especifico e exclusivo, um direito de autorizar ou proibir, e não como mero direito a uma remuneração equitativa.
Não cabe aqui um histórico das discussões doutrinarias que, por mais de seis anos, se passaram em Genebra. Para os autores, a questão não era relevante, pois mesmo se essa comunidação interativa fosse considerada comunicação ao publico, ainda seria objeto de um direito exclusivo, o que se reflete no Artigo 8 do Tratado OMPI sobre Direitos de Autor, que coloca o direito de “por a disposição” dentro do direito de comunicação ao publico.
No que se refere aos direitos conexos, a situação era diferente, conforme já explicado. o Tratado OMPI conservou a faculdade de, para a comunicação ao publico, ser mantida a remuneração equitativa. Como a comunicação interativa substitui, de certa forma, a distribuição de cópias físicas, o objetivo era equiparar essa utilização a um direito de distribuição. Finalmente, chegou-se a uma solução de consenso, negociada, em que os países se comprometem a reconhecer, no caso, um direito exclusivo, seja como comunicação ao publico, seja como distribuição (ficta, e verdade), seja como um direito especifico, o “making available”, do inglês, ou o direito de “puesta a disposición” dos hispânicos. Nossa lei de 1998 acolheu esse direito, equiparando-o ao direito de distribuição (artigo 29, VII, da lei 9.610/98).
Após esse rápido panorama da situação internacional, passemos a um exame, também necessariamente rápido, de nossa lei interna.
O Código Civil já tratava o direito de autor sob o titulo “Da Propriedade Literária, Científica e Artística”, emprestando-lhe o caráter de direito exclusivo, oponível “erga omnes”. Quanto aos direitos conexos, nossa primeira lei a esse respeito, a 4.944/66, também conferiu aos titulares dos mesmos – artistas, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão – direitos absolutos, de autorizar ou proibir.
A essa lei se seguiram as de n°s 5.988/73 e 9.610, de 1998, que “regularam os diretos autorais, entendendo-se como tal os direitos de autor e os que lhes são conexos”. Ambas as leis – a segunda substituindo a primeira – consolidaram a tendência da legislação pátria, de assegurar aos titulares de direitos de autor e de direitos conexos um amplo direito exclusivo de autorizar ou proibir, bastando lembrar que, independentemente de elencar os direitos específicos, a lei 9.610/98 assegura a autores, artistas e produtores de fonogramas o direito exclusivo de autorizar ou proibir “quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas”. Isso cobre tudo.
Em princípio, pois, qualquer tipo de uso – incluindo a cópia privada, o MP3, o NAPSTER etc., seria vedado sem a autorização previa do titular do direito. Não obstante, não é bem assim. Em Direito, o absoluto e relativo. Nada mais absoluto que o direito a própria vida e, entretanto, existem a pena de morte (em nosso pais, em tempos de guerra), a legitima defesa, o estado de necessidade. Na propriedade material tangível, temos a servidão, a desapropriação. Não poderia ser diferente com respeito a propriedade intelectual, que sofre as limitações decorrentes das necessidades da coletividade que lhe assegura a existência. Assim, o artigo 666 do Código Civil, depois o artigo 49 da Lei n° 5.988/73 e, hoje, o artigo 46 da Lei n° 9.610/98, consagram as limitações ao direito de autor. Essas limitações, entretanto, devem ser absolutamente compatíveis com o texto constitucional e com as Convenções Internacionais de que o Brasil é parte.
Antes da entrada em vigor da Lei n° 5.988/73, o Supremo Tribunal Federal, por duas vezes, em decisões de sua primeira Turma, considerou derrogado o inciso I do artigo 666 do Código Civil (e, por conseqüência, a letra a do inciso I do artigo 49 da lei n° 5.988/73, não reproduzido na Lei 9.610/98). A primeira decisão foi proferida no Recurso Extraordinário n° 75.889, sendo relator o Ministro Antonio Neder. Discutia-se se, a luz do texto constitucional de 1967 e 1969, ainda era licito ao editor: “reproduzir trechos de obras já publicadas ou, ainda que integralmente, pequenas composições alheias no contexto de “obra maior”, desde que esta apresente caráter cientifico, didático ou religioso, e haja a indicação da origem e do nome do autor“.
