“Vamos fazer da AMB uma trincheira de luta”

31 de dezembro de 2010

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Ao ser empossado, o novo presidente da AMB, Nelson Calandra, reabriu, simbolicamente, as portas da Associação aos magistrados de todas as instâncias e regiões do país. “Magistrados, entrem que a casa é sua”, disse ele, em um discurso emocionado pelo qual foi aplaudido de pé por cerca de mil pessoas presentes à sua posse, em Brasília, no último dia 16.

Ele adiantou que os magistrados brasileiros podem esperar “muito trabalho e grandes vitórias”, referindo-se, especialmente, ao resgate da Associação à sua missão original, na defesa dos magistrados e de suas prerrogativas, como condição essencial para novas conquistas.

Segundo ele, sua posse marcou um momento histórico de reencontro da maior Associação de juízes da América com suas legítimas causas. “A AMB é dos magistrados e a eles deve se dedicar, bem como às suas prerrogativas”.

Antes mesmo de ser empossado, Calandra começou a trabalhar intensamente junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional para defender os interesses da magistratura e viabilizar a aprovação de matérias como a recomposição monetária dos subsídios (14,7%) e o direito à indenização de férias. Na quinta passada, o STF reconheceu, liminarmente, o direito à indenização de férias aos magistrados paulistas, ao julgar mandado de segurança impetrado pelo próprio Calandra, quando era presidente da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis).

Confira, agora, a entrevista exclusiva concedida à Revista Justiça & Cidadania:.

Revista Justiça & Cidadania – Na sua avaliação, o que a magistratura sinalizou ao eleger uma chapa da oposição para compor a nova diretoria da AMB? Ocorreram, em sua opinião, equívocos na condução da maior entidade da magistratura do país? Como o senhor pretende corrigi-los?

Nelson Henrique Calandra – A magistratura brasileira sinalizou coragem ao optar por mudanças na direção de sua entidade maior. Nossa eleição representa, em primeiro lugar, um retorno da Associação à sua origem e à sua missão precípua, sem que haja qualquer retrocesso do ponto de vista institucional. Como dissemos na cruzada que fizemos pelo país, a AMB é dos magistrados e deve ser legitimada por suas causas maiores, que são as prerrogativas do juiz, e por um Judiciário forte e independente.

Uma das maiores associações de magistrados do mundo não pode aceitar ataques e tentativas de subtração das prerrogativas dos magistrados.
Não se trata de uma visão reducionista ou corporativista de uma entidade, ao contrário: defender o magistrado em sua nobre missão de julgar, com independência e em condições dignas de trabalho, é dar sustentação a um Judiciário autônomo, cujos destinatários finais são a sociedade e a cidadania. Vamos corrigir os equívocos reabrindo as portas da AMB para os magistrados para que eles entrem, de peito e coração abertos, para fortalecer a unidade da magistratura na busca de novas conquistas e da realização de nossos sonhos e projetos. A participação aberta, sob uma gestão democrática e compartilhada, será a primeira conquista. A partir daí, fortalecidos por essas convicções, outras virão.

JC – O senhor é a favor da democratização do Judiciário, e, durante sua campanha para presidente da AMB defendeu a democratização dentro da própria entidade. Na sua administração, o juiz terá voz? Como isso será possível?

NHC – Não só em minha gestão, como em toda a agenda nacional de debates. Daqui pra frente, nada mais será discutido, neste país, sobre a magistratura e o futuro do Judiciário que não passe pela AMB, que não tenha a presença firme e ativa da nova AMB — seja no STF, nos tribunais, no CNJ e, principalmente, no Congresso Nacional, onde é fundamental que tenhamos capacidade de diálogo e interlocução.

Defendemos, sim, a democratização do Judiciário, mas antes devemos fazê-lo em nossa casa. A partir daí, lutaremos por um novo estatuto da magistratura, por uma maior participação dos juízes nas instâncias decisórias do Judiciário e na discussão da elaboração do orçamento dos Tribunais.

JC – Que bandeiras o senhor defenderá à frente da AMB?

