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“Violação do Direito Autoral na Internet e o Fair Use – MP3 – NAPSTER- GNUTELLA”

5 de abril de 2002

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Penso que a primeira observação a ser feita e no sentido de que a INTERNET não e senão um novo caminho, uma nova via para a utili­zação de obras intelectuais. Em si, ela e juridicamente neutra, trata-se apenas de uma nova tecnologia, como o foram a fonografia, o cinema, a fotografia, a televisão etc.

Diante de um fato novo, de uma nova tecnologia, ha duas atitudes a serem tomadas: ou se lhe aplicam as normas gerais já existentes, ou se elaboram regras novas, especifica­mente voltadas para aquela situação. Ambas apresentam vantagens e defeitos. Aplicando­-se sempre as normas gerais, por meio de inter­pretação, corre-se o risco das interpretações divergentes, fragmentarias, o que vai de encontro a segurança jurídica. A opção pela legislação nova freqüentemente conduz a elaboração apressada, e ao risco de se considerar que as situações não previstas escapam a norma legal, como parece ter ocorrido, com alguns, no caso do NAPSTER.

A solução parece estar, como quase sempre, no meio: a progressiva atualização da legislação, sem perder de vista os princípios gerais.

Assim procedeu a comunidade inter­nacional no caso do Direito de Autor, cujo texto básico, a Convenção de Berna, de 1886, foi sendo revisto a cada 20 anos, mais ou menos, ate a revisão de Paris, em 1971, período durante o qual se encontraram respostas para novos desenvolvimentos tecnológicos como a fonografia, a cinematografia, o radio e a televisão.

A partir de então, a comunidade internacional seguiu um rumo que foi chamado “desenvolvimento orientado”, conforme afirma o ex-Diretor Geral Assistente da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, o Dr. Mihaly Ficsor, em trabalho intitulado “Direitos de Autor na Era Digital- Os Tratados da OMPI sobre a INTERNET” – Recomendações, princípios e disposições-modelo adotados por diferentes órgãos da OMPI ofereceram subsí­dios aos Governos Nacionais para enfrentar novidades tais como a cópia privada, a televisão por satélite e a televisão a cabo.

No final da década de 80, porem, a comunidade internacional chegou a conclusão de que novas regras eram necessárias. Comitês de Peritos Governamentais foram, então, convocados pela OMPI e, ao cabo de mais de seis anos de trabalhos, uma Conferencia Inter­nacional adotou dois Tratados: O Tratado da OMPI sobre Direito de Autor e o Tratado da OMPI sobre Interpretação e Execução e Fonogramas. O primeiro deles guarda um claro vinculo com a Convenção de Berna, posto que e exclusivamente voltado para os direitos de autor, enquanto o segundo mantém relação com o Convenio de Roma, de 1961, dedicado aos chamados direitos conexos, ou seja, os direitos dos artistas interpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão. Criam, os Tratados, diretos novos? A exceção dos artigos 11 e 12 do Tratado sobre Direitos de Autor e dos artigos 18 e 19 do Tratado sobre Interpretações e Exe­cuções e Fonogramas, praticamente não.

Se considerarmos que o direito de dis­tribuição, como espécie do gênero maior “direito de reprodução”, já vinha sendo reconhecido, compreendendo, inclusive, o direito de aluguel, de fato os “direitos novos” estão contidos nos artigos 11 e 12 e 18 e 19 acima referidos. Pelos artigos 11 e 18, autores e titulares de direitos conexos, respectivamente, gozarão de proteção jurídica adequada contra ações de elidir as medidas tecnológicas que sejam usadas com relação ao exercício de seus direitos e que restrinjam atos que não estejam por eles autorizados, ou que não sejam permitidos por lei. Isso significa – e é novo – que o uso de algum dispositivo que impeça o funcionamento de um sinal colocado em uma gravação fonográfica, por exemplo, para obstar sua có­pia, constitui uma violação de direito autoral.