Pelo voto do Ministro Antonio Neder, assim se pronunciou a nossa mais alta Corte de Justiça: “É reconhecível que a regra do artigo 666, I, do Código Civil, deve ser aplicada em harmonia com a § 25 do artigo 153, da Constituição Federal, isto e, a reprodução a que se refere sobre dito artigo no inciso I pode ser feita nos termos expressos pela regra constitucional, ou seja, mediante pagamento, ao autor da obra, do quantum correspondente a vantagem, ou ganho, ou lucro, que obteve a pessoa que reproduziu trecho de trabalho literário, artístico ou cientifico“.
Também no Recurso Extraordinário n° 83.294, em que foram recorrentes Carlos Drummond de Andrade e outro, e recorrida Bloch Editores S/A, versando matéria idêntica aquela tratada no Recurso antes mencionado, o Supremo Tribunal Federal sustentou a mesma posição, desta vez tendo como relator o eminente Ministro Bilac Pinto. Le-se em seu brilhante voto: “Não encontrando nos documentos parlamentares relativos a elaboração da Constituição de 1967, onde foi adotada a nova regra de proteção dos direitos autorais, nem na nossa jurisprudência ou doutrina, elementos que nos permitissem interpetrar corretamente a sentido técnico da modificação introduzida no nosso direito constitucional, seguimos o roteiro hermenêutico sugerido por CARLOS MAXIMILIANO e fomos pesquisar no direito dos ‘povos cultos’, a que fazia referência a Lei de Organização da ‘Justiça Federal’ de 1898 (art. 387, parte final), o verdadeiro sentido da nova conceituação dos direitos de autor.
Essa incursão pelo direito comparado, em matéria de direito de autor, revelou-nos que as limitadas regras de proteção contidas no Código Civil haviam sido superadas pelo amplo universo que a esse direito foi aberto pelo desenvolvimento técnico dos velhos meios de comunicação: pela invenção do radio, da televisão, das fitas gravadas para registro do som e dos videos-tapes para a simultânea gravação da imagem e do som, dos modernos aparelhos de reprografia, dos computadores, da utilização de fotografias nos novos e velhos veículos de difusão da imagem e das técnicas atualizadas de proteção da criação artística, compreendendo a escultura, a pintura, a gravura, o desenho, a musica etc., a que alargou e diversificou o elenco dos direitos autorais cobertos pela proteção legal.
As múltiplas formas pelas quais obras literárias – em prosa e verso – passaram a ser parcial ou totalmente utilizadas em livros, em espetáculos públicos, em fonogramas, em peças teatrais, em filmes, em programas de radio e televisão, ou mediante aparelhos de reprografia, revelou que a direito exclusivo do autor de reproduzir sua obra já não dava a este proteção legal contra as modernas formas de violação dos direitos de autor. Essa a razão pela qual foi ampliada a definição de direito autoral“.
Referiam-se, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a substituição, na Carta de 1967, em relação a de 1946, na disposição relativa a proteção ao direito de autor, da palavra reproduzir por utilizar, que e muito mais ampla. O texto de 1988, no inciso XXVII de seu artigo 5°, utilizou, de forma tecnicamente incorreta, as palavras publicação e reprodução, mas conservou utilização, muito mais ampla, o que torna atual a posição anterior do STF.
A norma do inciso I do artigo 666 do Código Civil foi mantida pela letra a do inciso I do artigo 49 da lei 5.988/73, mas não figura na Lei n° 9.610/98, refletindo a crescente compreensão da necessidade de se proteger o autor na substancia de seu direito, que e autorizar ou proibir a reprodução.
Existia, porem, em nosso direito positivo, uma outra limitação ao direito de reprodução: a permissão de se fazer uma reprodução de obra, para uso pessoal, ou privado. Figurava ela no Código Civil, no inciso VI do artigo 666, que restringia a faculdade a uma cópia, “feita a mão”. A lei de 1973, no inciso II de seu artigo 49, ampliou a permissão, referindo-se a “reprodução em um só exemplar”, sem restringir os meios empregados para se fazer essa reprodução.