NHC – Nossas propostas e projetos são fruto da ausculta e da participação dos magistrados brasileiros durante a caminhada que fizemos por todo o país nos últimos três meses. A primeiríssima das prioridades é a defesa intransigente dos magistrados e de suas prerrogativas. Onde houver um juiz, neste país, atacado em sua independência de julgar, lá estará a nova AMB para defendê-lo. Defender o magistrado é defender a cidadania e o Estado de Direito. Fazer uma gestão participativa e democrática, voltada exclusivamente para os magistrados sem distinção de instância ou região. Queremos dar, também, dignidade às condições de trabalho dos juízes.

JC – O senhor tomou posse no dia 16 de dezembro. Que medidas ou projetos o senhor pretende implementar neste primeiro momento?

NHC – A Associação não pode ser excludente e representar apenas um segmento, porque a magistratura é nacional e, como tal, queremos nela, por meio de suas ações e metas, os juízes de todas as instâncias e regiões, dos 1º e 2º graus, estaduais e federais, trabalhistas e militares, ativos e inativos, do interior e da capital.

Com a AMB revitalizada e fortalecida, vamos desencadear uma campanha nacional pelo resgate da autoestima do juiz, pela manutenção dos direitos adquiridos e contra medidas que afetem os predicamentos de uma magistratura altiva e independente.

JC – Durante a campanha eleitoral, o senhor afirmou que realizaria uma campanha que visasse à valorização da magistratura. Por que essa iniciativa é importante? O senhor considera que a magistratura brasileira está desvalorizada? Por quê?

NHC – Basta ver e acompanhar os consecutivos ataques e tentativas de subtrair as prerrogativas dos juízes brasileiros. Agora, querem autorizar a demissão de juiz por meio da extinção da vitaliciedade. Não se faz democracia nem justiça sem uma magistratura digna e independente. Nessa caminhada que fiz pelo país, vi muitos colegas de cabeça baixa e uma magistratura desmotivada. Temos que mudar essa realidade.

JC – No que consistirá a campanha pela valorização da magistratura? Quando, de fato, o senhor deverá implementá-la?

NHC – A partir de nossa posse será uma atuação constante. Vamos convocar todos os magistrados para fazer da AMB uma trincheira de luta, com os colegas das Justiças Estadual, Federal, do Trabalho e Militar, nossos parceiros da OAB, do Ministério Público. Difundiu-se que juízes, desembargadores, ministros, advogados e promotores são tripulantes de naves diferentes. Isso é uma mentira. Nós somos tripulantes de uma única nave, em que nossa meta é promover uma justiça mais cidadã.

JC – A AMB tem vários projetos em curso, dentre os quais a Campanha Eleições Limpas, Mude um Destino e o Prêmio AMB de Jornalismo. O senhor dará continuidade a essas iniciativas?

NHC – É importante a participação da AMB em campanhas de opinião pública, desde que isso não afete a defesa dos interesses da magistratura. Mais importante do que buscar prestígio na mídia, “ficar bem na foto”, é defender os princípios e valores permanentes da sociedade e do Estado Democrático de Direito, do qual nós, magistrados, somos a principal base e a última trincheira da cidadania.

Aquelas iniciativas que tiverem essas identificação, propósito e relação com esses princípios serão mantidas e aperfeiçoadas. Algumas campanhas acabaram por desvirtuar o foco que justifica a existência da Associação. Ao longo de minha militância associativa, poucas vezes percebi tamanho desejo de mudanças como agora, pois muitos de nós vemos a AMB na TV, porém, poucos sentimos sua presença quando somos humilhados e oprimidos.

JC – Como será sua relação com o Congresso Nacional?

NHC – É fundamental que tenhamos uma relação aberta, com trânsito e interlocução junto ao Congresso Nacional, para apresentar propostas, defender interesses da magistratura e, principalmente, ter presença e diálogo permanentes. Durante minha vida associativa, sempre busquei essa interlocução e valorizei o trabalho legislativo e parlamentar. Precisamos dessa interlocução para evitar que propostas que atentem contra as prerrogativas e a própria Constituição sejam aprovadas.