Do mesmo modo, em razão dos artigos 12 e 19 dos dois tratados, constitui infração a inutilizarão de qualquer informação relativa a gestão de direitos, ou seja, aqueles sinais eletrônicos inseridos em gravação (suportes) ou transmissões que permitem identificar autor, artista, produtor fonográfico etc., facilitando a dis­tribuição dos direitos devidos pela utilização de obras e produções. O ilícito alcança, também, quem importa ou distribui os dispositivos proibidos.

Essas disposições dos Tratados OMPI fazem parte daquilo que veio a ser chamado “agenda eletrônica ou digital”, ou seja, regras destinadas especificamente a aplicação no ambiente da Internet.

Um outro ponto, e sumamente interessante, faz parte da agenda digital. Sua compreensão exige um curto histórico. Basicamente, os direitos de propriedade intelectual estão compreendidos em duas vertentes principais: O direito de reprodução (do qual deriva a expressão anglo-saxônica “copyright‘) e o direito de comunicação ao publico ( que se efetiva sem a entrega física de cópias). O direito exclusivo de autorizar ou proibir a reprodução foi reconhecido, sem maiores problemas, a autores e titulares de direitos conexos, quer pela Convenção de Berna, quer pelo Convenio de Roma. O direito de comunicação ao publico, porem, que Berna reconhece aos autores como direito exclusivo (de autorizar ou proibir), foi outorgado aos titulares de direitos conexos, pela Conven­ção de Roma, como um simples direito a obter uma “remuneração equitativa” pela utilização de interpretações, execuções ou fonogramas. Ora, sem o direito de autorizar ou proibir, os titulares de direitos conexos jamais lograram receber uma “remuneração equitativa”, quando muito, uma espécie de “gorjeta”. A época do Convenio de Roma, porem, essa forma de utilização econômica não foi considerada importante pelos titulares de direitos conexos, a tal ponto que foi chamada de “utilização secunda­ria”.

O desenvolvimento da tecnologia tornou essa denominação obsoleta. As transmissões de radio, inicialmente cheias de ruído e de distorções, passaram a gozar da qualidade das transmissões em freqüência modulada (FM), cuja proliferação ofereceu um amplo espectro de repertório a disposição dos usuários. Mais ainda, a Internet permite um grau de qualidade e de interatividade que faculta, ao ouvinte, receber, quando e onde deseje, a musica que escolher (“music on demand’). Se estava esgarçando, rompendo mesmo, a diferença entre a distribuição de suportes físicos (quando o usuário faz a escolha) e a comunicação ao publico (onde a escolha e feita pelo programa­dor da emissora).

Lutaram, então, artistas e produtores de fonogramas, para que se lhes reconheces­se o “direito de por a disposição”, aquele em que a obra ou a produção é oferecida ao público, sem a entrega do suporte, no momento e no lugar em que o usuário escolher, como um direito especifico e exclusivo, um direito de autorizar ou proibir, e não como mero direito a uma remuneração equitativa.

Não cabe aqui um histórico das discussões doutrinarias que, por mais de seis anos, se passaram em Genebra. Para os autores, a questão não era relevante, pois mesmo se essa comunidação interativa fosse considerada co­municação ao publico, ainda seria objeto de um direito exclusivo, o que se reflete no Artigo 8 do Tratado OMPI sobre Direitos de Autor, que co­loca o direito de “por a disposição” dentro do direito de comunicação ao publico.

No que se refere aos direitos conexos, a situação era diferente, conforme já explicado. o Tratado OMPI conservou a faculdade de, para a comunicação ao publico, ser mantida a remuneração equitativa. Como a comunicação interativa substitui, de certa forma, a distribuição de cópias físicas, o objetivo era equiparar essa utilização a um direito de distribuição. Finalmente, chegou-se a uma solução de consenso, negociada, em que os países se comprometem a reconhecer, no caso, um direito exclusivo, seja como comunicação ao publico, seja como distri­buição (ficta, e verdade), seja como um direito especifico, o “making available”, do inglês, ou o direito de “puesta a disposición” dos hispânicos. Nossa lei de 1998 acolheu esse direito, equiparando-o ao direito de distribuição (artigo 29, VII, da lei 9.610/98).