A lei de 1998, no inciso II de seu artigo 46, restringiu ainda mais essa exceção aos direitos de autor, limitando-a a “reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para usa privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Em outras palavras, a nossa lei só autoriza a cópia privada de pequenos trechos, em linha com a Constituição Federal e, muito principalmente, com a Convenção de Berna, cuja aplicabilidade, em nosso pais, se encontra entre a supremacia absoluta da norma constitucional e o caráter cogente da lei ordinária, ou seja, submete-se a primeira mas prevalece sobre a segunda.
Historicamente, a permissão para se fazer cópia privada encontra justificativa na dificuldade de acesso a certas obras, assim como na dificuldade de se realizar a cópia – a época do Código Civil, necessariamente manuscrita -, o que “justificava” a concessão. O desenvolvimento da técnica, porem, como bem assinalou o Ministro Bilac Pinto, modificou profundamente as coisas, tornando realidade a fantástica antevisão (1927) de PIOLA CASELLI, “Tratado del Diritto di Autore e del Contrato de Edizione”, Turim, 1927, pag. 424: “Sobre que fundamento o uso pessoal, tal como se concede, pode legitimamente se opor ao exercício do direito exclusivo do autor? Diz-se que tal usa não causa prejuízo ao direito exclusivo … No que concerne ao direito patrimonial, o fato de que a cópia não seja destinada a ser vendida, mas a servir ao uso da pessoa que a confeccionou ou que a fez confeccionar, não exclui normalmente o prejuízo em si mesmo, por pequeno que seja, desde que essa pessoa, com o uso da cópia, bem pode dispensar a exemplar que o autor lhe poderia haver fornecido. A doutrina cometeu o erro de considerar os casos isolados e raros de cópias feitas a mão, de livros ou de estudos parciais sobre obras de arte figurativas que causam um prejuízo desprezível ao direito exclusivo do autor, e estabelece uma regra geral. E esta regra poderá, na hipótese de amanha as invenções modernas tornarem correntes e quotidianas as reproduções, ferir de morte o direito de autor“. (grifamos)
O artigo 9° da Convenção de Berna, tal como formatado nas revisões de Estocolmo e Paris, em 1967 e 1971, respectivamente, assegura ao autor um amplo direito de reprodução, disciplinando as condições segundo as quais se lhe poderiam opor restrições. É o seguinte o texto, tornado lei interna no Brasil, com a promulgação da revisão de Paris, mediante o Decreto Legislativo n° 94, de 4 de dezembro de 1974, e Decreto n° 75.699, de 06 de maio de 1975:
“Artigo 9°
1- os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo e sob qualquer forma que seja;
2- As legislações dos países da União reservasse a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause injustificado prejuízo aos interesses do autor;
3- Qualquer gravação sonora ou visual e considerada uma reprodução, no sentido da presente Convenção” (nossos, os grifos)
A reprodução não autorizada defende, pois, de três requisitos, claramente cumulativos: que ocorra em certos casos especiais, que não afete a exploração normal da obra, nem cause prejuízo injustificado aos interesses do autor. Isto é lei interna, no Brasil e nos demais signatários de Berna. Estes são, também, os lindes, os limites que podem fazer entender aquilo que os anglo-saxões chamam ‘fair use”, e os hispânicos “usos honrados”. Para que se reconheça sua existência, num dado caso, ha que haver a concorrência dos três requisitos.
A isso, a comunidade autoral tem chamado de “teste tríplice”, derivado do artigo 9°, 2 da Convenção de Berna, e especifico para o direito de reprodução, e que agora se aplica a todos os direitos intelectuais “ex vi” do artigo 13 do acordo TRIPS, ou ADPIC, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 1.355, de 30 de dezembro de 1994 – Ata final em que se incorporam os resultados da rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais.
Ora, se antes mesmo da promulgação da Lei n° 9.610/98, da revisão da Convenção de Berna de 1971, do acordo ADPIC (ou TRIPS) já manifestava o Supremo Tribunal Federal (e a doutrina) sua preocupação em restringir a copia privada, o que dizer apos a entrada em vigor de tais atos?