JC – Como será seu relacionamento com o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais superiores?

NHC – Nossa relação com o CNJ e os tribunais superiores será institucional e respeitosa, mas não abriremos mão de nossas responsabilidades e de nossos direitos. Estaremos sempre com a Constituição nas mãos, em todos os setores, para garantir a independência dos juízes, as prerrogativas da magistratura e a independência dos tribunais e do próprio Judiciário. A conquista da autonomia do Judiciário foi uma luta longa e sofrida

JC – Como será seu relacionamento com outras instituições afins ao Judiciário, dentre as quais a Ajufe, a Anamatra e a OAB?

NHC – Será de intensa parceria. Vamos reabrir as portas da AMB para a participação de magistrados de todas as instâncias e regiões, especialmente para aqueles que, por razões até compreensíveis, deixaram a Associação. Ouvir a OAB e o Ministério Público é ouvir exatamente as pessoas que a Carta da República definiu como profissionais indispensáveis à administração da Justiça. Todos nós que defendemos a democracia e a cidadania queremos também um Judiciário autônomo e de cabeça erguida

JC – Existe no Legislativo uma série de projetos em curso de interesse da magistratura, como o que prevê o retorno das férias coletivas de 60 dias, e outros que podem trazer prejuízos à classe, dentre os quais o que prevê a demissão de magistrados por decisão administrativa. Como será a atuação da AMB, durante a sua gestão, frente a essas questões?

NHC – Será uma atuação permanente e de intensa defesa, com diálogo, pela manutenção dos 60 dias de férias e pela rejeição da PEC que propõe a demissão do magistrado administrativamente. Isso é um atentado aos predicamentos dos juízes brasileiros. É uma relativização das prerrogativas dos juízes. Temos, ainda, várias outras matérias de vital importância para a magistratura e para o Judiciário brasileiro em tramitação no Congresso Nacional, para as quais temos que voltar os nossos olhos.

JC – Em prol de que outros projetos de lei o senhor pretende intensificar a atuação da AMB no Congresso?

NHC – Todos os assuntos que envolverem o futuro da magistratura e do Judiciário terão, a partir de agora, a AMB como interlocutora. Vamos investir fortemente no debate pela instituição do novo estatuto da magistratura à luz dos novos tempos democráticos. Nós vamos trabalhar, também, por uma melhor composição do CNJ, com maior número de representantes de 1º e 2º graus da Justiça Estadual, apoiando a aprovação da PEC 457/2010, inclusive com a designação do corregedor estadual dentre aqueles membros com origem na magistratura estadual.

JC – Que planos o senhor tem em relação à política remuneratória da magistratura?

NHC – Defendemos uma remuneração digna, baseada na recomposição monetária de acordos com os índices inflacionários oficiais. A proposta em discussão e feita pelo STF é de 14,7% de recomposição.

JC – Que posição o senhor adotará frente à magistratura de 1º grau?

NHC – Na busca incessante pela instituição do novo estatuto da magistratura, vamos defender maior participação dos juízes nas decisões dos tribunais e na escolha de seus dirigentes. Não apenas somos a favor, como já trabalhamos nessa direção, quando apresentamos uma alteração na Constituição paulista (PEC número 7, de 11 de março de 1999), pela qual era permitida a eleição de colegas de 1º grau para participarem do colegiado na escolha do presidente do Tribunal.

Defendo, ainda, que a transparência e a democratização do Judiciário sejam mais amplas, com a convocação dos juízes de 1º grau e servidores para participarem das discussões de elaboração do orçamento junto com os colegas de 2º grau.

Do ponto de vista das condições de trabalho, vamos defender um projeto de âmbito nacional para que todos os juízes brasileiros tenham uma estrutura de gabinete para auxiliá-los. Seria uma estrutura mínima, provendo-os, além das condições tecnológicas disponíveis, com assessores, assim como já ocorre no âmbito federal e em diversos estados da federação. Esta é uma maneira objetiva e econômica para dar mais efetividade ao Judiciário do que, por exemplo, a criação de Varas.