Vamos soprar a brasa da esperança

4 de janeiro de 2021

Compartilhe:

Em todos os momentos em que a esperança se torna a principal força a nos levar adiante, lembro de um editorial escrito por Orpheu Salles, fundador dessa Revista, a respeito de outro momento de transformação vivido pelo Brasil, no início do Século. “A fé, o amor e o patriotismo, para continuarem vivos e atuantes, têm e devem ser cuidados como a brasa, que mais se acende e ilumina quanto mais se sopra”, escreveu com sabedoria meu saudoso pai.

No fechamento da edição de janeiro, o Brasil havia ultrapassado a marca de 185 mil mortos de covid-19, com uma curva média de casos e mortes ascendente na maioria dos estados brasileiros. Encerramos um ano difícil, talvez o mais difícil que já vivemos até aqui, cujas perdas para milhares de famílias jamais serão reparadas ou esquecidas. E 2021 já começa com inúmeros desafios.

Porém, não temos tempo para sentir medo ou nos abater, tampouco podemos permitir que essas enormes perdas tenham sido em vão. Na iminência da chegada das vacinas, vamos precisar de muito trabalho, muito diálogo e muita busca pelo entendimento para que possamos retomar o ritmo normal de nossas vidas e do País. Vamos precisar evitar, por exemplo, que o manancial das nossas diferenças, agravadas pela crise econômica global e pela pandemia, deságue no leito de um Judiciário já assoreado por enorme número de demandas acumuladas ao longo dos anos.

Para agir, cabe antes avaliar qual é o legado da quarentena e o que pode ser usado a nosso favor de agora em diante. Houve um impacto sem precedentes na saúde de todos, em sua dimensão física e emocional. Houve também um impacto econômico imensurável, de consequências geopolíticas e sociais ainda não totalmente conhecidas. Em paralelo, porém, houve um salto tecnológico positivo, sobretudo com a adoção de soluções digitais em massa para grande parcela da população mundial.

Esses são legados de senso comum, mas há outros, mais sutis, que falam de um despertar para o senso coletivo, como não havíamos vivido em massa antes. Um legado que resulta da soma do acesso tecnológico com um maior tempo livre para exercitar a consciência social.

O que poderá se concretizar em ação de diversas maneiras, como apontou em suas projeções, em artigo publicado ainda no início da quarentena, a futurista Ligia Zotini: “Sair da caixa, das bolhas, dos ecossistemas e das organizações vendo o mundo como um território de infinitas possibilidades; Apoderar-se do protagonismo, não se colocando mais em posições passivas ou de vítima; Exercitar a sensibilidade e a capacidade de lidar bem com os próprios sentimentos, colaborando criativamente em vez de competir; Desejar viver de acordo com suas verdades, e não apenas existir em um sistema de coisas que não faz mais sentido; Lidar positivamente com opiniões diferentes das suas, sabendo ouvir com presença, mas sem gerar conflitos”.

Muitos acessos foram promovidos, muitos excessos foram removidos. Os radicais em ambos os extremos perderam força. É o caminho do meio que se mostra propício para esses avanços humanísticos, que poderão vir a partir de uma consciência coletiva mais solidária.

Isso vale não apenas para a parcela mais sensível ou atenta das pessoas, pois vemos que, ao menos aparentemente, muitos ao nosso redor pouco aprenderam e vão continuar atentos apenas aos próprios umbigos. Felizmente, o futuro vem em camadas – com as primeiras incumbidas de puxar adiante as que a sucedem – pois dividimos o mesmo espaço, não o mesmo tempo.

Em 2021, renovadas as nossas forças, vamos soprar a brasa da esperança para fazer a nossa parte e iluminar nosso País com o lume da Justiça.