O MP3 e apenas uma tecnologia de compressão de arquivos musicais, que enseja o armazenamento de mais material em menos espaço. E tão neutro quanto uma faca de cozinha, que pode cortar carne e pão, como pode matar. O que não e neutro e o site My.MP3, que mantém arquivos musicais cujo armazenamento não foi autorizado.
O Napster, por sua vez, e um programa de troca de arquivos musicais, através do qual a pessoa coloca sua discoteca a disposição de todos os usuários, e tem a possibilidade de acessar o arquivo desses outros usuários. Segundo o Jornal do Brasil, Caderno B, edição de 27 de junho de 2001, somente no mês de fevereiro deste ano foram efetuados 2.790.000.000 (dois bilhões, setecentos e noventa milhões) de downloads!!! Segundo a IFPI – International Federation of the Phonographic Industry -, durante todo o ano de 2000, foram vendidos, no mundo, cerca de 2.511.000.000 (dois bilhões, quinhentos e onze milhões) de suportes, entre CDs, mini discs, cassetes e Lps, ou seja, menos que o numero de “downloads” efetuados em um só mês através do NAPSTER.
Esses números, frios e objetivos, dispensam um exame mais acurado das condições que formam o “teste tríplice”. E claro que não se trata de um “certo caso especial”, mas de uma proliferação, uma generalização absurda de reproduções não autorizadas; e evidente que isso afeta a exploração normal da obra, e que causa um prejuízo injustificado aos interesses dos titulares de direitos.
Por muito menos que isso, recente painel instalado na OMC, a pedido do Governo da Irlanda, contra os Estados Unidos, considerou que recente legislação norte-americana que isentava de direitos de execução publica certos estabelecimentos comerciais, em razão da área ocupada e do numero de aparelhos de radio ou de televisão instalados, não resistia ao teste previsto nos TRIPS e no Convenio de Berna, instando o pais a modificar a legislação.
Entre parênteses, esclareça-se que o GNUTELLA e um sistema assemelhado ao NAPSTER, de troca de arquivos, mas que dispensa um provedor central, o que o torna ainda mais difícil de ser combatido.
A industria fonográfica tem procurado agir contra a oferta indiscriminada e não autorizada de musica. Em primeiro lugar, no campo tecnológico, com a criação da SDMI- Safe Digital Music Initiative -, um esforço que reúne mais de 100 grandes corporações, entre elas a Microsoft, a IBM, a Sony, a EMI, a BMG, a Warner e a Universal, no sentido de se criar um mecanismo que possibilite o controle, pelo titular, do material que circula pela Internet. lnfelizmente, ate agora, não se logrou um sistema seguro, infenso a ação dos hackers.
Por outro lado, a industria tem promovido medidas judiciais contra “sites” que oferecem musica não autorizada e, inclusive, contra o My.MP3 e o NAPSTER que, recentemente, foi condenado em ação movida, nos Estados Unidos pela RIM -Record Industry Association of America.
Também no campo comercial a indústria não tem ficado inativa. Algumas produtoras já oferecem suas gravações em “sites” próprios e alheios, ainda que, ate agora, de maneira limitada.
Não e possível ignorar os avanços tecnológicos, mas ha que se achar uma solução que concilie o interesse do publico e o dos titulares. Por isso mesmo, recentemente, a BMG associou-se (de forma não revelada) ao NAPSTER, e isso já esta produzindo seus frutos. A mesma matéria do Jornal do Brasil de 27 de junho, anteriormente citada, noticia que, alem da BMG, a EMI, a WARNER e mais de 150 produtores independentes fecharam um acordo para oferecer gravações pelo sistema NAPSTER, mediante o pagamento de uma remuneração mensal, a exemplo das TVs por assinatura.
A Internet foi saudada, com toda razão, como uma inigualável ferramenta de liberdade de comunicação, de expressão e de informação. É preciso, porem, não confundir liberdade com libertinagem. A Internet não e um melo sem lei, uma terra de ninguém, apenas um novo meio, sujeito a todas as leis existentes. Seu caráter virtual torna difíceis, claro esta, a detecção, a prevenção e a repressão das infrações, mas isso não significa que elas não existam. As violações aos direitos autorais na Internet não diferem daquelas cometidas no meio físico, no mundo atômico, e como estas, devem ser combatidas.