Após esse rápido panorama da situa­ção internacional, passemos a um exame, também necessariamente rápido, de nossa lei in­terna.

O Código Civil já tratava o direito de autor sob o titulo “Da Propriedade Literária, Científica e Artística”, emprestando-lhe o caráter de direito exclusivo, oponível “erga omnes”. Quanto aos direitos conexos, nossa primeira lei a esse respeito, a 4.944/66, também conferiu aos titulares dos mesmos – artistas, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão – ­direitos absolutos, de autorizar ou proibir.

A essa lei se seguiram as de n°s 5.988/73 e 9.610, de 1998, que “regularam os diretos autorais, entendendo-se como tal os direitos de autor e os que lhes são conexos”. Ambas as leis – a segunda substituindo a primeira – consolidaram a tendência da legislação pátria, de assegurar aos titulares de direitos de autor e de direitos conexos um amplo direito exclusivo de autorizar ou proibir, bastando lembrar que, independentemente de elencar os direitos específicos, a lei 9.610/98 assegura a autores, artistas e produtores de fonogramas o direito exclusivo de autorizar ou proibir “quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas”. Isso cobre tudo.

Em princípio, pois, qualquer tipo de uso – incluindo a cópia privada, o MP3, o NAPSTER etc., seria vedado sem a autorização previa do titular do direito. Não obstante, não é bem assim. Em Direito, o absoluto e relativo. Nada mais absoluto que o direito a própria vida e, entretanto, existem a pena de morte (em nosso pais, em tempos de guerra), a legitima defesa, o estado de necessidade. Na propriedade material tangível, temos a servidão, a desapropriação. Não poderia ser diferente com respeito a propriedade intelectual, que sofre as limitações decorrentes das necessidades da coletividade que lhe assegura a existência. Assim, o artigo 666 do Código Civil, depois o artigo 49 da Lei n° 5.988/73 e, hoje, o artigo 46 da Lei n° 9.610/98, consagram as limitações ao direito de autor. Essas limitações, entretanto, devem ser absolutamente compatíveis com o texto constitucional e com as Convenções Internacionais de que o Brasil é parte.

Antes da entrada em vigor da Lei n° 5.988/73, o Supremo Tribunal Federal, por duas vezes, em decisões de sua primeira Turma, considerou derrogado o inciso I do artigo 666 do Código Civil (e, por conseqüência, a letra a do inciso I do artigo 49 da lei n° 5.988/73, não reproduzido na Lei 9.610/98). A primeira decisão foi proferida no Recurso Extraordinário n° 75.889, sendo relator o Ministro Antonio Neder. Discutia-se se, a luz do texto constitucional de 1967 e 1969, ainda era licito ao editor: “reproduzir trechos de obras já publicadas ou, ainda que integralmente, pequenas composições alheias no contexto de “obra maior”, desde que esta apresente caráter cientifico, didático ou religioso, e haja a indi­cação da origem e do nome do autor“.

Pelo voto do Ministro Antonio Neder, assim se pronunciou a nossa mais alta Corte de Justiça: “É reconhecível que a regra do artigo 666, I, do Código Civil, deve ser aplicada em harmonia com a § 25 do artigo 153, da Cons­tituição Federal, isto e, a reprodução a que se refere sobre dito artigo no inciso I pode ser feita nos termos expressos pela regra constitucional, ou seja, mediante pagamento, ao autor da obra, do quantum correspondente a vantagem, ou ganho, ou lucro, que obteve a pessoa que reproduziu trecho de trabalho literário, artístico ou cientifico“.

Também no Recurso Extraordinário n° 83.294, em que foram recorrentes Carlos Drummond de Andrade e outro, e recorrida Bloch Editores S/A, versando matéria idêntica aquela tratada no Recurso antes mencionado, o Supremo Tribunal Federal sustentou a mesma posição, desta vez tendo como relator o eminente Ministro Bilac Pinto. Le-se em seu brilhante voto: “Não encontrando nos documentos parlamentares relativos a elaboração da Constituição de 1967, onde foi adotada a nova regra de proteção dos direitos autorais, nem na nossa jurisprudência ou doutrina, elementos que nos permitissem interpetrar correta­mente a sentido técnico da modificação introduzida no nosso direito constitucional, seguimos o roteiro hermenêutico sugerido por CARLOS MAXIMILIANO e fomos pesquisar no direito dos ‘povos cultos’, a que fazia referência a Lei de Organização da ‘Justiça Federal’ de 1898 (art. 387, parte final), o verdadeiro sentido da nova conceituação dos direitos de autor.

Essa incursão pelo direito comparado, em matéria de direito de autor, revelou-nos que as limitadas regras de proteção contidas no Código Civil haviam sido superadas pelo amplo universo que a esse direito foi aberto pelo desenvolvimento técnico dos velhos meios de comunicação: pela invenção do radio, da televisão, das fitas gravadas para registro do som e dos videos-tapes para a simultânea gravação da imagem e do som, dos modernos aparelhos de reprografia, dos computadores, da utilização de fotografias nos novos e velhos veículos de difusão da imagem e das técnicas atualizadas de proteção da criação artística, compreendendo a escultura, a pintura, a gravura, o desenho, a musica etc., a que alargou e diversificou o elenco dos direitos autorais cobertos pela proteção legal.

As múltiplas formas pelas quais obras literárias – em prosa e verso – passaram a ser parcial ou totalmente utilizadas em livros, em espetáculos públicos, em fonogramas, em pe­ças teatrais, em filmes, em programas de ra­dio e televisão, ou mediante aparelhos de reprografia, revelou que a direito exclusivo do autor de reproduzir sua obra já não dava a este proteção legal contra as modernas formas de violação dos direitos de autor. Essa a razão pela qual foi ampliada a definição de direito autoral“.

Referiam-se, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, a substituição, na Carta de 1967, em relação a de 1946, na disposição relativa a proteção ao direito de autor, da palavra reproduzir por utilizar, que e muito mais ampla. O texto de 1988, no inciso XXVII de seu artigo 5°, utilizou, de forma tecnicamente incorreta, as palavras publicação e reprodução, mas conservou utilização, muito mais ampla, o que torna atual a posição anterior do STF.

A norma do inciso I do artigo 666 do Código Civil foi mantida pela letra a do inciso I do artigo 49 da lei 5.988/73, mas não figura na Lei n° 9.610/98, refletindo a crescente compreensão da necessidade de se proteger o autor na substancia de seu direito, que e autorizar ou proibir a reprodução.

Existia, porem, em nosso direito positivo, uma outra limitação ao direito de reprodu­ção: a permissão de se fazer uma reprodução de obra, para uso pessoal, ou privado. Figurava ela no Código Civil, no inciso VI do artigo 666, que restringia a faculdade a uma cópia, “feita a mão”. A lei de 1973, no inciso II de seu artigo 49, ampliou a permissão, referindo-se a “reprodução em um só exemplar”, sem restringir os meios empregados para se fazer essa reprodução.

A lei de 1998, no inciso II de seu artigo 46, restringiu ainda mais essa exceção aos direitos de autor, limitando-a a “reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para usa privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Em outras palavras, a nossa lei só autoriza a cópia privada de pequenos trechos, em linha com a Constituição Federal e, muito principalmente, com a Con­venção de Berna, cuja aplicabilidade, em nosso pais, se encontra entre a supremacia absoluta da norma constitucional e o caráter cogente da lei ordinária, ou seja, submete-se a primeira mas prevalece sobre a segunda.

Historicamente, a permissão para se fazer cópia privada encontra justificativa na dificuldade de acesso a certas obras, assim como na dificuldade de se realizar a cópia – a época do Código Civil, necessariamente manuscrita -, o que “justificava” a concessão. O desenvolvimento da técnica, porem, como bem assinalou o Ministro Bilac Pinto, modificou profundamente as coisas, tornando realidade a fantástica antevisão (1927) de PIOLA CASELLI, “Tratado del Diritto di Autore e del Contrato de Edizione”, Turim, 1927, pag. 424: “Sobre que fundamento o uso pessoal, tal como se concede, pode legitimamente se opor ao exercício do direito exclusivo do autor? Diz-se que tal usa não causa prejuízo ao direito exclusivo … No que concerne ao direito patrimonial, o fato de que a cópia não seja destinada a ser vendida, mas a servir ao uso da pessoa que a confeccionou ou que a fez confeccionar, não exclui normalmente o prejuízo em si mesmo, por pequeno que seja, desde que essa pessoa, com o uso da cópia, bem pode dispensar a exemplar que o autor lhe poderia haver fornecido. A doutrina cometeu o erro de considerar os casos isolados e raros de cópias feitas a mão, de livros ou de estudos parciais sobre obras de arte figurativas que causam um prejuízo desprezível ao direito exclusivo do autor, e estabelece uma regra geral. E esta regra poderá, na hipótese de amanha as invenções modernas tornarem correntes e quotidianas as reproduções, ferir de morte o direito de autor“. (grifamos)

O artigo 9° da Convenção de Berna, tal como formatado nas revisões de Estocolmo e Paris, em 1967 e 1971, respectivamente, assegura ao autor um amplo direito de reprodução, disciplinando as condições segundo as quais se lhe poderiam opor restrições. É o seguinte o texto, tornado lei interna no Brasil, com a promulgação da revisão de Paris, mediante o Decreto Legislativo n° 94, de 4 de dezembro de 1974, e Decreto n° 75.699, de 06 de maio de 1975:

“Artigo 9°

1- os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo e sob qualquer forma que seja;

2- As legislações dos países da União reservasse a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause injustificado prejuízo aos interesses do autor;

3- Qualquer gravação sonora ou visual e considerada uma reprodução, no sentido da presente Convenção” (nossos, os grifos)

A reprodução não autorizada defende, pois, de três requisitos, claramente cumulativos: que ocorra em certos casos especiais, que não afete a exploração normal da obra, nem cause prejuízo injustificado aos interesses do autor. Isto é lei interna, no Brasil e nos demais signatários de Berna. Estes são, também, os lindes, os limites que podem fazer entender aquilo que os anglo-saxões chamam ‘fair use”, e os hispânicos “usos honrados”. Para que se reconheça sua existência, num dado caso, ha que haver a concorrência dos três requisitos.

A isso, a comunidade autoral tem chamado de “teste tríplice”, derivado do artigo 9°, 2 da Convenção de Berna, e especifico para o direito de reprodução, e que agora se aplica a todos os direitos intelectuais “ex vi” do artigo 13 do acordo TRIPS, ou ADPIC, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 1.355, de 30 de dezembro de 1994 – Ata final em que se incorporam os resultados da rodada Uruguai de negocia­ções comerciais multilaterais.

Ora, se antes mesmo da promulgação da Lei n° 9.610/98, da revisão da Convenção de Berna de 1971, do acordo ADPIC (ou TRIPS) já manifestava o Supremo Tribunal Federal (e a doutrina) sua preocupação em restringir a copia privada, o que dizer apos a entrada em vigor de tais atos?

O MP3 e apenas uma tecnologia de compressão de arquivos musicais, que enseja o armazenamento de mais material em menos espaço. E tão neutro quanto uma faca de cozinha, que pode cortar carne e pão, como pode matar. O que não e neutro e o site My.MP3, que mantém arquivos musicais cujo armazenamento não foi autorizado.

O Napster, por sua vez, e um programa de troca de arquivos musicais, através do qual a pessoa coloca sua discoteca a disposi­ção de todos os usuários, e tem a possibilidade de acessar o arquivo desses outros usuários. Segundo o Jornal do Brasil, Caderno B, edi­ção de 27 de junho de 2001, somente no mês de fevereiro deste ano foram efetuados 2.790.000.000 (dois bilhões, setecentos e noventa milhões) de downloads!!! Segundo a IFPI – International Federation of the Phonographic Industry -, durante todo o ano de 2000, foram vendidos, no mundo, cerca de 2.511.000.000 (dois bilhões, quinhentos e onze milhões) de suportes, entre CDs, mini discs, cassetes e Lps, ou seja, menos que o numero de “downloads” efetuados em um só mês através do NAPSTER.

Esses números, frios e objetivos, dispensam um exame mais acurado das condi­ções que formam o “teste tríplice”. E claro que não se trata de um “certo caso especial”, mas de uma proliferação, uma generalização ab­surda de reproduções não autorizadas; e evidente que isso afeta a exploração normal da obra, e que causa um prejuízo injustificado aos interesses dos titulares de direitos.

Por muito menos que isso, recente painel instalado na OMC, a pedido do Governo da Irlanda, contra os Estados Unidos, considerou que recente legislação norte-americana que isentava de direitos de execução publica certos estabelecimentos comerciais, em razão da área ocupada e do numero de aparelhos de radio ou de televisão instalados, não resistia ao teste previsto nos TRIPS e no Convenio de Berna, instando o pais a modificar a legislação.

Entre parênteses, esclareça-se que o GNUTELLA e um sistema assemelhado ao NAPSTER, de troca de arquivos, mas que dispensa um provedor central, o que o torna ainda mais difícil de ser combatido.

A industria fonográfica tem procurado agir contra a oferta indiscriminada e não autorizada de musica. Em primeiro lugar, no campo tecnológico, com a criação da SDMI- Safe Digital Music Initiative -, um esforço que reúne mais de 100 grandes corporações, entre elas a Microsoft, a IBM, a Sony, a EMI, a BMG, a Warner e a Universal, no sentido de se criar um mecanismo que possibilite o controle, pelo titular, do material que circula pela Internet. lnfe­lizmente, ate agora, não se logrou um sistema seguro, infenso a ação dos hackers.

Por outro lado, a industria tem promovido medidas judiciais contra “sites” que oferecem musica não autorizada e, inclusive, contra o My.MP3 e o NAPSTER que, recentemente, foi condenado em ação movida, nos Estados Unidos pela RIM -Record Industry Association of America.

Também no campo comercial a indústria não tem ficado inativa. Algumas produtoras já oferecem suas gravações em “sites” próprios e alheios, ainda que, ate agora, de maneira limitada.

Não e possível ignorar os avanços tecnológicos, mas ha que se achar uma solu­ção que concilie o interesse do publico e o dos titulares. Por isso mesmo, recentemente, a BMG associou-se (de forma não revelada) ao NAPSTER, e isso já esta produzindo seus frutos. A mesma matéria do Jornal do Brasil de 27 de junho, anteriormente citada, noticia que, alem da BMG, a EMI, a WARNER e mais de 150 produtores independentes fecharam um acordo para oferecer gravações pelo sistema NAPSTER, mediante o pagamento de uma remuneração mensal, a exemplo das TVs por assinatura.

A Internet foi saudada, com toda razão, como uma inigualável ferramenta de liberdade de comunicação, de expressão e de informa­ção. É preciso, porem, não confundir liberdade com libertinagem. A Internet não e um melo sem lei, uma terra de ninguém, apenas um novo meio, sujeito a todas as leis existentes. Seu caráter virtual torna difíceis, claro esta, a detecção, a prevenção e a repressão das infrações, mas isso não significa que elas não existam. As vio­lações aos direitos autorais na Internet não diferem daquelas cometidas no meio físico, no mundo atômico, e como estas, devem ser combatidas.